‘A atenção primária precisa de intervenção urgente; Fortaleza sozinha não consegue’, diz secretário

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o titular da Secretaria Municipal da Saúde reconheceu deficiências da rede e apontou sobrecarga financeira

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Legenda: Em abril deste ano, durante visita da reportagem, o posto de saúde Irmã Hercília Aragão, no bairro São João do Tauape, estava recebendo também a demanda do Posto Pio XII
Foto: Fabiane de Paula

Ir a um posto de saúde e enfrentar superlotação. Esperar meses por uma consulta especializada ou exame. Corriqueiras para fortalezenses, as situações incomodam e debilitam a saúde – tanto da população como da própria rede municipal.

Em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste, o secretário municipal da Saúde, Galeno Taumaturgo, reconheceu o que, na ponta, os usuários já sentem: “a atenção primária de Fortaleza precisa de uma intervenção urgente”.

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Por que há postos superlotados?

Foto: Fabiane de Paula

O secretário aponta os 3 principais fatores que, na visão dele, têm mergulhado a atenção básica de Fortaleza na atual crise: “a sazonalidade atípica (das síndromes gripais), o início das reformas e a precariedade na qual os postos de saúde já se encontravam”.

“As pessoas têm reclamado muito da situação precária física das unidades, o que é uma verdade. Tem posto que tivemos que deslocar o atendimento, pra não parar. Isso contribui pra superlotação. As pessoas reclamam com razão, mas é um momento que precisamos atravessar”, pontua.

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postos de saúde da cidade estão em reforma ou terão intervenções iniciadas, segundo a SMS.

Além da reestruturação física dos locais, cujas instalações são alvos constantes de queixas dos usuários, o titular da secretaria frisa a importância ampliar e consolidar o quadro de trabalhadores – um dos gargalos históricos do atendimento primário.

“Chamamos agora 70 profissionais para a atenção primária, e até o dia 12 de maio serão mais 19, fechando 89. A maior parte é de médicos. A dificuldade é que a atenção primária hoje, pra muitos médicos, é uma transição. Ele não se fixa”, lamenta.

Legenda: Galeno Taumaturgo, médico urologista e atual secretário da Saúde de Fortaleza

O médico termina a faculdade e vai pra atenção primária enquanto não entra na residência. Então, há uma precarização constante. Quando isso vai melhorar? Quando houver o maior número de médicos de família por formação. 
Galeno Taumaturgo
Secretário da Saúde de Fortaleza

Galeno explica que contratar “pessoas capacitadas para a atenção primária” é uma das chaves para reestruturar a rede, uma vez que “o que caracteriza o profissional da atenção primária é o vínculo com o paciente, conhecê-lo – e se ele não fica, não constrói isso”.

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“Em toda prova de seleção, estamos definindo que se pontue melhor quem já tem residência, porque essa pessoa vai ficar na área que escolheu”, afirma o secretário, ressaltando, porém, o respeito pelas escolhas de cada profissional.

Uma das estratégias previstas pelo Município de curto a longo prazos para trabalhar a questão é a criação da Escola de Saúde Pública (ESP) de Fortaleza, a exemplo da ESP estadual. Os planos para erguer o equipamento, segundo Taumaturgo, estão em andamento.

Diálogo com Governo do Estado

Em abril deste ano, a secretária da Saúde do Ceará, Tânia Mara Coelho, afirmou que a sobrecarga dos hospitais estaduais em Fortaleza acontece porque a rede municipal está dificiente de equipamentos e de profissionais.

“Tivemos, neste ano, o fechamento de 4 emergências de hospitais públicos do Município. Corrobora a isso (superlotações) o fato de os postos de saúde estarem com déficit de profissionais”, disse, em entrevista coletiva à imprensa.

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Para Galeno Taumaturgo, não há relação entre os fatos. “O problema da saúde é o subfinanciamento, o recurso não é suficiente. Então achar que o fechamento de emergências é o causador de superlotação… Não consigo relacionar.”

Temos procurado ter um diálogo com a Secretaria da Saúde do Estado, porque não interessa à população posição A ou B. Interessa a ela o atendimento. Temos que nos unir, somar esforços, equipes de atendimento médico, vagas de hospital. A união é fundamental.
Galeno Taumaturgo
Secretário da Saúde de Fortaleza

O titular da SMS pontua que Fortaleza tem 10 hospitais, “enquanto Salvador, por exemplo, tem um”, um parque de equipamentos que exige grandes montantes para ser mantido.

“Por que temos 10 hospitais? Porque os gestores enveredaram por esse caminho. Mas do ponto de vista financeiro, ficou muito pesado. Do parque de atenção hospitalar do Nordeste, Fortaleza é o maior, e para se manter isso é muito recurso”, destaca Taumaturgo.

“Recursos não são suficientes”

Numa cidade com 2,7 milhões de habitantes, dos quais cerca de 85% dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), como estima Taumaturgo, a conta não fecha. “Os índices de investimento são altos, mas não são suficientes”, sentencia. 

A prévia do Censo Demográfico 2022 apontou que a capital cearense possui cerca de 2,7 milhões de habitantes. Destes, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) de março deste ano, somente 951.636 (cerca de 35%) utilizavam planos de saúde.

De acordo com painel divulgado pelo Tesouro Nacional, que cruza informações sobre deslocamentos, gastos hospitalares e tamanho dos municípios, Fortaleza é 1ª capital do Nordeste e a 4ª do Brasil com maior gasto em saúde. Mas, segundo o titular da SMS, “a prefeitura sozinha não consegue dar conta disso”.

Saúde são vasos comunicantes: se tenho uma rede hospitalar grande e preciso fortalecer atenção primária, chega um momento que tenho que priorizar, porque o recurso não dá. Há defasagem de recursos, sem dúvidas. Estamos reivindicando que nosso teto de Média e Alta Complexidade seja aumentado.

O secretário afirma que esteve em Brasília, recentemente, em reunião com representantes do Governo Federal, para pontuar as dificuldades da cidade em bancar a saúde com recursos “defasados” e angariar novos aportes.

“De uma forma geral, a saúde ainda está enfrentando uma ressaca grande da Covid. Não dos efeitos da doença, mas do que foi consumido em termos de pessoal e equipamentos. Precisamos nos ‘rearrumar’”, finaliza.

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