4º júri da Chacina do Curió: sobreviventes contam terror vivido na noite e na madrugada da matança

Quarto julgamento do caso tem sete PMs no banco dos réus, chamados de "Núcleo da Omissão", por estarem de serviço, não socorrerem as vítimas e nem atuarem para impedir as mortes

(Atualizado às 19:39)
Foto do Júri da Chacina do Curió
Legenda: Julgamento tem sete PMs como réus
Foto: Sara Parente/Ascom TJCE

No primeiro dia do quarto júri da Chacina do Curió nesta segunda-feira (25), que tem sete policiais militares no banco dos réus, os sobreviventes relembraram momentos de terror vivido entre a noite de 11 de novembro e a madrugada de 12 de novembro de 2015. A nova etapa de julgamento é para os agentes de segurança conhecidos como o "Núcleo da Omissão".

Os policiais estavam de serviço na região do Curió e, segundo a tese do Ministério Público do Ceará (MPCE), poderiam ter evitado a Chacina

"Se tu não colaborar vai acabar como os outros aí", foi o que um sobrevivente ouviu de homens camuflados com balaclava que o retiraram de casa e rodaram de carro com ele por cerca de três horas. O jovem foi "escolhido" por policiais e ameaçado de morte por supostamente conhecer um homem identificado como 'Curió', que estaria envolvido na morte do policial Serpa, ocorrida horas antes da Chacina.  

O rapaz foi a segunda testemunha de acusação ouvida na tarde desta segunda. Ele relatou no júri que ouviu os acusados afirmando que no dia seguinte a "mídia" ia noticiar as mortes como "briga de facção". 

O primeiro depoimento do 4º júri foi o de um homem que levou cinco tiros e ficou paraplégico. Ele só soube o que ocorreu quando chegou ao Frotinha da Messejana. 

No terceiro depoimento do dia, outro sobrevivente, que tinha 21 anos na época, contou que foi socorrido inconsciente. Ficou sem metade do pulmão direito e perdeu a função de um dos braços. "Passei mais de um mês internado. Fui socorrido pelo meu pai".

Ele relembrou os momentos de terror vividos na hora e após a abordagem dos matadores. O rapaz disse que estava na calçada conversando na companhia de amigos quando carros encostaram com os homens armados.

"Eles desceram e já mandaram encostar na parede, chutaram as pernas. E perguntavam: “cadê, cadê. E a gente: “o que, senhor? Fui atingido no braço, cabeça e perna. Caí e fiquei inconsciente". 

Passados quase 10 anos, o trauma e a dor permanecem. “Na minha casa a gente evita falar sobre isso. A gente evita para não ficar revivendo”.

Nesta segunda parte do primeiro dia de julgamento, há previsão de depoimento de seis testemunhas de acusação. O primeiro momento, durante a manhã, foi de sorteio dos jurados e leitura da denúncia. 

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Mãe de vítima passa mal 

Durante os depoimentos dos sobreviventes, as mães e familiares dos réus podem assistir ao júri. A mãe de uma vítima passou mal durante a exibição de vídeos e áudios gravados na madrugada da chacina e saiu do júri chorando.

A esposa do réu Renne Diego também passou mal, e teve de ser atendida pelo Corpo de Bombeiros. 

Advogados da defesa pediram para pausar a exibição de vídeos no momento de ouvir testemunhas, pedindo que essas exibições só aconteçam na fase dos debates, nos próximos dias. Diante do pedido, o Colegiado de juízes se reuniu e às 18h50 deliberou que as exibições seguem permitidas, no entanto, sem argumentação.

'Atuação de uma polícia letal', pontua conselheira 

Antes do retorno dos trabalhos do júri nesta tarde, Ana Carolina Santos, conselheira do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) falou sobre a importância do resultado para as famílias e disse que, apesar da demora em julgar, o caso demanda "complexidade" e "tempo de justiça".

"O  CNDH se solariza pela situação, sobretudo com as mães e os familiares. Então a gente espera muito que esses julgamentos seja uma forma de o estado ser responsabilizado pelas mortes sistemáticas que tem produzido a partir da atuação de uma polícia que é letal. Sobretudo sobre nossa juventude negra", pontuou a conselheira, que representa a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas. 

A conselheira pontuou que espera dos júris um "processo reparatório de indenização das mães e familiares e que haja um controle externo da polícia, para que a gente possa barrar esse processo de letalidade policial que tem sido produzido pelo estado brasileiro a partir da reprodução do racismo estrutural". 

Quem são os PMs julgados?

  • Sargento PM Farlley Diogo de Oliveira;
  • Cabo PM Daniel Fernandes da Silva;
  • Cabo PM Gildácio Alves da Silva;
  • Soldado PM Francisco Fabrício Albuquerque de Sousa;
  • Soldado PM Francisco Flávio de Sousa;
  • Soldado PM Luís Fernando de Freitas Barroso;
  • Soldado PM Renne Diego Marques.

Segundos os Memoriais Finais do Ministério Público do Ceará (MPCE), os sete PMs estavam de serviço pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), divididos em três viaturas policiais, entre a noite de 11 de novembro e a madrugada de 12 de novembro de 2015. Eles teriam deixado de atender as ocorrências no dia das mortes. 

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