Visitar a casa de Antônio Conselheiro é passeio indispensável para quem vai a Quixeramobim
Com atividades voltadas para a formação e fruição cultural, espaço ganha ainda mais fôlego devido aos 125 anos da Guerra de Canudos, completados em 2022
Rua Cônego Aureliano Mota, 210, sede municipal de Quixeramobim. Lá está uma casa modesta, com arquitetura singela, típica das moradias do interior. Possui planta retangular, com térreo e sótão no pavimento superior, além de acréscimo na área dos fundos. Podia ser o meu ou seu lar, mas trata-se da Casa de Antônio Conselheiro (1830-1897).
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Um dos mais importantes personagens da História do Brasil nasceu nesse recanto, construído no início do século XIX por Vicente Maciel, pai do famoso líder religioso. Apenas esse fato já justificaria a necessidade de visita ao espaço. Conselheiro foi o principal nome da Guerra de Canudos ao formar e representar uma comunidade sócio-religiosa no interior da Bahia. O conflito armado envolvendo esse povo e o Exército Brasileiro completa 125 anos em 2022.
Agora a necessidade de desbravar a casa ficou ainda mais forte, sim? Tombada pelo Estado em 2005 e em processo de restauro desde 2018, a antiga residência de Conselheiro passou a abrigar, desde 30 de junho deste ano, um equipamento cultural de resistência artística, em homenagem ao líder de Canudos e aos sertanejos. Voltada para eventos, exposições e palestras, é também local de pesquisas e estudos. Um pequeno paraíso em amarelo vivo.
“Penso que a existência dela tem mais duas funções diretas: a primeira é resgatar o pertencimento de nossa população à própria história e memória, compreendendo a trajetória de Conselheiro e tudo o que envolveu a guerra contra Canudos como marco histórico das lutas sociais do país. Afinal de contas, como dizia Ariano Suassuna, ‘quem não conhece Canudos, não conhece o Brasil’”, mensura Pedro Igor Pimentel, gestor do equipamento.
Outra dimensão importante, conforme ele, é que a casa resgata e provoca a necessidade da cidade de Quixeramobim de cuidar do patrimônio histórico material e imaterial por meio de leis, registros, fiscalização, tombamento, entre outros modos de resguardo e preservação.
Funcionando de terça a domingo, o lar traduz muito bem essas variáveis. Possui entrada gratuita e abrange as mais diversas linguagens artísticas, indo de grupos de leitura a rodas de conversa e outros serviços – muitos com apoio de instituições locais.
Um dos diferenciais está no anfiteatro construído no processo de reforma e adaptação do equipamento, configurando um novo espaço. Nele, são realizadas apresentações culturais, seminários, exibições, entre outras atividades, a partir do suporte da Secretaria da Cultura do Ceará e do Instituto Dragão do Mar.
O Brasil atual passa por Belo Monte
Entre as ações permanentes e de longa duração do lar, cabe destacar duas: a exposição “Tramas de Belo Monte” e a Feira Agroecológica e Cultural do Belo Monte.
Esta última, realizada mensalmente, conta com produtos sem veneno, oriundos dos quintais agroecológicos da região do Sertão Central, a exemplo de Quixadá, Senador Pompeu e Quixeramobim. Além disso, também reúne artesãs e artesãos locais, que trazem produtos e fazeres artísticos para comercializarem.
Por sua vez, a mostra “Tramas de Belo Monte” tem curadoria de Danilo Patrício e Osvaldo Costa, primando por artistas como Luci Sacoleira, Renata Santiago, Simone Barreto e Tibico Brasil. O projeto apresenta repertórios estéticos ligados ao episódio Canudos a partir da guerra, em diálogo com temas e questões do Brasil que permanecem atuais.
Inicialmente, a proposta foi idealizada em cinco pontos gerais: as tramas. Os curadores partiram de cinco. Mediante pesquisa e percursos de diálogos, elas se entrelaçam no corpo narrativo móvel da exposição: Trama A Casa; Trama O Tempo, Trama Os corpos, Trama: Olhares, vozes, olhares e os múltiplos sentidos; Trama Laços entre muitos.
“Essa ideia vai ao encontro de movimento narrativo – passado e presente, além de uma mistura de repertórios que se dá a partir do artístico, das simultaneidades. Tramar como algo que vai entrelaçar coisas, formando um corpo que se move. A proposta é dizer várias coisas a partir do mote de Conselheiro e dos acontecimentos que envolvem a guerra, aqueles que o seguiram, bem como as questões do Brasil atual”, localiza Danilo Patrício.
O pesquisador, jornalista e realizador cultural, mestre em História pela Universidade Federal do Ceará, explica que a mostra sob sua curadoria ocupa boa extensão do equipamento, evidenciando o projeto do Arraial do Belo Monte – localizado às margens do rio Vaza-Barris, em área conhecida como Canudos, onde foi deflagrada a guerra no início da República – de solidariedade, coletividade, compreensão e convivência dos diferentes.
“Isso continua até hoje, ou pelo menos nos inspira em outras ações. Não à toa, no começo da exposição, lemos que ‘Belo Monte é hoje’. É o lugar por onde podemos ver a História ocupando o presente”.
Celebrar Conselheiro
As ações em homenagem a Antônio Conselheiro ganharão mais vigor em setembro, por ocasião dos 125 anos de falecimento do líder. Serão momentos de celebração da memória dele e de Belo Monte. Mais do que a lembrança da morte, em 22 de setembro de 1897, e o fim do massacre, em 5 de outubro do mesmo ano, serão demarcadas relações entre passado e presente e a força inspiradora que Conselheiro possui.
“Isso fortalecerá, inclusive, as relações que já temos construídas com o município de Canudos, na Bahia, para formalizar parcerias e ações conjuntas com o local onde ocorreu a guerra”, prevê Pedro Igor. De acordo com ele, passado todo o tempo no qual aconteceu a guerra, o Brasil atravessa, em 2022, as mesmas mazelas que possuía em 1897.
“Experimentamos uma guerra cultural que nos desestimula, inclusive, a contar nossa história. A falta de investimento a nível federal, por exemplo, no campo da cultura, atinge frontalmente as ações dos espaços culturais de todo o país, que resistem a partir dos Estados, dos artistas e das leis aprovadas no Congresso Nacional, a contragosto da Presidência da República. Isso é sério e diz muito sobre essa mensagem de resistência que Antônio Conselheiro nos deixou: não estamos nos rendendo, assim como Canudos não se rendeu”.
A partir dessa compreensão, a Casa tem uma dimensão política reativa, propondo um Brasil coletivo, solidário e afetivo, tal qual Canudos. Danilo Patrício, por sinal, corrobora com essa visão. O curador de “Tramas do Belo Monte” aposta na multissensorialidade da exposição para fazer com que o público não apenas sinta Canudos, mas a viva e reinvente-a.
“O país da época da guerra queria ceifar experiências de parte da população, aquela que era estranha à república nascente – esta civilizatória ao modo da violência, e que continua a fazer isso como forma de interditar experiências solidárias. Ao mesmo tempo, por meio do artístico e do comunitário, são vivências que se reinventam. A arte de viver e de narrar são inspiradoras no episódio de Canudos e de Belo Monte”.
Portanto, reitero: visitar a casa de Antônio Conselheiro é passeio indispensável para quem vai a Quixeramobim. Agora você também sabe.
Serviço
Casa de Antônio Conselheiro
Rua Cônego Aureliano Mota, 210, sede municipal de Quixeramobim. Terças e quartas, das 8h às 12h e de 14h às 18h; quintas e sextas, das 14h às 21h; sábados, das 8h às 12h e das 17h às 21h; domingos, das 16h às 19h. Entrada gratuita.