Sem cinemas públicos no interior, Ceará espera a inauguração de salas em 11 municípios
Itapipoca, Amontada, Aquiraz, Canindé, Cedro, Crateús, Crato, Iguatu, Itaitinga, São Benedito e Tauá têm projetos de iniciativas diferentes que preveem a criação de salas de cinema
Quase 40% da população brasileira reside em cidades sem cinemas. O dado, referente ao último relatório do Sistema de Informações e Indicadores Culturais do IBGE, alerta como o acesso a este equipamento cultural ainda é restrito. O Ceará não foge desta realidade.
Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), 15 municípios cearenses (dos 184) possuem algum complexo cinematográfico em funcionamento. O indicador coloca o Estado na 10ª posição do País quanto a quantidade de salas. Para além dos números, existe a expectativa de que novas localidades ganhem um cinema em breve.
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É o caso de Itapipoca (146 km de Fortaleza). Com previsão de entrega para outubro, a "Terra dos três climas" ganhará o CINE+. Será a primeira sala pública multiuso da região. Terá capacidade para 100 lugares e trará uma programação voltada para filmes autorais brasileiros ligados principalmente a direitos humanos e educação.
Outra iniciativa que promete ampliar o acesso da população é o projeto Cinema da Cidade. Anunciado em maio de 2015, o empreendimento prevê a construção de cinemas em 10 municípios do interior. Contudo, nenhum espaço foi inaugurado mais de oito anos após o anúncio.
Em alguns locais, as obras sequer começaram. Conforme a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), existe a previsão de que seis destes equipamentos sejam entregues em 2024.
Interior já teve cinemas
Atualmente, Fortaleza detém a maior concentração de cinemas. São 12 complexos espalhados pelos bairros da Capital, entre unidades de rede privadas e públicas. A Região Metropolitana reúne seis cinemas e o interior fecha a lista com oito cidades que possuem espaços exibidores oficiais.
Em décadas passadas, inúmeros cinemas atendiam os fãs da sétima arte em diversas cidades do Ceará. Um caso emblemático é o do Crato. Ali, em 1911, o italiano Vittorio Di Maio (1852-1926) instalou o Cinema Paraíso. Seguiram-se, segundo o artigo "O cinema e a cidade do Crato", o Cine Casino, Cine Moderno, Cine-Rádio Araripe, Cine Educadora, Cine São José e o Cine São Francisco.
Ainda na projeção da memória, Sobral teve o Cine Rangel. Uruburetama contou com a magia do Cine São João. Brejo Santo contou com as luzes do Cine Alvorada. Em Iguatu funcionaram Cine Sá e Cine Guarany (este último atendia anteriormente como Cine-Theatro Iguatu).
De acordo com o cineasta e professor do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza, Valdo Siqueira, o fechamento destas salas acompanhou fenômenos como a popularização da TV (a partir dos anos 1970) e a consolidação das locadoras VHS. "O (atual) déficit de salas no interior cearense se deu por ordem econômica, por falta de viabilidade e sobrevivência desses espaços em algumas cidades", descreve.
Para o estudioso, as salas acompanharam uma dinâmica também presente nos grandes centros. "Os cinemas se atrelaram muito a pequenas salas de shopping e até supermercados", contextualiza. A observação acompanha um dado curioso. Hoje, em seis cidades do Ceará, o público pode consumir filmes nas unidades da rede Pinheiro Supermercados. Estão por Sobral, Limoeiro do Norte, Quixadá, Aracati, Acaraú e Itapipoca.
Experiência da sétima arte
Antes de ser entregue à população, o CINE+ já começou sua jornada com os moradores de Itapipoca. Desde julho último, uma mostra itinerante percorre distritos e bairros da região. O objetivo é preparar os espectadores para a programação audiovisual que acontecerá brevemente no novo cinema da cidade.
O CINE+ segue na finalização da parte estrutural, como coberta e laje. Em seguida será vez de acabamento, mobília e equipamento. "Não é um só um cinema. É um equipamento cultural com caráter de multiplicidade e voltado para o ecossistema do audiovisual", nos conta o diretor de projetos do Cine+, Mardônio Barros.
Outro destaque nas próximas semanas será a qualificação de quem trabalhará no cinema. Toda uma equipe formada por gente da região. "De formarmos o profissional projetista. Desde quem vai gerenciar e até cuidar da curadoria, essa contextualizada e pensada em rede", explica o gestor.
Aliado a esse processo de formação, além da exibição nos distritos e periferias, vai contribuir para quando entregarmos o CINE+, ele já estará no imaginário das pessoas. Para que a comunidade saiba do projeto e tenha uma adesão do público".
Mardônio defende que as periferias das capitais, interior principalmente, precisam de políticas que estabeleçam ações concretas que viabilizem equipamentos e o direito a acesso em cultura. "Imaginamos que a capacidade de querer fazer dar certo, empreender para que essa política chegue às pessoas. Tem muita gente no interior do estado com capacidade criativa, que precisa ajudar nessa estruturação da política cultural", completa.
Entrega do "Cinema da Cidade"
Com investimento divulgado de R$ 20 milhões (pela Ancine) e R$12 milhões pela Secult, o projeto Cinema da Cidade foi criado para atender os municípios de Amontada, Aquiraz, Canindé, Cedro, Crateús, Crato, Iguatu, Itaitinga, São Benedito e Tauá.
A premissa é construir duas salas em cada local, uma com capacidade para 100 espectadores e outra para 200. Em nota, a Secult CE explicou que o programa “Cinema da Cidade” prevê três fases: a construção dos espaços, a aquisição de equipamentos e a aquisição de mobiliário. Com relação à compra de equipamentos e mobiliário, o processo licitatório está em trâmite.
No que se refere a construção dos cinemas, apenas Canindé está com obras concluídas. Cedro, Aquiraz, Itaitinga, São Benedito, Crateús e Tauá estão em andamento com previsão de entrega em 2024. "Nos municípios de Amontada e Iguatu as obras não foram iniciadas. No município do Crato, a construção do Cinema passou por problemas documentais e está em estudo de viabilidade", detalha o comunicado da secretaria.
Diante do atual cenário de acesso, Valdo Siqueira lembra que nunca houve uma total democratização desses espaços, nem mesmo em Fortaleza. "O cinema continua sendo caro para população", critica o professor. O que não muda, explica, é a relevância da sétima arte na sociedade, mesmo com a concorrência acirrada de outras plataformas audiovisuais.
"A sala escura ainda tem uma atração muito grande, as pessoas gostam muito de frequentá-las. Ainda acredito que o cinema, como experiência pessoal, na sala escura é experiência única, finaliza Valdo Siqueira.