Traumas, infância e família estão relacionados? Romance de estreia de cearense aprofunda questões

Pedro Jucá lança “Amanhã Tardará” em Fortaleza no dia 23 de agosto; na história, um homem volta à casa da família e, encontro ambiente hostil, busca resposta nas lembranças

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(Atualizado às 09:10)
Legenda: Pedro diz que o livro tem partículas das próprias histórias e histórias de pessoas próximas, mas, no grosso, é pura ficção
Foto: Roberto Geraldo Filho

“A última parte da viagem até a casa de minha infância eu teria de trilhar a pé”. Se a primeira frase de um livro é a coluna vertebral da história, “Amanhã Tardará” cumpre bem o feito. A obra – estreia do cearense Pedro Jucá no gênero romance – será lançada no dia 23 de agosto na Livraria Leitura do Shopping RioMar Fortaleza.

A sentença inicial é poderosa porque abraça os principais temas trabalhados no projeto. Traumas, infância e família saltam das páginas e capturam rapidamente a audiência. Na trama, conhecemos Marcelo. Residente nos Estados Unidos, ele retorna à cidade natal, Ourives, devido à iminência da morte do pai.

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Ao chegar, se depara com cenário pouco acolhedor, o que o obriga a buscar na memória fatos capazes de explicar aquela situação. “O livro contém, claro, partículas de histórias minhas e histórias de pessoas próximas – alguns dados objetivos eu busquei de um ex-namorado meu, por exemplo – mas, no grosso, é pura ficção, tanto quanto uma ficção possa ser ‘pura’. Acredito ser impossível não escrever a partir de si”, diz o escritor.

O enredo ganhou vida em 2022, logo após o lançamento de “Coisa amor” – coleção de contos publicada pela editora Urutau e primeiro livro dele. Apesar de não saber exatamente o que escrever naquela época, latejava no cearense a vontade de desenvolver uma história de maior gramatura. A ideia, assim, foi ganhando vida e se impondo.

“Eu, Pedro, sou muitos. Escrevo para poder estetizar em palavra questões que, de uma maneira ou de outra, me atormentam e assombram. Não é porque é ficção que não é verdadeiro. Não é porque é inventado que não é real”, salienta ao mencionar também que é filho da Psicanálise. Não à toa, “Amanhã Tardará” se aprofunda bastante nesse campo.

Isso explica por que seria impossível não posicionar a sexualidade no centro da escrita – menos na perspectiva genital e mais relacionado a nosso impulso constante em tentar fazer laço, aplacar a solidão. Tentar recuperar, no outro, a unidade que acreditamos ter perdido e que, no fundo, talvez nunca tenhamos tido.

“Nossa sexualidade é traumática e traumatizada, isto é, pautada e marcada pelo trauma, que é o abalo sísmico na nossa história pessoal, o sem-sentido, a ponta solta na narrativa de si, o beco-sem-saída ao qual retornamos de novo e de novo, ainda que contra a nossa vontade”.

Romance de formação

Nada melhor que um romance de formação, então, para retratar essa força inesgotável do trauma, a maneira pela qual ele se infiltra em nossas relações e frestas psíquicas. Para Pedro, muitas vezes acreditamos estar livres dos fantasmas do passado, mas o que acontece quando descobrimos que, em larga medida, esses fantasmas são constitutivos do que somos? 

“‘Amanhã Tardará’ tenta explorar essa questão do trauma a partir do ponto de vista do Marcelo. Quando ele retorna à casa de infância, é recebido por Inês, sua irmã, com truculência física e repulsa. Mesmo depois de tanto tempo, o passado ainda está ali, o passado não passou – o trauma não se resolveu”.

Legenda: "Escrevo para poder estetizar em palavra questões que, de uma maneira ou de outra, me atormentam e assombram", diz Pedro Jucá
Foto: Laís Graf

É essa recepção fria de Inês, por sinal, que nos faz embarcar, com ele, no contrafluxo da lembrança. Retornamos aos primeiros anos. Conhecemos pais, tios, avós. Em suma, é a história de uma família ao longo de mais de 30 anos. Tempo suficiente para o narrador concluir: esse ajuntamento de gente com mesmo sangue é brutal. 

A escrita de Pedro, porém, traz outros gradientes, abrindo espaço inclusive para sentimentos praticamente invisíveis nessa celeuma. “A Jeovanna Vieira (autora de ‘Virgínia Mordida’) escreveu um dos resumos do livro e chegou a dizer, brincando, que meu traço tóxico, como escritor, era a ternura. E o livro traz um pouco disso, dessa contradição, dessa tensão entre sentimentos díspares que, todos nós sabemos, costura toda e qualquer relação familiar”.

A cena literária contemporânea

É com pompa que o romance chega ao público, editado pela Planeta por meio do selo Tusquets Editores – o mesmo que publicou nomes como Marguerite Duras, Camila Sosa Villada, Paulo Lins e Almodóvar. Desta vez, porém, o projeto gráfico diferenciado anuncia que o foco é apresentar novas vozes da literatura brasileira.

“Uma honra enorme estar abrindo alas para essa nova proposta do selo no Brasil. Sou o primeiro – que responsa, meu deus – de muita gente incrível que logo se junta a mim: Renata Belmonte, Jean Wyllys, Milly Lacombe e, last but not least, Lorena Portela, que, que alegria, também é cearense. Mal vejo a hora de encontrá-la e comemorarmos juntos, soltando uma senhora vaia”, ri. “Minha esperança é que isso aconteça logo mais, na Flip”.

Legenda: No lançamento do livro em Fortaleza, autor quer sobretudo encontrar gente e reforçar laços
Foto: Laís Graf

Até lá, o autor se prepara para o lançamento em Fortaleza – quer, sobretudo, encontrar gente e reforçar laços – e se recusa a caber em rótulo. Pedro é homem gay cearense, mas não quer que pensem que, por ser quem é e falar do que fala, escreve “literatura gay” ou “literatura regional”. “Me recuso. E nem consigo, ao menos não até hoje, produzir uma literatura de efemérides, com grandes acontecimentos e situações extraordinárias”.

Interessa mesmo a ele, num momento em que todos os fatos da vida parecem já ter acontecido, escolher se voltar para dentro. O cotidiano, as relações familiares, as nuances e as impossibilidades de estar no mundo. Escrever, enfim, sobre a experiência humana.

“Desenvolver uma narrativa longa é um caminho – longo ele também – de dores e delícias, uma subida aos céus e uma descida aos infernos. Tem uma frase da Dorothy Parker que eu amo: ‘I hate writing, I love having written’ (em tradução livre, “Odeio escrever, adoro ter escrito”). É isso. Escrever dói, mas, caramba, como pode haver satisfação no resultado”.

 

Serviço
Lançamento de “Amanhã Tardará”, de Pedro Jucá
Dia 23 de agosto, às 19h, na Livraria Leitura do Shopping RioMar Fortaleza (R. Des. Lauro Nogueira, 1500 - Papicu). Mais informações no site da editora Planeta e nas redes sociais do autor

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