Novo livro da cearense Marília Lovatel elege a leveza como modo de atravessar as dores

“Invento de borboletas” será lançado neste sábado (10), em live no perfil do instagram da escritora e da editora Aliás, por onde a obra é publicada

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: finalista do Prêmio Jabuti 2017 e detentora de vasta obra, sobretudo ligada ao público infanto-juvenil, Marília Lovatel abre passagem para o voo em nova obra
Foto: Igor Xavier

Uma literatura cuja primeira escrita foi na terra. E então – moldada por memória de criança descalça, brincando em chão de sítio – fez-se planta, açude, passarinho. Ao abraçar esse tecer narrativo tão ligado ao puro do mundo, Marília Lovatel singra pelas letras com desejo de leveza. É preciso, enfim, cor e asas para atravessar a peleja que se fez o tempo presente.

Não à toa, quando indagada sobre por que publicar um novo trabalho neste instante de pandemia de Covid-19, ela recorre ao essencial. “Por salvação, para tocar as dores com unguentos, criar bálsamos coletivos. O livro é o instante”, diz.

A obra em questão é “Invento de borboletas”, assinada pela cearense finalista do Prêmio Jabuti 2017 e detentora de vasta obra, sobretudo ligada ao público infanto-juvenil. O evento de lançamento acontece neste sábado (10), às 17h, por meio de live no perfil do instagram da autora e da Aliás Editora, casa à frente da publicação.

O título reúne 50 textos, transitando, de modo fluido e terno, por entre crônicas, breves impressões, poemas e contos. Marília sublinha que a mistura se dá em um levante, representando essa vontade de revoada colorida, de ventar, de se reinventar.

“Foi um olhar pra dentro, arrastar na rede de pegar borboletas temas como família, amor, perda, encontro, pondo em revisão as fases da minha vida, desde a infância”, detalha. “São memórias minhas, outras emprestadas, outras inventadas mesmo, em um invento de borboletas, que, se não fizer sentido imediato para mim, deve fazer para alguém que leia”.

Transformar em outra versão

Assim, fica bastante claro que o projeto nasceu da necessidade de fazer do isolamento também uma passagem para novos tempos, em que possamos estar transformados noutra versão. Uma mais atenta aos detalhes de si e do entorno, instâncias presentes em cada página do livro.

Fascina a maneira como Marília faz isso. Atraída pela poética de Manoel de Barros (1916-2014) – famoso pela importância dada ao aparentemente insignificante – a escritora engendra paisagens e metáforas cujo propósito é de romper com o caos, transformando tudo em resistência e força para encarar os dias com a dignidade de quem se permite voar.

“É preciso reconhecer a densidade das coisas leves, que não são levianas”, defende. Para isso, cita Italo Calvino (1923-1985), trazendo à superfície a percepção do escritor de que a leveza é uma maneira de encarar a vida, uma estratégia de sobrevivência. 

Legenda: Marília Lovatel sublinha que a mistura de gêneros se dá em um levante, representando um desejo de revoada colorida
Foto: Ilustração de Júlia Pinto

Lovatel não apenas compreende isso, mas vai além. No livro, é nítida a necessidade dela de dizer às pessoas que elas são importantes. Por isso, presta homenagens em alguns textos e também se diz presenteada com o sensível prefácio da conterrânea Tércia Montenegro, outro dos nomes mais importantes da literatura cearense.

Além dela, Regina Ribeiro faz um comentário de capa, Júlia Pinto delineia graciosas ilustrações, Igor Xavier capta a escritora por meio de um registro fotográfico, Tatielly Pinho assina a revisão da obra e tudo é chancelado pela equipe da Aliás.

“Essas experiências nos dão a dimensão de que não estamos sozinhos e de que podemos contar uns com os outros, algo imprescindível em tempos de pandemia”, observa a literata.

Ela ainda menciona que o propósito de reunir os textos – alguns já publicados em blogs, jornais e antologias, outros compondo uma nova safra produtiva – foi juntar as borboletas que estavam espalhadas a outras que deixaram o casulo durante o confinamento compulsório.

Bem-vindos pormenores

Tudo se ilumina na obra de Marília. Dividida em quatro partes, convoca ao aconchego desde os títulos das criações, a exemplo de “Um quarto de guardar céu”, “Poema passarinho”, “Árvore de família, um pé de coração”, “Tantinho”, entre outros.

A delicadeza se esparrama pelas palavras e os corpos textuais, movimentando-se em coreografia. Há um ritmo peculiar nos inventos da escritora, cujo olhar, em determinado momento, faz uma bela relação entre os ventos do Ceará e a própria estrada literária – como em “Porque tenho esse vento aqui a me empurrar”. Em outro, presta ode ao amor, feito acontece em “Oferenda”.

Legenda: Atraída pela poética do poeta Manoel de Barros, a escritora engendra paisagens e metáforas cuja vontade é de romper com o caos
Foto: Igor Xavier

O já citado Manoel de Barros – a quem Lovatel dedica textos na obra – exerce influência direta nesses atravessamentos. “Ele nos dá a lição das inutilezas essenciais, do quanto somos frágeis e efêmeros, como o pó que as borboletas soltam na ponta dos nossos dedos. Entre as metáforas que elas nos suscitam, está a da transformação. Se queres asas, enfrenta a crisálida!”, destaca a escritora.

São sabedorias de quem escreveu uma desbiografia, pautada em cativantes desimportâncias. Barros, conforme Marília, ensina como ninguém esse olhar para o que importa. É o que justifica um trecho, em que ela escreve: “Escrever é se render ao vento interno”. Mas que ares são esses?

“Os ventos repentinos, que tiram tudo do lugar e nos fazem ver novas possibilidades. É pra isso que servem os ventos internos, para mudar a perspectiva que temos das coisas”.

Novos projetos

A escritora considera também que era desejo fazer parte de algo tocado pela Aliás Editora. Segundo ela, a casa é mais que uma editora, mas uma causa.

“As meninas da Aliás são movidas pelo compromisso com a valorização do ser humano em sua diversidade. Elas dão voz a quem precisa, apoiam a produção das nossas escritoras. Elas me receberam e foi uma felicidade só ter essa companhia”, festeja.

Legenda: A delicadeza se esparrama pelas palavras e os corpos textuais e visuais, movimentando-se em coreografia
Foto: Ilustração de Júlia Pinto

Quanto aos detalhes da live, responde: “Não vamos abrir o casulo antes do tempo”; contudo, antecipa o que vem pela frente nos trajetos pela palavra. “Há um trabalho em processo. Venho de 10 títulos que abraçam os públicos infantil e juvenil, uma produção que dialoga com todas as idades, porque assim é mais honesta”, percebe.

“Essa honestidade tem a ver com escrever o que eu gostaria de ler, dando acesso às crianças e aos jovens, sem pretender algo fechado nessas faixas etárias para evitar reducionismos e estereótipos. O ‘Invento de Borboletas’ é um livro de transição para esse outro texto que venho desenvolvendo e que pede certa maturidade do leitor. Talvez venha a ser o meu primeiro romance”.

O trabalho, conforme explica, além de abrir uma nova fase, deve chegar como pousam as borboletas, com leveza e a esperança em dias melhores. Que assim seja.

Serviço
Lançamento do livro “Invento de borboletas”, de Marília Lovatel
Neste sábado (10), às 17h, no perfil do instagram da autora (@marilialovatel) e da editora Aliás (@aliaseditora)


Invento de borboletas
Marília Lovatel

Aliás Editora
2021, 114 páginas
R$ 40

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