Mistério, crítica social e comédia de costumes são destaques no romance "A Rezadeira de Preto"

Livro de Well Moraes combina sátira e história de detetive, ambientando a ação numa cidadezinha com vocação para a maledicência

Escrito por Dellano Rios , dellano.rios@svm.com.br

Diante da morte, o homem tenta encontrar respostas e articular interpretações. Essa é uma constante em todas as culturas, como se viu em tantas quantas deixaram registros escritos. Quase tão antiga é a excitação diante do mistério, não apenas pela ameaça que o desconhecido pode representar (a Esfinge, afinal, foi bem clara: “decifra-me ou devoro-te"). É alimentada pelo espírito lúdico, a ânsia pelo jogo. Não à toa, o que viria ser conhecida como literatura de detetive tem raízes nas narrativas da Antiguidade, da Grécia ao Oriente. 

"A Rezadeira de Preto", primeiro romance do escritor Well Morais, é um exemplo da elasticidade deste gênero e das razões que o fizeram atravessar séculos, culturas, estéticas, formatos e escolas literárias. A história se passa em Itajibe (cidade fictícia, ainda que exista mesmo uma Itagibe, essa com G, no interior de Minas Gerais). As figuras às voltas com a trama são os homens e mulheres deste microcosmo, onde cabem os pequenos e grandes dramas humanos, a picuinha e a tragédia

A morte aqui também ocupa um lugar central, não apenas por ser aquilo que desarranja o mundo dos personagens e faz mover, objetivamente, as ações de cada um. É ela, também, que molda e distorce suas emoções e aquilo em que acreditam. O morto em questão é o prefeito, liderança política e econômica em torno do qual orbitam figuras ambíguas, uns manifestando afetuosidade cheia de interesses, outras mal escondendo o ódio. 

O prefeito de Itajibe é arrancado da vida no meio de uma sessão de reza para tirar-lhe um quebranto. Enquanto opera sua performance enraizada em tradições ancestrais, pinhão-roxo em punho, a rezadeira local, dona Santinha, torna-se uma das suspeitas de ter provocado a morte do homem.

A cena é reveladora, pois expõe muito da visão de mundo partilhada pelos personagens. A superstição é um código compreendido por todos. Natural e sobrenatural fazem parte de uma mesma realidade. Estão lá, a todo momento, a tradição, com seus saberes e, também, ignorâncias. Sabedoria construída pela experiência dos que vieram antes e mistificação perniciosa, uma versão menos hightech do negacionismo que envenena o país. 

Descobertas no meio do caminho   

São as superstições de Itajibe que transformam uma morte insólita num enigma, exigindo que se descubra a trama oculta, que se revele quem a provocou e por quais motivos. Como é regra nas histórias de detetive, o caminho até a descoberta é sempre tortuoso.

No serpentear da história, o leitor encontra pistas, verdadeiras e falas, e figuras suspeitas. Contudo, "A rezadeira de preto" se filia a um tipo de ficção policial vai além do jogo da razão. Há muito mais do que peças de um quebra-cabeça a dispostas pelo caminho.

Well Morais está interessado em jogar luzes, também, nas crenças e costumes (em especial, os maus). O jogo de palavras, a maledicência, a desinformação, a calúnia, a fofoca: são com estas armas que os personagens se fustigam uns aos outros. 

Parte sátira social, parte comédia de costumes, o livro se estrutura como um folhetim, com um capítulo instigando a curiosidade, para que o leitor emende no outro. A leitura é rápida, porque cumpre a promessa de prender a atenção do leitor, pelo mistério a ser desvelado e também para saber das pequenas tramoias de quem percorre as ruas de Itajibe.

Em seu retrato ácido e bem-humorado das vergonhas que uma pequena cidade, o livro lembra o Dias Gomes de "O bem-amado". Em seu romance, Well Moraes segue a máxima latina, síntese da sátira, segundo a qual "corrigem-se os costumes pelo riso".

"A rezadeira de preto" marca a estreia do autor no romance voltado para o leitor adulto. No currículo, o autor já contava outros dez livros, a maioria voltada para o público infanto-juvenil (com incursões por tramas de mistério e de fantasia), além de reuniões de contos e de crônicas.

Legenda: "A Rezadeira de Preto", de Well Morais. Titulo pode ser adquirido no site do escritor - wellmorais.com.br
Foto: Reprodução

Serviço

A Rezadeira de Preto, de Well Morais.

Expressão Gráfica, 160 páginas, R$ 34,90

Disponível em: wellmorais.com.br