Casa-abrigo de vô e vó

Ainda de longe, falam da pandemia com a paciência, a fortaleza e a resiliência de quem já viveu muito

Foto: JL Rosa

Dias atrás, eu tentava decifrar algumas linhas quando me veio a tarefa de entender uns sentidos da expressão "casa-natal" e "casa-abrigo-refúgio" e a relação entre nossos lares da vida com a memória que temos de nós mesmos. A leitura, até aquele momento, era estudo, depois virou viagem, por dentro. Ancorei os pensamentos - e o coração - no maior refúgio-abrigo da minha história: a casa dos meus avós.

Paizinho e mãezinha estão vivos, e muito bem! Passaram dos 85 anos, e já caminham mais vagarosos, mas seguem firmes no comando de uma família inteira, fazendo da nossa história, juntos, uma verdadeira lição de amor. Se ao longo da vida a minha verdadeira casa-abrigo ficava a duas, três, cinco ruas de distância, agora está fechada, por segurança. Não podemos entrar. Às vezes, dirijo até a rua dessa minha casa-natal, olho de longe o silêncio do portão fechado e vivo a espera do retorno dos (a)braços abertos.

Eles, que sempre foram nosso amparo, agora estão guardados a quilômetros de distância da metrópole. A pandemia os levou para a cidade vizinha, onde o ar é mais puro e a vontade de vê-los seguros, saudáveis é muito maior que a saudade da calçada repleta de bancos ao redor das cadeiras de balanço feitas na oficina dele; da sala iluminada e do cheiro forte do café dela, que banha nossa alma inteira.

A 'bença' de vó, de vô, agora é por telefone. O isolamento os fez atravessar caminhos e a videochamada os traz de volta vez por outra para o bairro, que, ansioso, os espera. Ainda de longe, falam da pandemia com a paciência, a fortaleza e a resiliência de quem já viveu muito, firmados nos tempos de amor, nos tempos de dor, em épocas nas quais os dois sentimentos até se confundem. Não é de hoje que as esperas preenchem seus dias.

E não é só a casa de mãezinha e paizinho - com quartinho escuro, cama macia e pão quente - que são abrigo. As suas falas também são recanto e conforto. "Isso vai passar. Dessa vez está demorando um pouco, né? Mas tem que ter calma". "Em 1958, eu vivi uma coisa tão dura que? " Foge a memória de vez em quando. E depois, mansa, retorna. Mas a história nos conta sobre uma grande seca daquela época. Tempo de dor - diante da ferida que é a falta d'água. Tempo de amor - quando as casas mais estruturadas abrigavam sertanejos para a refeição do dia. Relembram os dois.

Na recordação, também voltam os dias da nossa rotina. Há uns 20 e poucos anos, ainda corriam ao atravessar a rua quando a gente chegava de longe. Hoje, ganham o mundo de forma mais branda. A calma virou essência. Já eu, que nunca fui boa de cálculos, agora faço desse dilema meu alívio. Porque decidi perder as contas dos dias de saudade e ansiar pelas horas do porvir.

Espera

É tudo parte da espera. O retorno não tem data, mas está previsto. E para quem já se mudou tanto na vida - como eu - de casa, de bairro, de cidade, até, ter para onde voltar é também um entre tantos abrigos. E a acolhida é a melhor de todas as respostas. Ainda mais quando nossos anseios viram verdades. Por meio de preces, pedidos. De 'bença' de vô, de vó. "Deus te abençoe... E te dê felicidade". Que assim seja.