Sensação de cansaço constante? Saiba o que é 'fadiga pandêmica'

Fenômeno denominado pela OMS alerta sobre exaustão mental provocada pela pandemia, que pode levar ao relaxamento das medidas de combate à Covid-19, preocupando especialistas

Escrito por Redação ,
Esta é uma imagem de uma pessoa na sacada
Foto: Tauseef MUSTAFA / AFP

Se você está se sentindo cansado mentalmente, você não é o único. Um ano depois dos primeiros casos confirmados da Covid-19 no Brasil, a situação pouco mudou e até piorou. Sem perspectivas de um futuro próximo melhor, os níveis de apatia crescem na população. Esse esgotamento mental gerado pela pandemia já tem até nome e foi batizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de “fadiga pandêmica”

Segundo a OMS, muitas pessoas estão se sentindo menos motivadas a manterem os comportamentos de prevenção à doença após meses convivendo com alterações na rotina e incertezas. Uma pesquisa realizada pela organização no ano passado na Europa mostrou que o fenômeno já atinge 60% da população de alguns grupos. 

Depois de um ano convivendo com o medo do vírus, a estudante do curso de Sistemas e Mídias da Universidade Federal do Ceará (UFC), Rachel Carvalho, confessa que relaxou um pouco nos cuidados de prevenção à Covid-19, se comparado ao início da pandemia, mas que segue seguindo os protocolos, como uso de máscaras, adoção do distanciamento social e álcool em gel. 

“No começo eu comprei sabão líquido, bastante álcool em gel, máscaras descartáveis e reutilizáveis. Ficava a todo momento me cuidando, principalmente, depois que pessoas próximas a mim pegaram o vírus. Mas depois de alguns meses, fica cansativo. Eu me limitei a usar máscara, andar com um tubinho de álcool e colocar a roupa pra lavar quando voltasse pra casa, após alguma necessidade que me fizesse sair. Algo a mais que isso já causa uma dor”, relata.

Essa fadiga está relacionada, em sua maioria, ao sentimento de frustração, explica a psicóloga e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Sabrina Matos. Soma-se a isso, o contexto de pandemia que o Brasil está vivendo, que acumula além dos recordes de mortes diárias por Covid-19, dúvidas nos âmbitos econômicos, políticos e éticos. 

“Entrar de novo em lockdown limita o que já era limitado. Entendo totalmente a necessidade, mas é um tanto frustrante. Ano passado entramos em lockdown mais ou menos nesse período, então a sensação é de que é um círculo vicioso que eu não consigo ver o fim. É como se eu estivesse cansada demais (até) pra reclamar”, conta a estudante Rachel.

Sintomas

A fadiga pode aparecer de forma distinta em cada indivíduo, esclarece Sabrina Matos. Além do cansaço, esse esgotamento mental também pode se manifestar por meio da irritabilidade, insônia, ansiedade e medo. Ela indica que isso pode variar de acordo com a história de vida e o modo com que cada pessoa lida com essa situação.

“O sofrimento que advém da frustração, que advém desse cenário de pandemia, não é o mesmo. A gente não tem como colocar em uma balança, medir e aferir. Cada um vai vivenciar e cada um está vivenciando esses dias de pandemia de uma maneira muito singular”, aponta.

Para a ilustradora e estudante de Arquitetura e Urbanismo da UFC, Débora Costa, a pandemia pode se resumir em três momentos. Ela conta que no começo, ainda nos primeiros meses de 2020, havia bastante motivação para dar continuidade aos projetos da faculdade, mas que posteriormente, a “ficha caiu” e ela percebeu que as atividades do antigo normal não iriam voltar em breve, o que abriu espaço para a desmotivação

O terceiro momento seria o que vivenciamos agora. Com o recrudescimento da pandemia, a falta de perspectivas permanece. Durante os últimos meses, ela relata estar se sentindo desmotivada, sem energia e esgotada de fazer tudo de forma virtual. 

“Tudo online tira a força vital das pessoas. Pelo menos pra mim, tá sendo muito exaustivo. Todo dia, mesmo que não tenha reunião online, a única coisa que eu faço é sentar em frente ao computador, das 8h às 18h. Às vezes passo semanas sem fazer algo, sem conseguir fazer nada por estar me sentindo totalmente desmotivada, mesmo sabendo que os meus trabalhos são coisas do meu profundo interesse”, descreve. 

Fatores

A carência de uma delimitação clara entre o ambiente de trabalho, escola, faculdade e casa é um dos fatores que têm potencializado a fadiga pandêmica, de acordo com a psicoterapeuta Karla Carneiro. “A partir do momento que eu entro no trabalho, eu entro em outra rotina, em outra realidade. Quando eu trago meu trabalho para dentro de casa, eu promovi uma invisibilidade dessa fronteira”, diz.

A sobrecarga de atividades remotas nesse período tem desencadeado a Síndrome de  Burnout, distúrbio em que o indivíduo sente uma exaustão extrema em decorrência do trabalho. Foi o caso da estudante Rachel Carvalho, que precisou conversar com os professores da faculdade para reduzir o volume de atividades semestrais.

“(Estou) tão afetada com isso de tudo remoto, que é até difícil descansar, e eu me forço a continuar estudando, trabalhando, pesquisando, fazendo qualquer outra coisa em vez de descansar, porque não tenho mais o senso de descanso e trabalho. Meu quarto é o meu local de descanso e de trabalho, então se eu deito um pedaço depois do almoço, me sinto culpada porque aquela hora eu deveria estar fazendo tal atividade, lendo tal artigo, vendo tal videoaula”, compartilha. 

A impossibilidade de estar pelo menos em home office também estressa. A especialista  lembra sobre a situação dos brasileiros que perderam o emprego durante a pandemia. Em 2020, a taxa de desemprego no Brasil registrou recorde e atingiu 13,5%, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Outro fator que gera estresse é a impossibilidade de fazer planos diante da falta de perspectivas, indica Karla. “O que eu tenho escutado das pessoas são muitos projetos interrompidos. Isso acaba deprimindo as pessoas. Eu não tenho mais planos, eu não sei se amanhã eu vou estar viva, não sei se amanhã eu estou em família. Tudo isso provoca um cenário muito complexo e muito adoecedor para as pessoas”, alerta.

Estratégias

Não há uma solução mágica para resolver a fadiga ocasionada pela pandemia, diz a psicóloga Sabrina Matos. Mas é possível encontrar estratégias, que devem ser escolhidas de acordo com as afinidades de cada pessoa. 

“A gente sabe que as pessoas querem respostas, mas não existe uma resposta que vá servir pra todo mundo. Eu poderia elencar aqui várias atividades, mas pode ser que ela não dê certo para todo mundo e certamente não vai dar”, afirma. 

A Débora já encontrou sua válvula de escape da pandemia: a arte. Para a ilustradora, estudar, pesquisar e produzir arte têm proporcionado a ela um alívio para o cansaço e a falta de estímulo causados pela fadiga pandêmica, embora tenha sido desafiador manter o processo criativo nesses tempos difíceis. 

“Uma coisa que fora da pandemia poderia ser super simples de fazer, agora tem sido super desgastante e acabo que eu fico sem tempo de lidar com esse outro lado da minha vida que é a arte. É uma coisa que no começo da pandemia me fez ter esperança e aliviou as minhas preocupações também, mas que eu tenho deixado de lado”, conta. 

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