Para Wagner Moura, ataques a 'Marighella' surgem do atual momento do Brasil e não do filme em si
Em entrevista durante a pré-estreia do filme em Fortaleza, ator e diretor baiano falou da experiência atrás das câmeras e da motivação em contar a polêmica história do guerrilheiro assassinado pela Ditadura MiIitar
Por volta das 18 horas da terça-feira (26), três longas filas se concentram na entrada do Cineteatro São Luiz. É noite da pré-estreia de “Marighella” em Fortaleza. Distribuídos pela internet, os ingressos da sessão acabaram em coisa de minutos.
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Em paralelo a toda expectativa e procura por parte do público, a estreia de Wagner Moura na direção testemunha uma série de ataques e ofensivas. Contar a história de um inimigo da Ditadura Militar brasileira vem tirado o sono de quem é admirador destes ideais.
“Cansado, mas feliz”. desabafa o diretor antes de iniciar a entrevista. Wagner Moura não está só. Do elenco, estavam presentes Maria Marighella e Luiz Carlos Vasconcelos (“Carandiru”). O ator paraibano interpreta um guerrilheiro inspirado na figura real de Joaquim Câmara Ferreira. Neta de Marighella, Maria vive a mãe de seu pai.
“Sempre tive admiração, sempre me inquietaram as histórias do Brasil de resistência e revoltas populares. E essa, sobretudo, da luta contra a Ditadura Militar, pois é uma geração de pessoas muito próximas à minha”, explica o cineasta.
Batalha
O depoimento ilumina uma estrada árdua, iniciada ainda no final de 2012. Amigos do teatro baiano, Maria Marighella presenteou Wagner Moura com a biografia do avô. Dali, a missão passou a desbravar este personagem silenciado. A ideia inicial era fazer um filme, um produto cultural, compartilha. No entanto, o projeto ganhou outras proporções.
"É inacreditável que no Brasil de 2021, um filme cause uma reação que venha do Governo Federal tão violenta e agressiva. Tivemos dificuldade com 'Marighella' desde quando começamos. Financiamento dificílimo. Filmagem foi toda cheia de ameaça, ataque. E o lançamento foi inviabilizado pelo imbróglio da Ancine. Uma situação que eu não tenho nenhum problema em classificar como censura”.
Tanta animosidade reverbera em um certo clima de tensão. Para divulgar o trabalho no Cineteatro São Luiz, o diretor precisa ser acompanhado por um esquema de segurança. Mesmo assim, nada de esmorecer. O entusiasmo é dos mais genuínos e Wagner Moura explica que a chegada de “Marighella” aos cinemas em 4 de novembro encerra uma jornada pessoal.
Simbólica, é a mesma data em que ocorreu o assassinato do guerrilheiro. A mesma semana promete outra emoção. No dia 5 de novembro, a Netflix lança a última temporada de “Narcos”. Destaque da produção na pele de Pablo Escobar, o brasileiro retorna ao projeto dirigindo dois episódios.
Realização
“O lançamento de ‘Marighella’ fecha um ciclo com toda a beleza e dureza do que eu vivi de 2012 até agora. 'Narcos' também. Eu estive como ator nas primeiras temporadas da série e agora na última eu fecho esse ciclo como diretor. Estou me sentido muito bem com isso por enquanto. Não acho que eu seja um diretor. Sou um ator que dirige. Meus projetos, por enquanto são todos como ator”.
Quanto ao futuro, Wagner adianta que participa de dois projetos com diretores nordestinos. O pernambucano Kleber Mendonça Filho (“Bacurau”) e o cearense Karim Aïnouz (“A Vida Invisível”), com quem trabalhou no longa-metragem “Praia do Futuro” (2014).
É um diretor muito importante na minha vida. Com quem eu aprendi muito. O 'Praia do Futuro', fizemos entre Fortaleza e Berlim, mas o processo de ensaio dos filmes foi todo aqui. Vivi quatro meses na Praia de Iracema e eu tenho memórias incríveis de Fortaleza.
Antes de concluir a conversa (a sessão já ia perto de uma hora de atraso), Wagner Moura reflete acerca de outro paralelo em sua elogiada carreira. Há 14 anos, “Tropa de Elite” era sucesso nos cinemas do Brasil. O que houve no intervalo entre Capitão Nascimento e Marighella?
"O que mudou é que o 'Tropa', com toda a discussão que teve, de gente dizendo que era fascista, outros dizendo o contrário, teses e tudo mais... Naquela discussão toda, fui ao jornal, escrevi o que eu achava do filme. Tudo aquilo aconteceu dentro de um ambiente democrático”, descreve.
Repleto de drama, ação e humor, "Marghella" chega aos cinemas brasileiros catalisando atenções e propondo o debate público. Enquanto isso, o realizador segue firme com a estrada de contar uma história pouco conhecida do Brasil.
“No nosso caso, a tentativa de interdição do filme, as violências e ameaças que nós sofremos, físicas inclusive, coadunam com o tempo que vivemos.Marighella é um personagem do seu tempo. O que não parece que está no tempo certo é esse processo que aí está. Resumindo, essa polêmica, esse ataque, essa violência, diz mais, tem mais a ver com o tempo que estamos vivendo do que com o filme em si", conclui Wagner Moura.