Aonde foram parar os nossos sonhos ?

É difícil quem não conhece um amigo, parente, vizinho que não tenha perdido suas vontades; a essência de saber quem se é

Legenda: Testemunhamos os dias despertarem e, de tão acordados, queremos o torpor da fantasia porque as horas de sono, quando vêm, já não bastam
Foto: Dahiana Araújo

Há tempos, parar na própria existência e inventar a vida era rotina. Entre metáforas, planejávamos "nossos castelos", amores, faculdades, ofícios, viagens. O fim das guerras, da fome, escola para todos, igualdade e amor sem limite. Liberdade de ser e estar.

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Alguns sonhos nem era preciso sonhar, eram hábitos — vacinas? Projetos de todos os tamanhos e essências. Concretos e simbólicos. Mas hoje a sensação coletiva é de que até o direito de sonhar também nos aflige. Vozes como essas ecoam, e mais vivas: 

 

"Até bem pouco tempo atrás
Poderíamos mudar o mundo
Quem roubou nossa coragem?"

 

De forma semelhante aos versos de Legião Urbana perdemos coragem. Trocamos o deleite de sonhar pela dormência de não pensar com a nossa mente-alma. Testemunhamos os dias despertarem e, de tão acordados, queremos o torpor da fantasia porque as horas de sono, quando vêm, já não bastam.

Esquecemos dos nossos direitos, aqueles impressos em documentos constitucionais, aqueles expressos na mais íntima legislação da nossa própria vontade de vida. Sem a potência de Nietzsche? 

Entre as tantas crises de um país em corda bamba, nossas inseguranças crescem, adoecem corpo e alma. Buscamos a resposta na indiferença, a nós e ao outro.

Vivemos tempos em que séries de streaming, redes sociais — só as digitais —, vídeos engraçados (?) e memes nos preenchem os vazios e nos libertam de quem somos porque estamos imersos em uma rotina de incertezas. 

É difícil quem não conhece um amigo, parente, vizinho que não tenha perdido suas vontades; a essência de saber quem se é, justamente porque temos esquecido de sonhar.  Sintomas que, quem sabe, até viram crises de ansiedade, depois depressão e muitas outras feridas invisíveis, mas abertas.

Mais que esquecido, temos perdido o direito de planejar, imaginar nossas próprias histórias. Seja com os maiores desejos do mundo concreto, como viagens, profissões, casa, seja com os menores anseios do bem-viver — como a saudade do cheiro da rosa preferida ou do caderno de infância perdido. 

Facilmente temos esquecido as nossas poesias perfeitas, nossa memória musical também tem falhado e quando o cheiro do café quente sobe, dificilmente vamos associá-lo às tardes de amor na casa dos avós, rodeadas de irmãos e primos numa disputa feliz pelo bico do pão da bodega.

Tudo isso existe e resiste, também, porque não está fácil sonhar. Mas o impossível também tem sido rotina dentro das nossas histórias, o já é esperança. Nasce como uma rota rumo aos nossos destinos. Uma luz... que nos instiga a abrir olhos os quais nos devolvam o que nos é de direito e dever: a garantir de poder, antes de tudo, sonhar.

Porque cada um tem seu desejo de vida. 

E é possível ter liberdade e paz para isso. Sem que possamos nos perder ao caminhar entre territórios físicos e simbólicos, entre estados de espíritos (confusos), e para que paremos de buscar qualquer forma de um abrigo que nos escondam do que, por enquanto, chamamos de hoje.