Série da Netflix sobre o 'Assalto ao Banco Central' exalta a investigação em torno do crime

Com arquivos e depoimentos inéditos, série “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central" coloca lado a lado o histórico crime ocorrido em Fortaleza e os detalhes que solucionaram o caso

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Mais de 30 pessoas foram entrevistadas para o documentário, entre policiais federais, jornalistas, pesquisadores, procuradores e juízes em São Paulo (SP), Brasília, Fortaleza (CE), Boa Viagem (CE) e Porto Alegre (RS)
Legenda: Mais de 30 pessoas foram entrevistadas para o documentário, entre policiais federais, jornalistas, pesquisadores, procuradores e juízes em São Paulo (SP), Brasília, Fortaleza (CE), Boa Viagem (CE) e Porto Alegre (RS)
Foto: Netflix/Divulgação

O peso de um crime que ainda reverbera na memória dos brasileiros. Em 2005, sem disparar um tiro sequer ou despertar qualquer suspeita, um grupo de criminosos invadiu o Banco Central de Fortaleza e afanou uma quantia superior a R$160 milhões de reais.  

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A audácia dos envolvidos e a engenharia em torno do esquema fez o caso correr o noticiário internacional. Digno de um roteiro para o cinema, o furto chegou a virar filme em 2011 e teve a história contada no livro “Toupeira - a História do Assalto Ao Banco Central”, de Roger Franchini. 

17 anos depois, essa história repleta de reviravoltas chega ao catálogo da Netflix na quarta-feira (16). Com direção de Daniel Billio, a série “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central" revisita as minúcias do caso e entrega fatos inéditos envolvendo o cinematográfico furto. 

Em entrevista, o diretor revela as dificuldades da produção em desvendar esse quebra cabeça e as consequências deste episódio no cenário nacional. “Acho que o furto ao Banco Central não começou nada. Ele é o pedaço de um processo que aconteceu em Fortaleza, em 2005”, descreve Billio. 

A inspiração para o nome da série advém das quase 3,5 toneladas de dinheiro vivo levadas do cofre do BC. A nova produção da Netflix investe no formato do thriller policial e resgata, em três episódios de 50 minutos cada, os detalhes da ação que parou o País. 

Correndo atrás

Costurar o volume de informações foi o grande desafio da série, revela Billio, que também assina o roteiro. Percorrer cinco anos de investigação policial e as inúmeras pistas estampadas nos jornais exigiu atenção contínua. 

“Foi um trabalho de ir polindo, tirando o que era excesso, não servia, para chegarmos no mais próximo possível da realidade. Inclusive de detalhes da rotina dos ladrões na casa, detalhes da investigação que só um ou dois policiais estavam. Precisavam bater aquilo pra saber se era daquele jeito mesmo”, explica o realizador. 

A jornalista Claudia Belfort atuou como pesquisadora-chefe do documentário
Legenda: A jornalista Claudia Belfort atuou como pesquisadora-chefe do documentário
Foto: Netflix/Divulgação

Com experiência em documentários e séries de não-ficção para televisão, Billio já desbravou outros acontecimentos notórios do Brasil, caso do incêndio na Boate Kiss. Em 2013, ele realizou o doc “Tragédia em Santa Maria”. 

Sobre o misterioso evento ocorrido em Fortaleza, interessou filmar personagens que não tiveram voz até então. É costurando estes depoimentos que a obra coloca lado a lado a ação dos criminosos e o longo processo de elucidação deste crime. Outro ponto considerável são as consequências que eclodiram logo após o feito. 

Grandes crimes

Billio toma como exemplo as prisões de dois envolvidos, Paulo Sérgio e José Marleudo. Cada fato demonstra a complexidade em torno da organização e movimentação do grupo. Mesmo ocorrido na capital cearense, o crime ganhou rastros por outras cidades brasileiras.  

“O caso do Paulo Sérgio (o cara que usava gorro), por exemplo, se você ler a matéria (de jornal da época) é 'Prenderam o Paulo Sérgio em Belo Horizonte'. Bom, então é a primeira vez que contamos como foi o trabalho de chegar até Paulo Sérgio, o dia da prisão, pois tivemos acesso ao policial que estava lá, que fez a prisão. E ele nunca tinha falado com ninguém”, descreve.  

O delegado da Polícia Federal (PF), Antônio Celso, é uma das vozes ouvidas na série
Legenda: O delegado da Polícia Federal (PF), Antônio Celso, é uma das vozes ouvidas na série
Foto: Netflix/Divulgação

Para elaborar um ritmo capaz de contar essa longa história, o diretor aponta que adentrou a linguagem da ficção e o público pode conferir um thriller policial. “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central" é uma oportunidade para quem gosta de séries e filmes que recontam os bastidores de grandes crimes. 

Revelamos a história de um crime brilhante. Dos caras que cavaram um buraco e levaram 3 toneladas de dinheiro. Temos depois, também, uma investigação brilhante. Um grupo de policiais que pacientemente começa a seguir e juntar a pontas e pistas deixadas por eles"
Daniel Billio

A série reúne farto material de arquivo e as falas dos investigadores envolvidos nesta verdadeira caçada. Conta também coma a participação de jornalistas que noticiaram os acontecimentos, pesquisadores e o depoimento de um envolvido (não identificado) na ação do BC.  

Brasil de 2022

Billio explicou que a produção se deparou com a dificuldade de ouvir outros membros da quadrilha. Durante o processo, alguns exigiram condições que fugiam do controle da produção e teve quem confirmou, mas preferiu desistir na última hora.  

“A conversa que tivemos com esses outros que não aparecem efetivamente no documentário, também foram importantes para fazermos esse cruzamento de informações. Mesmo não aparecendo, ajudava a apurar as outras histórias que eram contadas”, justifica.  

Um cartão de recarga de celular achado pelo investigador desencadeou toda uma busca por pistas
Legenda: Um cartão de recarga de celular achado pelo investigador desencadeou toda uma busca por pistas
Foto: Netflix/Divulgação

Essa situação explicita todo o caráter complexo que o furto ao Banco Central ecoa até hoje. “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central" também permite conhecermos os desdobramentos daquela ação ao longo dos anos na sociedade. Aquele agosto de 2005 ainda desperta curiosidade. 

“Não sei como se conecta hoje em dia. Acho que o furto ao Banco Central não começou nada. Ele é um pedaço de um processo, que aconteceu em Fortaleza, em 2005. Não acho que ele inaugure. Talvez inicie a época dos túneis para assalto a banco. Depois dele, vários vieram. É parte de um processo que vem se construindo na sociedade brasileira há bastante tempo. O assalto a banco não começou em Fortaleza ou com o PCC”, conclui Daniel Billio. 

Entrevista na íntegra com o diretor Daniel Billio

DIário do Nordeste: Qual a dificuldadade de recontar essa história?

Daniel Billio: A dificuldade foi condensar cinco anos de investigação, 10 anos de reportagens sobre o caso. Peneirando ali as histórias e casos releveantes. O que numa época, seis meses depois do crime era uma verdade absoluta, mas logo pouco tempo depois se revelou uma coisa falsa ou teoria da conspiração. 

O trabalho foi peneirar a grande quantidade de informação que tínhamos, costurar as memórias das pessoas que entrevistamos. As pessoas algumas vezes tem lembranças que são falsas memórias. Nem é mentira, mas às vezes leram tanto sobre o caso..'Te conto tanto uma história que depois você conta como se fosse tua'. Então, em alguns casos, tinham personagens que contavam histórias que não eram dele, como se tivessem vivido aquilo. 

Foi um trabalho para saber quem estava realmente naquele momento, o que tinha acontecido. Foi uma trabalho de ir polindo, tirando o que era excesso, não servia, para chegarmos no mais próximo possível da realidade. Inclusive de detalhes da rotina dos ladrões na casa, detalhes da investigação que só um ou dois policiais estavam. Precisavam bater aquilo pra saber se era daquele jeito mesmo. Peneirar bem as informações foi o grande desafio.

DN: Quais novos elementos o documentário traz ao público?

DB: Temos personagens que não tinham tido voz até agora. Que tiveram a oportunidade de contar a versão deles sobre a história. Mais claramente, no caso dos policiais. O delegado Antonio Celso, que comandou as investigaçõe,s centralizava as operações e utilizava grupos investigativos em várias partes do Brasil. Em muitos casos, ele não estava presente na prisão. Tinha um grupo dele que prendia alguém e mandava para ele em Brasília.

Se você for ver a investigação da época... O caso do Paulo Sérgio (o cara que usava gorro), por exemplo, se você ler a matéria é 'Prenderam o Paulo Sérgio em Belo Horizonte'. Bom, então é a primeira vez que contamos como foi o trabalho de chegar até Paulo Sérgio em Belo Horizonte, o dia da prisão, pois tivemos acesso ao policial que estava lá, que fez a prisão.

E ele nunca tinha falado com niguém. A mesma coisa o policial Nicodemos que também conta a prisão do José Marleudo. Nunca se tinha escutado. Só ele e o time dele que estavam ali. O grande barato da série é a quantidade de detalhes que trazemos para essa história.

DN: Temos muito a voz dos agentes de segurança. Vocês tiveram dificuldade de ouvir envolvidos ou familiares para ouvir a versão deles?

DB: Entramos em contato com alguns membros da quadrilha. Não é um trabalho fácil. Tem primeiro achar a localização dessas pessoas e depois de convencimento a dar entrevista. Tivemos reuniões, conversamos, combinamos que iríamos gravar. Explicamos como seria e alguns colocavam algumas condições que não podíamos cumprir, outros marcavam e desistiam de falar. Família, nem pensar. Aí que eles não queriam mesmo. Quem topou foi o que aparece protegido com a voz e com o rosto. 

Mas, a conversa que tivemos com esses outros que não aparecem efetivamente no documentário também foram importantes para fazermos esse cruzamento de informações. Mesmo não aparecendo, ajudava a apurar as outras histórias que eram contadas. Foram muito úteis mesmo não participando diretamente da série.

Mais de 30 pessoas foram entrevistadas para o documentário, entre policiais federais, jornalistas, pesquisadores, procuradores e juízes em São Paulo (SP), Brasília, Fortaleza (CE), Boa Viagem (CE) e Porto Alegre (RS)
Legenda: Mais de 30 pessoas foram entrevistadas para o documentário, entre policiais federais, jornalistas, pesquisadores, procuradores e juízes em São Paulo (SP), Brasília, Fortaleza (CE), Boa Viagem (CE) e Porto Alegre (RS)
Foto: Netflix/Divulgação

DN: Como a série reverbera com o Brasil de 2022

DB: Um dos policias fala isso. O Nicodemos aponta que esse crime se conecta com o Brasil de hoje. Ele como policial e pessoa que vive a segurança pública e a criminalidade diariamente, ele certamente sabe do que está falando. Como não sou um especialista em segurança pública, o que me interessou foi essa história específica.

Não sei se sou capaz de explicar como que o crime se linka. Lendo esse material todo, o  PCC já tinha uma cabeça de ponte no Ceará. O documentário mostra, inclusive, uma parceria entre o Alemão e Marcola num dos assaltos a Corpus. O Marcola já estava no Ceará entre 1996 e 1997, por aí. Essa relação deles já é antiga. Com o tempo, talvez tenha se solidificado. 

Não sei se o Alemão é do PCC, ninguém fala sobre isso. O que tem ali é que todos se conhecem de cadeias. Eles cumprem penas pelo Brasil inteiro e acabam fazendo laços de amizade e parcerias. Não necessariamente precisa ser do PCC para ter amigos do PCC. 

Não sei como se conecta hoje em dia. Acho que o furto ao Banco Central não começou nada. Ele é o pedaço de um processo, que aconteceu em Fortaleza, em 2005. Não acho que ele inaugure. Talvez inicie a época dos túneis para assalto a banco. Depois dele, vários vieram. É parte de um processo que vem se construindo na sociedade brasileira há bastante tempo. O assalto a banco não começou em Fortaleza ou com o PCC.

DN: “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central" promete ganhar um espaço no gênero de séries que contam crimes reais?

DB: Espero que seja sucesso. A lingaugem é de ficção. Tem um rimo de contar as histórias. É um thriller polical. Revelamos a história de um crime brilhante. Dos caras que cavaram um buraco e levaram 3 toneladas de dinheiro. Temos depois, também, uma investigação brilhante. Um grupo de policiais que pacientemente começa a seguir e juntar a pontas e pistas que são deixadas por eles. Um a um eles vão sendo presos e os episódios tem uma reviravolta. Olha, enquanto tudo isso acontecia, acontecia isso aqui também. 

Uma violência e cenário de sangue que você não tem nos dois primeiros episódios. Os dois primeiros são limpos, onde prevalece a inteligência. Tanto dos criminosos para executar o crime como dos policiais para investigar. O terceiro episódio é força bruta. A inteligência da lugar à violência.

 

 

 

 

 

 

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