No interior do Ceará, é no supermercado que se curte um cinema
Presente em seis municípios, o Cine Bom Vizinho também muda a vida de estudantes com o projeto “A Escola vai ao Cinema”
Honório Pinheiro tinha 17 anos quando adentrou um cinema pela primeira vez. Eram os anos 1970. Com origem em Solonópole (cerca de 270 km de Fortaleza), ele e o irmão migraram à Capital em busca de melhores dias. Foi quando conheceu a magia da sétima arte.
O nome do filme assistido perdeu-se na memória. Como aconteceu, no entanto, ficou marcado. Naquele tempo, assistir uma fita no Cine São Luiz era privilégio de poucos. "Tinha que entrar de paletó. Eu tomei um paletó emprestado do meu tio, que era motorista no Tribunal de Justiça", relembra.
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As décadas correram. Os irmãos ergueram uma rede de supermercados consolidada em várias cidades do Ceará. Das coisas do destino, o jovem que precisou driblar dificuldades reencontraria novamente o universo cinematográfico. Nenhuma pretensão de ser cinéfilo, longe disso. Honório decidiu construir cinemas pelo interior cearense.
E como o negócio da família é supermercado, é lá que as salas funcionam. Com qualidade de exibição e programação igual à do circuito nacional. Hoje, seis municípios são atendidos pelo Cine Bom Vizinho, dos Supermercados Pinheiro. Para incentivar a formação de plateia, a empresa criou a iniciativa “A Escola vai ao Cinema”, onde quase 300 mil estudantes já descobriram a arte cinematográfica.
Experiência transformadora
Criada meio século atrás, a Pop Art discute, dentre outros temas, consumismo e cultura de massa. Assim, nas telas e esculturas destes artistas eram comuns pinturas de latas de sopa e estrelas de Hollywood. Que diga Andy Warhol (1928-1987), um dos mais lembrados dessa turma.
Os envolvidos no movimento jamais preveriam, mas duas expressões singulares no cotidiano ocidental andariam juntas no futuro. Indo além da cultura dos multiplex de shoppings, no interior do Ceará, se curte um bom filme é no supermercado.
Honório Pinheiro explica que sabia da relevância do cinema, mas, devido à rotina empresarial, conhecia a uma certa distância. Quando decidiu construir uma sala, surgiram as dificuldades. "Não tinha arquiteto para fazer projeto de sala de cinema. Teve que vir de São Paulo. E o Brasil não produzia projetores, os maquinários de cinema. Era ainda em fita", assume.
"Saia da Unifor onde estudava. Ficava no complexo do Iguatemi esperando terminar o filme. Pegava o rolo do filme, levava na cabeça até a mala do carro. De lá ia deixar na Rodoviária para ir de ônibus até Sobral e rodar no outro dia. Hoje, recebemos o conteúdo do filme, tudo pela internet. Quando é lançado um filme em São Paulo, no mesmo horário é exibido em Sobral, Acaraú, Itapipoca, Limoeiro do Norte, Quixadá... Na mesma hora exibimos.
"Quando você entra numa sala de cinema, você tem uma experiência estética muito definidora na sua formação", nos conta a professora e curadora do “A Escola vai ao Cinema”, Bete Jaguaribe. Para a imensa maioria atendida por esta ação, é a chance única de ir até um cinema.
Cinema muda vidas
"O acesso a cinemas no Brasil, ele se concentra nas capitais. É um mundo de telas. Você acessa aqueles conteúdos, mas a experiência na sala de cinema é única. Você não é interrompido por nada. É uma troca totalmente diferente, completa Bete.
"Existe com a missão de contribuir para o processo de formação dos estudantes da rede pública, proporcionando a esses estudantes a oportunidade inesquecível de ir ao cinema", descreve o diretor de Lojas e Outros Negócios do Supermercado Pinheiro, João Bosco Junior.
O projeto atua em várias frentes. Os docentes participam do seminário "Cine Educação", no qual são orientados acerca desta atividade fora da escola. A turminha também ganha oficina de animação e participam de um concurso de redação, com direito a vários prêmios, onde relatam o que aprenderam com a sessão especial.
"Fazemos a curadoria do filme, sempre é filme brasileiro. Como é voltado para crianças, escolhemos uma animação nacional. Fazemos o seminário com os professores, que assistem ao filme. Durante os meses seguintes, eles levam as turmas e depois expandem o conteúdo nas salas de aula", detalha acerca de metodologia, Bete Jaguaribe.
Assim, o que para muitos pode ser banal, ir a um cinema, torna-se uma atividade transformadora. As crianças se relacionam com a língua portuguesa, desenvolvendo a escrita e observação do mundo. Maria Michele tinha oito anos quando participou do “A Escola Vai ao Cinema”.
"Marcou muito, pois foi a primeira vez que pude entrar numa sala de cinema. Foi bem divertido, tudo era novidade. Estar com os amigos e vendo um filme tão bom. O projeto é importante, nos apoiou na educação e permitiu uma aula muito diferente, que saiu da sala de aula tradicional e nos ofereceu um momento de cultura”, descreve.
Retorno social
Ênio Feijão Silva estudava na Escola Netinha Castelo, de Sobral, quando teve sua oportunidade. "Foi um dia muito legal, com direito a filme, pipoca... Acredito que um projeto assim tem sua importância, principalmente por ficar na nossa memória, bem como de outras tantas crianças que passaram pela mesma experiência", relata.
Abrir as portas de um supermercado para o cinema, bem como suas ações sociais, é algo surpreendente no Brasil, nos conta Bete Jaguaribe. "É raro. Ando muito. Viajo, participo de muitos seminários e festivais. Sempre conto esse caso do Ceará. As pessoas perguntam: 'é dentro de um supermercado no interior do Ceará?'. É uma experiência muito inédita. Tem coisas que só acontecem no Ceará, uma espécie de loucura que só o Ceará tem", afirma.
A próxima edição do “A Escola Vai ao Cinema” acontece em setembro. Para Honório Pinheiro, o projeto é sinônimo de orgulho. "Como fui ao cinema pela primeira vez com 17 anos, você ter a oportunidade de mostrar uma tela de cinema para outras pessoas? Uma coisa é televisão, celular. Outra coisa e uma tela de cinema", divide.
O empresário reafirma a importância como meio de formação, cultura e conhecimento. Ele detalha o que sente após cada sessão do "Escola vai ao Cinema". "É o sentimento de que eu estou fazendo a minha parte. Preciso liderar multiplicadores. É gerar oportunidades que eu não tive".