De Fortaleza, surfista parte para viagem em Kombi pela América Latina

Apesar de residente no Ceará há mais de dez anos, a maranhense Suy Melo tem a estrada como lar e sonha em rodar a América Latina em uma kombi

Escrito por Redação ,
Imagem: Priscila Cordeiro
Legenda: Suy Melo apresentou seu TCC dentro da kombi Gracinha, com a qual viajará pela América Latina
Foto: Priscila Cordeiro

Qual o sentido da vida? Ter um emprego fixo, comprar uma casa própria, investir em uma aposentadoria? Para Suy Melo, o propósito de viver está na estrada. Na partida, na chegada, nos encontros. Depois de várias viagens de ônibus pelo Brasil e uma aventura de três meses cruzando o litoral do Nordeste de bicicleta, a maranhense, residente no Ceará há dez anos, parte para mais um desafio pessoal: conhecer a América Latina com a sua nova companheira, a kombi Gracinha.

“A ideia surgiu quando passamos por Pipa, no Rio Grande do Norte, de bicicleta. Eu conheci um cara lá que morava em uma kombi fazia seis anos, era instrutor de voo, um ‘coroa’ supermassa. Mulher, eu me encantei. Quando eu vi a kombi dele supersimples e o cara de boa, feliz, eu pensei: ‘quero isso para mim’. Em março de 2019, eu comprei. Ainda faltam uns detalhes mas é minha casa”, conta.

Nomeada em homenagem à mãe - com quem a viajante aprendeu a gostar de dirigir -, a Gracinha é parte de fechamentos de ciclos e início de muitos outros. “Eu até apresentei meu Trabalho de Conclusão de Curso dentro dela. Eu pesquiso sobre o ato biográfico, então eu contei sobre o meu trajeto na faculdade e concluí com ela, já que o plano era terminar o curso e já partir, mas com a pandemia os planos foram adiados”, explica Suy, graduada em Teatro.

Agora, a viagem está programada para julho do próximo ano. Ao lado da namorada e de uma amiga, sendo esta uma companhia constante desde viagens anteriores, Suy pretende atravessar todo o território brasileiro e passar por países como Argentina, Chile e Colômbia.

“O diferencial das outras viagens para a de agora é que eu quero passar pelos lugares onde estive e parar para surfar”, afirma, e cita a Bahia como um dos rumos confirmados dentro do País.

Entretanto, para isso, elas planejam a apresentação de um espetáculo musical, de forma a se sustentarem financeiramente durante o percurso, além da venda de camisetas e adesivos personalizados. Durante esse ano de preparação até a data de partida, a surfista resolveu compartilhar todo o processo nas redes sociais, desde a reforma do veículo até os registros dos futuros destinos. O perfil @kombigracinha já conta com mais de mil seguidores na rede social Instagram.

Adaptação
O desejo por desbravar o mundo não foi algo unicamente movido pelo momento, mas surgiu ainda na infância, durante viagens com a família. “A gente fazia muito essas viagens de igreja. Eu sou do interior do Maranhão, então era o maior evento quando íamos para a praia. Viajamos muito também porque meu padrasto era pastor, então eu mudei bastante de escola no meio do ano. Sempre era aquela adaptação. Peguei logo cedo esse desapego”, relembra Suy.

Desapego, aliás, é palavra-chave quando se escolhe esse estilo de vida. De acordo com ela, é preciso aderir ao minimalismo e repensar o que realmente importa para você. A viajante se desfez de eletrodomésticos, roupas, livros e outros excessos para que sua vida coubesse dentro do veículo. Ela faz questão de afirmar que “poderia estar trabalhando para ganhar dinheiro e para ter mais coisas, mas é questão de prioridade. Tenho amigos que preferem gastar com roupas, por exemplo. Eu prefiro investir para conhecer”.

Dentre as adaptações necessárias, a surfista encomendou móveis que transformaram o corpo do veículo em lar, além de instalar uma bateria estacionária, que permite com que o local tenha acesso à energia elétrica. Apesar de a kombi ter cama, cozinha e até um sanitário desenvolvidos para o espaço reduzido, Suy ainda depende da ajuda de pessoas no percurso, seja para estacionar na casa de alguém, seja para tomar um banho. Essa troca é fator crucial para que ela continue traçando seus caminhos pelo mundo.

“A gente está sempre muito exposto, muito aberto. Tanto na bicicleta, quanto na kombi. Querendo ou não, eu dependo muito dos outros. Na viagem de bicicleta, acho que só teve duas situações na estrada que me deixaram mais receosa mas, no geral, as pessoas são muito abertas para ajudar. Para mim, isso foi o melhor. Poder acreditar mais na humanidade”, reflete.

Encontros
Além das adaptações técnicas necessárias para viver na estrada, foram mudanças internas as que mais agiram na vida da surfista. Muito mais do que entretenimento, o ímpeto de viajar foi uma situação transformadora, como afirma. “Meu primeiro mochilão foi em 2013, ano em que minha mãe faleceu. Eu era da igreja, estava no meu luto, cheia de crises. Foi uma época difícil de enfrentar. E a viagem foi esse divisor de águas, porque abriu muito a minha mente na época, foi um choque cultural muito grande”, remonta.

Hoje, aos 32 anos, Suy transita pelo mundo desde os 25, movida pela vontade de sair do canto, conhecer pessoas e aproveitar a vida, por vezes curta demais. Na dúvida - ou na certeza - retorna a Fortaleza, cidade onde construiu diversos afetos. Ela conta que deixou uma mala de recordações preparada na casa de uma amiga na Capital, pois a ideia é sempre voltar para reencontrar as pessoas amadas. Afinal, é a pluralidade dos encontros o que mais a cativa.

“Os encontros me inspiram muito. Conhecer outras pessoas, outras culturas, outras religiões. Lógico que isso não impede de me instalar em um lugar, mas a ideia do deslocamento interfere em mim de alguma forma. O melhor é exatamente isso: me colocar nesse lugar que não é tão confortável”, observa Suy. E completa: “A galera vê no Instagram e pensa que é só turismo, que tem que ter grana, que é só flores. Não, não é. Tem esse abrir mão de muita coisa. Abrir mão de conforto, de segurança, de investir em uma aposentadoria. Eu escolhi investir nesse projeto”, finaliza.

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