MP pede à Justiça para PM indiciado por morte de dono de barraca na Praia de Iracema ser processado em uma Vara do Júri
O soldado PM foi indiciado em um Inquérito Policial Militar por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). O caso completa um ano nesta quarta-feira (12)

O Ministério Público do Ceará (MPCE) pediu à Justiça Estadual para transferir um processo contra um policial militar, pela morte de um proprietário de uma barraca na Praia de Iracema, em Fortaleza, da Auditoria Militar para uma Vara do Júri (para ser julgado como um crime doloso - quando há intenção de matar). O soldado Erick Nery de Oliveira foi indiciado em um Inquérito Policial Militar (IPM) por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). O caso completa um ano nesta quarta-feira (12).
Conforme documentos obtidos pelo Diário do Nordeste, o pedido da Promotoria de Justiça Militar e Controle Externo da Atividade Policial Militar foi enviado à Auditoria Militar no dia 30 de janeiro deste ano. A Justiça ainda não analisou o parecer do MPCE, até o fechamento desta matéria.
O promotor de Justiça Francisco Gomes Câmara concluiu que "fica fácil perceber que tendo sido identificado o uso de arma de fogo, que em tese, consumou crime doloso contra a vida, ora sub examine, ocorrido na cidade de Fortaleza/CE, tem-se que a competência para processar e julgar esse fato delituoso é da Justiça Comum, Tribunal do Júri, da Comarca de Fortaleza/CE".
Amparado na Lei nº 13.060, de 22 de dezembro 2014, que trata do uso de instrumentos de menor potencial ofensivo por agentes de segurança pública, o representante do MPCE ressaltou que "o uso de arma de fogo somente pode ser admitido quando houver 'risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros'; assim como, o fato de veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, por si só não autoriza o seu uso, mas tão somente se o ato de furar o bloqueio vier representar risco imediato de morte ou de lesão aos agentes públicos ou a terceiros".
O dono de uma barraca de bebidas e comidas na Praia de Iracema, Taian Fé Nogueira da Costa, de 27 anos, foi morto em uma abordagem policial do Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (BPTur), na madrugada de 12 de março de 2024. O jovem, que tinha um mandado de prisão em aberto por roubo, expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará, estava algemado pelos policiais quando foi baleado, e não resistiu ao ferimento.
A Coordenadoria de Polícia Judiciária Militar (CPJM) concluiu o Inquérito Policial Militar, no dia 30 de outubro do ano passado, com o indiciamento do soldado PM Erick Nery de Oliveira pelos crimes militares de homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e de inobservância de lei, regulamento ou instrução. O Órgão ponderou que, "nos depoimentos colhidos e nas provas juntadas verifica-se que a composição policial de serviço acionou o SAMU, mas em virtude da demora, prestou o devido socorro a vítima, conduzindo-a na VTR BPTUR 92 ao Hospital IJF, onde veio a óbito".
Já o subtenente PM Sérgio José Gama dos Santos foi indiciado pelo crime de inobservância de lei, regulamento ou instrução, pois, segundo o CPJM, "a abordagem realizada pela composição policial não ocorreu dentro dos padrões do Manual de Procedimentos Operacionais (POP) da Polícia Militar do Ceará".
Após a intervenção policial com morte, o soldado Erick Nery foi afastado das funções na Polícia Militar por 120 dias, por decisão da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos da Segurança Pública e Sistema Penitenciário do Ceará (CGD). O Órgão foi questionado sobre o andamento da investigação administrativa referente à morte do jovem na Praia de Iracema e se o afastamento do militar foi prolongado, mas respondeu apenas que "o processo administrativo disciplinar instaurado para apurar os fatos está em fase de instrução processual, conforme o ordenamento jurídico vigente".
A defesa dos policiais militares indiciados por envolvimento com a morte de Taian Fé não foi localizada pela reportagem para comentar sobre o caso e o andamento processual. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
[Atualização, às 14h55]
Após a publicação da reportagem, o advogado Walisson dos Reis Pereira, que representa a família de Taian Fé Nogueira da Costa no processo, enviou manifestação em que afirma que "a família (de Taian) está bastante revoltada com a morosidade como o caso está sendo tratado, pois já faz 12 meses e, desde o ocorrido, o policial vem apresentando diversos atestados médicos alegando problema psiquiátrico. Ainda assim, a gente acredita na justiça. Se fosse o contrário, o jovem trabalhador já teria sido julgado e condenado".
O advogado criticou a Coordenadoria de Polícia Judiciária Militar, por indiciar o PM que efetuou o tiro por homicídio culposo. "A arma não disparou sozinha, ele teve sim a intenção de matar e deve responder na forma da lei. O advogado e a família vão até as últimas circunstâncias para que ele seja levado a júri popular, condenado e que ele perca a farda (da Polícia Militar)", ressaltou.
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Policial militar alegou tiro acidental
Em depoimento à Coordenadoria de Polícia Judiciária Militar, o soldado Erick Nery de Oliveira alegou que o tiro efetuado contra Taian Fé Nogueira da Costa foi acidental, após o suspeito resistir à abordagem policial e entrar em luta corporal com a composição policial.
"Ao alcançá-lo, foi surpreendido por Taian Fé ao tentar tirar sua arma, tendo embate corporal, no momento em que houve um disparo acidental", diz trecho do interrogatório do policial militar.
O relato do PM acrescenta que ele ainda algemou novamente o suspeito após o tiro, pois percebeu que ele estava apenas com uma das mãos presas, momento em que percebeu o tiro. "Foi prestado socorro", garantiu o PM, que teve a versão endossada por seu supervisor e por uma colega soldado. Segundo os militares, Taian foi levado pela composição ao IJF ainda com vida.
Ao ser questionada sobre a ocorrência, a Polícia Militar do Ceará narrou, em nota, que o dono do quiosque foi baleado com um disparo em razão de tentar tomar a arma de um agente de segurança.
Taian Fé fazia parte de um grupo de jovens abordados pelos policiais, na Praia dos Crush. Eles estariam na posse de uma pequena quantidade de droga, que foi apreendida pela Polícia.
Durante a consulta de antecedentes criminais dos jovens abordados, a Polícia constatou, por meio do sistema da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops), que Taian tinha um mandado de prisão em aberto por roubo, expedido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Apesar de ter sido afastado pela CGD e de responder ao Inquérito Policial Militar, o soldado Erick Nery de Oliveira recebeu apoio institucional da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) e da Polícia Militar do Ceará na época do episódio, ao ser recebido pelo então secretário-executivo da Secretaria, Angelo Filardi, e pelo então comandante Geral da PMCE, coronel Klênio Savyo, seis dias depois da intervenção policial.