De Caucaia para o mundo: conheça Su, a artista da favela cujo desenho estampa coleção da Havaianas
Dedicada às artes visuais desde criança, ela festeja visibilidade da periferia e agora projeta outros trabalhos importantes pela frente
Grave este nome: Su. Embora curtinho, ainda será bastante falado. Os primeiros passos, pelo menos, já estão acontecendo. Moradora do bairro Jurema, na Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza, a artista visual de 27 anos criou desenhos para a nova coleção da Havaianas, “Quebrada Cria”. A conquista, festejada por ela, reflete uma história bonita de contar.
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Nascida em Fortaleza, mas desde o primeiro ano de vida com endereço no município vizinho, Su logo notou a vocação para criar. Diz ter alma colorida. “Amo tudo o que é cor, principalmente as vibrantes. E gosto muito de registrar histórias”. Essa combinação foi um dos motivos que a levaram à equipe da Havaianas e, logo mais, aos pés do público.
No par de chinelos assinado por ela, uma mulher negra com visão de futuro flutua em uma janela. O olhar alcança o sol, pássaros e uma paisagem de casas dispostas como que em um morro. Tudo bem leve, agradável de ver. Segundo a ilustradora, é essa atmosfera da favela que ela quer passar para o mundo. Um lugar para além dos estigmas.
“A favela é um local que precisa ser visto. As pessoas não fazem isso por puro preconceito. Mas, nesse espaço, tem muitos detalhes, muitos habitantes criativos que, se tivessem mais visibilidade, conseguiriam criar várias outras coisas. É algo muito inexplorado”.
Encher a cidade de arte
O convite para compor a coleção da Havaianas foi feito em março do ano passado por indicação de Rutênio Florêncio, presidente da ONG Gerando Falcões – da qual Su é colaboradora. Por meio da entidade, inclusive, a artista pintou o primeiro mural da carreira e conseguiu multiplicar habilidades.
O epicentro dessa dedicação toda é o Beco Céu, na Favela do Inferninho, em Fortaleza, o qual concentra o maior número de artes feitas por Su. Além desse, outros becos da mesma comunidade possuem trabalhos da ilustradora. No total, considerando ações públicas e privadas, ela calcula aproximadamente 50 murais na Capital.
“São oito na Favela do Inferninho; um no Estoril, na Praia de Iracema, fruto de um projeto chamado Arte na PI; e vários outros, comerciais”, enumera. “Minha carreira começou em 2019. Foi quando abri uma empresa de arte e passei a trabalhar somente com isso – pintura de murais, artigos de decoração, personalizações”.
Não deixa de ser contracorrente. A vivência de Su passou por negações. Várias pessoas não acreditavam no trabalho dela. Por ser algo artístico e com raízes periféricas, julgavam que não fosse tão longe, que não deveria investir nisso. Assim, na ilustração das Havaianas – feita, por sinal, em tempo recorde, ao longo de quatro dias – a resposta veio sutilmente.
Aquela mulher negra flutuando em uma janela segura uma taça, representando alguém que saiu da favela para mostrar o próprio trabalho e voltou para lá, vitoriosa. “Ser reconhecida agora está sendo impressionante. Inclusive, nesses últimos dias, muita gente da infância que eu nunca mais tinha visto começou a me seguir. Isso é muito legal. É um reconhecimento que a gente luta há muito tempo, mas que está vindo agora e que está sendo muito bom”.
Um sonho de cada vez
Graduada em Artes Visuais pelo Instituto Federal do Ceará e estudante de Moda na Universidade Federal do Ceará, Su quer mais. Na simplicidade e na doçura, ocupar lugares outrora silenciados ou nunca imaginados. Neste mês de maio, por exemplo, abrirá o próprio estúdio de tatuagem, com caráter “autoral e afetivo”. “Entrar para essa linha também”, diz.
Para depois – em futuro breve ou demorado – quer realizar um sonho de cada vez. Pintar grandes prédios pelo Brasil é um deles. Fazer com que a própria arte transborde em mais superfícies e estruturas é outro. “O bom é que já estou vivenciando um sonho ao estar ligada agora à Havaianas, uma empresa nacional e internacional”.
Quando sublinha isso, recorda da sensação de estar com o par de chinelos na mão. Já tinha visto de forma digital o desenho, tudo parecia muito certo ali. Ao tocar o objeto, contudo, com aquela mulher negra que podia ser ela própria avistando o horizonte, se emocionou. “Foi diferente. Porque sempre por trás de alguma produção minha, existe uma história real”.
De Caucaia para o mundo, Su: essa é a tua jornada.