Portas e janelas infinitas fechadas há tempos. Corações aliviados, saudosos. Esquina de multidões. Silêncio. Paredes com histórias de vidas, de mortes. Contradições, eu sei. Paradoxos talvez sejam as principais verdades da pandemia, quiçá da vida - da poesia, da política, da história. A memória que a nós sustenta e refaz.
A presença constante do que se vive. As palavras se misturam porque assim estão as nossas tantas sensações. Sentimos, mas faltam-nos expressões. Absurdos e abstratos jamais imaginados, agora, sim, estão em nós. Mais uma vez. E as perguntas se multiplicam ante ao tamanho da nossa incapacidade.
Um ano após o início da pandemia ainda vivemos como se estivéssemos a todo instante numa espécie de travessia entre a arbitrariedade do tempo e a rotina do inacreditável. O peito sobressaltado. Porque tanto do que já nos foi impossível na vida agora está aqui. Tudo (novo) de novo? E a ausência de muitas respostas é a maior de nossas questões.
Um ano atrás, quando a pandemia começou a assolar os nossos dias, tudo o que queríamos era a compreensão sobre as contradições do tempo, de modo que almejávamos pressa da vida, que o ano terminasse e nosso tudo voltasse ao normal.
Um ano se foi, outro veio. Os meses seguiam, a pandemia apertou-nos o peito. Depois, pareceu afrouxar-se. Entre um e outro respiro, nasceram brechas que se fizeram (breves) liberdades. Ruas cheias, ruas vazias. A vida deu voltas, mas, de fato, parece que estamos no mesmo lugar, dentro do mesmo instante de tempos atrás.
Hoje, mais notamos e experimentamos a vida em corda bamba. Esse existir tem sido pura contradição, entre a cura e a morte; vindas e partidas; o medo e a esperança - de ter coragem. Tempo de chegada da vacina, e também de novas cepas. Nova onda. Chuva de mar, leitos no fundo dos olhos. E máscaras. Ainda mais que antes, e a todo instante.
A própria poesia e a arte dos nossos dias de rotina aprofundaram-se também nessa latente contradição. Pura ilusão de equilíbrio. Ora se ri, ora se chora de emoção. O coração arde em dor e amor. A coragem nasce mais forte quando o medo parece tomar de conta. Tempo a mais de vida - que passa, mas também parece que fica.
Agora, o noticiário se repete, as histórias de pessoas diferentes são tão iguais às de pouco tempo atrás. Vivemos, de novo, o tempo do “aperta”, do “esquenta” - nos dizeres do imenso Guimarães Rosa - mas também a ânsia de instalar-nos numa rotina, entre vida real e a fantasia, que nos traga novamente tempos de apertar amores e “afrouxar” o peito.