Júri do Curió: mais dois policiais militares acusados pela chacina vão a júri a partir desta segunda
Um dos acusados que vai a júri nesta etapa é tido como o responsável pelo início do massacre
Começa nesta segunda-feira (22) mais uma etapa do Júri do Curió. Devem sentar no banco dos réus, a partir das 9h, os policiais militares Marcílio Costa de Andrade e Luciano Breno Freitas Martiniano. Marcílio é apontado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) como o responsável pelo pivô da série de conflitos na região que findou no massacre e nas 11 pessoas assassinadas e outras seis feridas que sobreviveram ao ataque.
A sessão começa com o sorteio de sete jurados, populares, que devem decidir condenar ou absolver os denunciados. Na sequência acontece a leitura da denúncia, interrogatório das testemunhas, dos réus, debates, leitura dos quesitos, votação e anúncio da decisão. O Diário do Nordeste acompanha o julgamento.
30 policiais militares são acusados pela matança. 27 já foram a júri nos anos de 2023 e 2025, sendo seis deles punidos com a prisão e expulsão da Corporação. (Veja ao fim da matéria lista com todos os nomes e as sentenças).
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Marcílio e Luciano negaram em depoimento ter participado do ataque. O advogado Paulo Pimentel, que representa a defesa de Marcílio diz reafirmar a total inocência do PM quanto aos atos criminosos.
"Marcílio é injustiçado até hoje e provará a partir do dia 22 à sociedade de Fortaleza que ele é inocente. Marcílio é vítima de uma perseguição implacável"
A defesa de Breno Freitas não foi localizada pela reportagem. O júri acontece no Fórum Clóvis Beviláqua, em Fortaleza, sendo presidido pelos magistrados da 1ª Vara do Júri.
'VIOLÊNCIA SISTEMÁTICA'
O Ministério Público afirma que aconteceram "nove episódios que marcaram uma das noites mais violentas da história de Fortaleza, ocorrida entre 11 e 12 de novembro de 2015" com múltiplas vítimas fatais e sobreviventes "revelando um padrão sistemático de violência e abuso de poder".
"Um padrão sistemático de violência que se estendeu por mais de quatro horas, revelando uma operação coordenada que resultou numa das mais graves violações de direitos humanos na história recente de Fortaleza"
Até o início deste mês estava previsto um terceiro PM ir a júri nesta semana. No entanto, após pedido da defesa e parecer favorável do MPCE e da assistência de acusação, a Justiça do Ceará suspendeu o julgamento de Eliézio Ferreira Maia Júnior devido ao resultado de um exame de sanidade mental que mudou o 'rumo processual' quanto a este réu especificamente.
O INÍCIO DA CHACINA
Para compreender a suposta participação de Marcílio no crime é preciso voltar até o mês de outubro de 2015, quando o boato de uma traição foi propagado no Curió.
Conforme documentos obtidos pela reportagem e citados em reportagem exclusiva na época, no dia 25 de outubro de 2015, por volta das 22h, o pedreiro Raimundo Cleiton estava com a namorada, no bairro Curió e encontrou com duas mulheres; uma delas a irmã do policial militar Marcílio. Cleiton confrontou as duas sobre um boato que elas teriam espalhado de que a namorada dele teria sido vista num motel com outro homem.
Conforme o testemunho de Cleiton, ao ficar diante das duas mulheres para "tirar a limpo" a história de que havia sido traído, ele é surpreendido por Marcílio, que desceu armado de um veículo Fox, de cor preta. Os homens teriam discutido e o pedreiro saído do local a fim de denunciar a agressão.
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No caminho, encontrou uma viatura da PM e foi orientado a ligar para a Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops). Cleiton disse ter ligado várias vezes, mas antes da chegada das viaturas, foi abordado pelo adolescente Francisco de Assis Moura de Oliveira Filho, o 'Neném', que o questionou sobre o motivo de ele ter chamado a Polícia para o bairro, o que segundo 'Neném', poderia "causar problemas".
Enquanto conversavam, 'Neném' e Cleiton foram surpreendidos pelo policial militar Marcílio e por Giovanni Soares, o 'Lorim Giovanni'.
Consta na acusação do MP que, naquele momento, Marcílio e Giovanni efetuaram diversos disparos. 'Neném' foi morto a tiros e Cleiton baleado.
Dias depois da morte de 'Neném', o pai dele teve a casa invadida e foi morto por homens encapuzados. Os parentes de Neném' teriam prometido vingança e exigiram a saída de Marcílio e da família dele do bairro. Nesse momento, o ambiente já havia se tornado propício para atuação de uma milícia.
Horas antes da chacina, o PM Waltemberg Charles Serpa, conhecido como 'Soldado Serpa' estava jogando futebol em um campo na Avenida do Recreio, bairro Lagoa Redonda. A esposa do PM, que também estava no local, foi vítima de um assalto.
Ao tentar intervir, Serpa foi baleado e morreu instantes depois no hospital. Após a morte do PM, colegas de farda, de serviço e de folga se reuniram na entrada das comunidades e planejaram a "vingança", que resultou na sequência de assassinatos de inocentes que ficou conhecida como a 'Chacina da Messejana'.
Sobre o policial militar Luciano, ele foi indiciado após a investigação concluir que alguns policiais tentaram adulterar as placas de seus veículos para não serem flagrados transitando no local. Perícias foram realizadas e constataram divergências entre números, que haviam sido propositadamente mudados naquela noite, segundo os promotores de Justiça.
VEJA OUTROS RESULTADOS:
Primeiro júri - 20 de junho de 2023
- Antônio José de Abreu Vidal Filho - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Ideraldo Amâncio - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Marcus Vinícius Sousa da Costa - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar;
- Wellington Veras Chagas - condenado a 275 anos e 11 meses de prisão e expulso da Polícia Militar.
Segundo júri - 29 de agosto de 2023
- Sargento PM Francinildo José da Silva Nascimento - absolvido de todas as acusações;
- Sargento PM José Haroldo Uchoa Gomes - absolvido de todas as acusações;
- Cabo PM Ronaldo da Silva Lima - absolvido de todas as acusações;
- Cabo PM Thiago Aurélio de Souza Augusto - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Gaudioso Menezes de Mattos Brito Goes - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Gerson Vitoriano Carvalho - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Josiel Silveira Gomes - absolvido de todas as acusações;
- Soldado PM Thiago Veríssimo Andrade Batista de Moraes -absolvido de todas as acusações.
Terceiro júri - 12 de setembro de 2023
- Tenente PM José Oliveira do Nascimento - condenado a 210 anos e 9 meses de prisão;
- Subtenente Antônio Carlos Matos Marçal - teve um crime desclassificado para a Vara da Auditoria Militar e foi absolvido pelos outros;
- Sargento PM Clênio Silva da Costa - absolvido;
- Sargento PM Francisco Helder de Sousa Filho - absolvido;
- Sargento PM José Wagner Silva de Souza - condenado a 13 anos e 5 meses de prisão;
- Sargento PM Maria Bárbara Moreira - absolvida;
- Cabo PM Antônio Flauber de Melo Brazil - absolvido;
- Soldado PM Igor Bethoven Sousa de Oliveira.
Quarto júri - 31 de agosto de 2025
- Sargento Farlley Diogo de Oliveira - absolvido de todas as acusações
- Cabo PM Daniel Fernandes da Silva - absolvido de todas as acusações
- Cabo PM Gildácio Alves da Silva - absolvido de todas as acusações
- Soldado Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa - absolvido de todas as acusações
- Soldado Francisco Flávio de Sousa - absolvido de todas as acusações
- Soldado Luís Fernando de Freitas Barroso - absolvido de todas as acusações
- Soldado Renne Diego Marques - absolvido de todas as acusações
QUEM SÃO AS VÍTIMAS DA MATANÇA:
- Álef Souza Cavalcante, morto aos 17 anos;
- Antônio Alisson Inácio Cardoso, morto aos 16 anos;
- Francisco Elenildo Pereira Chagas, morto aos 40 anos;
- Jardel Lima dos Santos, morto aos 17 anos;
- Jandson Alexandre de Sousa, morto aos 19 anos;
- José Gilvan Pinto Barbosa, morto aos 41 anos;
- Marcelo da Silva Mendes, morto aos 17 anos;
- Patrício João Pinho Leite, morto aos 16 anos;
- Pedro Alcântara Barroso do Nascimento Filho, morto aos 18 anos;
- Renayson Girão da Silva, morto aos 17 anos;
- Valmir Ferreira da Conceição, morto aos 37 anos