Filme mostra os esquecidos na guerra do Afeganistão em trama emocionante

No cenário de conflito armado entre Estados Unidos e o Talibã, a produção original do Prime Video aposta na originalidade para conquistar o público com ação, violência e uma boa dose de emoção

Escrito por Marlyana Lima , marlyanalima@svm.com.br
Homens com roupas militares com rádio de comunicação em meio a cenário de guera
Legenda: O tradutor Ahmed (Dar Salim) acompanha o sargento John Kinley (Jake Gyllenhaal) na guerra do Afeganistão
Foto: divulgação/ MGM

Para ganhar espaço em meio a blockbusters de heróis ou séries de romance, cada vez mais, os filmes de guerra se apresentam grandiosos, com tomadas espetaculares e aparato técnico digno de uma superprodução. A espetacularização talvez tenha o propósito de nos convencer de que estamos diante de algo tão grandioso quem nem parece ter existido de verdade. Vemos tudo pelo olhar das lentes e elogiamos o realismo porque, no fim "é só uma ficção" (embora baseada em trágicos fatos reais).

O diretor Guy Ritchie pegou a contramão dessa estrada. "O Pacto", sua nova produção, usa a guerra do Afeganistão como coajunvante para contar a história da tropa chefiada pelo sargento John Kinley (Jake Gyllenhaal) e seu  intérprete local, Ahmed (Dar Salim), escolhido às pressas por falar quatro idiomas, incluindo o inglês. 

Em sua última missão, John e seus soldados precisam achar e desarmar um grupo de talibãs que mantém escondido um poderoso arsenal no deserto. O território desconhecido e inóspito logo se mostra um inimigo a mais para os americanos. É muita aridez, barrancos e vilarejos devastados, de onde podem surgir homens dispostos a morrer pelo regime.

Aqui se dá o momento ação, com direito a tiroteios, explosões, emboscadas e gente ferida para todos os lados.

A princípio, o que vem à mente é: mais um filme de porrada? Déjà-vu no começo de um filme com 2h43min de duração, pode não ser um bom sinal. 

Muito além da guerra

Mas, é exatamente aí que um bom roteiro (assinado por Ritchie, Ivan Atkinson e Marn Davies) aliado a uma edição eficaz fazem a diferença. A trama começa a fluir de forma tão convincente que o espectador fica inteiramente focado no que vem a seguir.

Homem branco aponta para homem do Oriente Médio. Os dois usam roupas militares e capacetes
Legenda: Americano e afegão enfrentam a luta pela sobrevivência
Foto: Divulgação

Passadas as cenas de ação vertiginosas, o filme passa a evidenciar a força dos personagens principais. Diga-se de passagem, as atuações são dignas. 

Em meio aos ataques, John é ferido e o único que sobra a seu lado é Ahmed. Entre os dois há sempre uma tensão que vai além dos inimigos fundamentalistas. Ambos sabem que o novo desafio é manter a confiança mútua. Bem ou mal, a vida de um está nas mãos do outro. 

E é assim, juntos, famintos, aterrorizados e permanentemente caçados que americano e afegão precisam seguir em frente até encontrar um ponto seguro. Aos poucos, a hierarquia vai cedendo espaço para a empatia, o companheirismo. 

Realidades opostas

Não demora muito até que John se veja diante da morte. Gravemente atingido, longe de casa, ele só consegue pensar em como seria retornar para a estabilidade de sua casa, o apoio da família. Ahmed, ao contrário, não tem casa segura para onde voltar. Ele sabe que só estará a salvo se os americanos cumprirem a sua parte no "pacto" e lhe conferir um salvo-conduto e passaportes para que ele, sua mulher e seu filho possam se refugiar longe do caos no qual parte do Oriente Médio se tornou.

Homem  de blusa branca empurra carroça com soldado americano ferido
Legenda: Filme enfatiza a empatia em meio ao conflito

Longe dos sonhos, a realidade é cruel. Ferido, John precisa Ahmed o carregue por quilômetros, em uma jornada perigosa e extenuante.  

Um dos méritos do filme, que colabora e muito para o seu sucesso, está na boa sacada de Guy Ritchie. Em lugar de levantar com ufanismo a bandeira americana, como se o país fosse o salvador "de pátrias", ele dá visibilidade a uma verdade incômoda: o destino dos homens e mulheres afegãos que ajudaram a desmantelar o poder dos fundamentalistas islâmicos.

Esquecidos

Na guerra, que durou 20 anos e dizimou milhares de vidas, todos os que ajudaram os soldados ocidentais, foram jurados de morte pelo regime radical islâmico. Os tradutores eram mais cruelmente perseguidos tendo em vista que cabia a eles repassar as informações vitais para o triunfo do invasor.

Ao final, o espectador se pergunta se tudo aquilo foi baseado numa história real. Isso dá uma medida da força da trama. Ela convence porque ilustra as experiências vividas por soldados e intérpretes durante o conflito.

Em 2021, quando os americanos finalmente concluíram a intervenção militar, a estimativa era de que cerca de 18 mil intérpretes afegãos aguardavam aprovação de seus pedidos de refúgio. Não se sabe quantos pactos foram cumpridos e quantos foram esquecidos deixando os colaboradores à mercê da vingança talibã