Fraude ao Ceará Sem Fome: quadrilha gastou R$ 890 mil e comprou fogão, TV, whisky e cerveja
A maior compra foi a aquisição de oito caixas de som, no valor de R$ 19,9 mil.
Uma organização criminosa foi denunciada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) por fraudar o programa social Ceará Sem Fome, do Governo do Estado, e utilizar os cartões do benefício para compras de alimentos no valor somado de quase R$ 890 mil. Entre os itens comprados pelos golpistas, estão um fogão, caixas de som, uma televisão, um ar-condicionado, garrafas de whisky, cervejas e energéticos.
A Justiça Estadual recebeu a denúncia do MPCE contra 12 acusados, que viraram réus no processo. A primeira audiência de instrução do caso foi realizada no último dia 25 de novembro, e as próximas audiências foram marcadas para 26 e 28 de janeiro de 2026.
Conforme a denúncia do MPCE, a investigação policial começou com o Boletim de Ocorrência (BO) registrado por representante da Secretaria da Proteção Social do Ceará (SPS), sobre uma possível fraude a uma carga de cartões do programa Ceará Sem Fome, no dia 4 de março de 2024.
O representante da empresa contratada pela SPS para gerenciar os cartões do Programa informou à Polícia que o sistema do benefício foi invadido, e foram "realizadas cargas irregulares de valores em cartões de alguns beneficiários, seguida de compras de grande vulto em estabelecimentos comerciais".
era o valor mensal do benefício do programa Ceará Sem Fome, voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Entretanto, a empresa percebeu movimentações suspeitas, em fevereiro de 2024. Após auditoria interna, foi verificada a carga de R$ 889.375 em 19 cartões - uma média superior a R$ 46,8 mil por cartão.
A partir das cargas realizadas, "os beneficiários ou terceiros que detinham a posse dos cartões e senhas destes, passaram a transacionar valores em estabelecimentos credenciados no Estado do Ceará", narrou o Ministério Público.
Somente um cartão recebeu R$ 192,1 mil de crédito, dos quais a quadrilha utilizou R$ 147 mil. Após descobrir a fraude, a empresa identificou uma carga de R$ 25,6 mil em um cartão e conseguiu bloqueá-lo antes do uso.
O valor obtido de forma fraudulenta foi gasto pela organização criminosa em três redes de supermercados de Fortaleza, que aceitam o pagamento pelo cartão do programa Ceará Sem Fome.
A quadrilha foi alvo da Operação Klapaucius, deflagrada pela Polícia Civil do Ceará (PCCE) em junho de 2024. Na ocasião, sete acusados foram presos e cinco veículos, apreendidos.
Em coletiva de imprensa, a Polícia Civil e a Secretaria da Proteção Social destacaram que o prejuízo financeiro não ficou para o Governo do Estado, uma vez que o dinheiro "não existia". O prejuízo recaiu sobre a empresa que administra o benefício e as lojas que venderam os produtos para os criminosos.
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Os núcleos da organização criminosa
Os 12 investigados pela Polícia Civil foram denunciados pelo Ministério Público do Ceará conforme a participação individual no esquema criminoso.
Confira os crimes:
- Andreza Ribeiro das Neves - acusada de integrar organização criminosa e invasão de dispositivo informático;
- Francisco de Castro Valentim Filho - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Francisco Jonas Odilon de Souza - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Francisco Thiago Gomes do Carmo Lago - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Igor Monclá Cruz de Souza - acusado de integrar organização criminosa, invasão de dispositivo informático e furto;
- Iranildo da Silva Bertoldo - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Itauã Souza dos Santos - acusado de integrar organização criminosa e invasão de dispositivo informático;
- Jessika Maria Coelho de Castro - acusada de integrar organização criminosa e furto;
- Luiz Henrique Bertoldo da Silva - acusado de integrar organização criminosa, furto e uso de documento falso;
- Márcio André Ribeiro Arruda Junior - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Otomil Santos Carvalho Neto - acusado de integrar organização criminosa e furto;
- Rafael de Oliveira Adriano - acusado de integrar organização criminosa e invasão de dispositivo informático.
Apesar dos golpes serem cometidos no Ceará, a organização criminosa era comandada do Rio de Janeiro, onde moravam os integrantes com posição de liderança.
Segundo o MPCE, Igor Monclá, conhecido como 'MCL', "é o responsável por coordenar as fraudes, solicitar os dados dos demais integrantes da Organização e utilizar dispositivos para realizar as transações criminosas. Além disso, enviava caminhões para buscar as mercadorias provenientes de compras realizadas por meio de cartão do programa 'Ceará Sem Fome'".
'MCL' seria, ainda, "o elo entre o Núcleo Cibernético e o Núcleo Operacional, sendo o responsável por identificar e cooptar pessoas para integrarem a ORCRIM (organização criminosa), membros estes que desempenharam a tarefa de realizar as compras indevidas com os cartões do Programa social do Governo do Estado do Ceará", acrescentou o Órgão Acusatório.
A denúncia do Ministério Público informa que Igor Monclá Cruz de Souza já foi condenado por tráfico de drogas, pela Justiça de Minas Gerais.
O Núcleo Cibernético seria integrado por Andreza das Neves (esposa de Igor Monclá), Rafael Adriano e Itauã dos Santos e seria responsável por invadir o sistema computacional da empresa terceirizada e por recarregar cartões do programa 'Ceará Sem Fome' com valores bem superiores ao benefício.
Os cartões de beneficiários do Programa eram comprados pela organização criminosa, em um mercado ilegal nas redes sociais.
A Polícia Civil encontrou os nomes de Andreza Ribeiro das Neves e Rafael de Oliveira Adriano como beneficiários de programas sociais de prefeituras da Bahia.
foi a recarga de um cartão no nome de Andreza das Neves, em um programa de uma cidade da Bahia. Entretanto, o golpe foi descoberto a tempo e o cartão foi suspenso antes do uso.
Compras em supermercados de Fortaleza
Os outros oito acusados pertenciam ao Núcleo Operacional da organização criminosa, segundo o MPCE: Francisco de Castro Filho, Francisco Jonas de Souza, Francisco Thiago Lago, Iranildo Bertoldo, Jessika de Castro, Luiz Henrique da Silva, Márcio André Júnior e Otomil Santos Neto.
O Ministério Público afirmou que eles eram os "portadores e utilizadores de forma indevida dos cartões do programa 'Ceará Sem Fome', por meio dos quais adquiriram mercadorias nas redes de supermercados, subtraindo, dessa forma, os recursos públicos creditados".
As compras foram realizadas em supermercados de três redes - que têm diversas unidades no Ceará. A Polícia investiga se a quadrilha contou com apoio dos funcionários dos estabelecimentos para realizar as compras.
Conforme a denúncia, Luiz Henrique Bertoldo da Silva utilizou um cartão do Programa para gastar R$ 899, em um supermercado localizado na Rua Manuel Castelo Branco, bairro Messejana, em Fortaleza, no dia 26 de fevereiro de 2024.
Entre os itens comprados, estavam três pacotes de fraldas, 20 sacos de feijão, 30 sacos de açúcar, 36 caixas de leite e 30 sacos de arroz. O acusado teria realizado mais três compras no mesmo supermercado, naquele dia, sendo uma de R$ 1.516.
Francisco de Castro Valentim Filho é acusado de utilizar um cartão do 'Ceará Sem Fome' para realizar nove compras, que totalizaram R$ 15.186,76, em cinco supermercados de uma mesma rede, entre os dias 27 e 28 de fevereiro de 2024.
garrafas de cerveja da marca Heineken, 250 pacotes de leite em pó e 60 garrafas de óleo foram comprados Francisco de Castro, em uma das compras, que teve o valor total de R$ 3.314,74.
No dia 29 de fevereiro daquele ano, o acusado teria comprado 24 unidades de whisky, mais 120 garrafas de cerveja e 100 pacotes de café, que totalizaram o valor de R$ 4.621,56.
E, no dia seguinte, Francisco de Castro comprou um fogão no valor de R$ 2.299,00, com o cartão do programa social.
A companheira dele, Jessika Maria de Castro, também é acusada de realizar compras a partir da fraude ao benefício. No dia 29 de fevereiro do ano passado, ela comprou 24 garrafas de whisky, 240 energéticos, 250 pacotes de leite em pó e 200 pacotes de café, que totalizaram R$ 6.289,08, em um supermercado localizado na Avenida Senador Fernandes Távora, bairro Henrique Jorge, em Fortaleza.
No fim de fevereiro, Francisco Thiago Lago realizou uma compra de R$ 1.235,75, em um supermercado da Avenida Bernardo Manuel, bairro Itaperi. Foram adquiridos 100 pacotes de leite em pó, 40 unidades de óleo de soja e 54 unidades de achocolatado.
Ao ser interrogado pela Polícia, Thiago alegou que realizou a compra do cartão do 'Ceará Sem Fome' por R$ 1 mil, com crédito no valor de R$ 5 mil.
foram gastos por Iranildo Bertoldo, na compra de oito caixas de som modelo JBL Boombox, com uso do cartão do programa social. Em outra compra, ele gastou mais de R$ 4,4 mil com produtos eletrônicos.
Ainda conforme a denúncia, Otomil Neto fez uma compra de R$ 1.468,37, em um supermercado na Capital. Francisco Jonas fez duas compras no valor total de R$ 14.994. E Márcio André fez uma compra de uma televisão, um ar-condicionado e uma caixa de som, que somaram o valor de R$ 7.947.
As defesas dos acusados não foram localizadas para comentar a denúncia do Ministério Público do Ceará. O espaço segue aberto para manifestação, e a matéria será atualizada se a reportagem receber o posicionamento da defesa.