Mulher agredida com marreta pelo ex diante das filhas passará por quarta cirurgia facial
A vítima concedeu uma entrevista ao Diário do Nordeste, na qual relata o dia do crime e pede por justiça.
[ALERTA DE GATILHO E CONTEÚDO SENSÍVEL]
"Sou uma sobrevivente. Não era pra eu estar aqui agora, minha família deveria estar me velando em um caixão." O relato é de Brenna Araújo de Brito, 36 anos, cearense, vítima de golpes de marreta na cabeça, testa, nariz, maxilar e dentes, desferidos pelo ex-companheiro, André Gomes Soares, 33 anos.
O ataque, ocorrido em 22 de novembro, em Fortaleza, causou múltiplas fraturas. Uma violência que deixou o sofrimento exposto: mais de 60 pontos na região da cabeça e no rosto.
"Eu choro todo dia porque não me olho mais no espelho, me sinto um monstro ao ver essas marcas no meu rosto. Eles [os médicos] me dão remédio para dormir, mas, mesmo assim, eu ainda choro porque não consigo me reconhecer", conta a cearense.
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As cicatrizes são físicas, psicológicas e "no coração", como descreve a vítima em entrevista ao Diário do Nordeste. Enquanto aguarda mais uma cirurgia para reconstruir o rosto, Brenna tenta se recuperar do trauma para seguir em frente.
“Eu nunca imaginei que o pai das minhas filhas pudesse fazer uma crueldade dessa comigo. Um homem que abria a boca para dizer que me amava”, lamenta Brenna.
O agressor conseguiu fugir do local após o ataque, mas foi preso três dias depois e autuado por tentativa de feminicídio.
Desde o dia do crime, Brenna está internada no Hospital Instituto Doutor José Frota (IJF), em Fortaleza. Após ficar intubada por 13 dias, ela segue em tratamento, sem previsão de alta.
Até o momento, a cearense já passou por três cirurgias de reconstrução na testa, cabeça, mandíbula e dentes, com a colocação de placas de sustentação. A última cirurgia, no nariz, a região mais afetada pelas agressões, está agendada para a próxima segunda-feira (22), também no IJF.
Infelizmente, Brenna não está sozinha. Ela é uma entre muitas vítimas de violência contra a mulher em um País onde, segundo o Mapa Nacional da Violência de Gênero do 1º semestre de 2025, quatro mulheres são mortas por feminicídio a cada dia.
A seguir, leia a entrevista da vítima sobre o dia do crime.
Dia das agressões
22 de novembro de 2025. Esse dia marcou para sempre a vida de Brenna, que diz ter “nascido de novo”. Foram 5 anos de relacionamento, 4 filhos e diversas marcas, carregadas por crises exacerbadas de ciúmes, um histórico de abusos físicos e psicológicos, até mesmo quando ela estava grávida.
Há um ano separada do ex, Brenna tentava manter uma relação amigável por conta das crianças. Era um sábado, e ele a chamou para ir a uma praça perto de casa, levar os filhos para brincar de pula-pula. Até então, parecia um convite despretensioso, mas que quase custou a vida da cearense.
"Eu já estava tendo um pressentimento ruim e disse: ‘vou não, que tu vais me matar’. E ele respondeu me chamando de doida", conta Brenna.
Ela conta que o motociclista que a levou até a casa do ex também sentiu que algo estava errado.
"Quando cheguei na rua antes da casa dele, o mototaxista parou e disse: ‘Moça, posso te dizer uma coisa? Estou com um pressentimento ruim.’ Aí, eu perguntei: ‘Sobre mim?’, e ele disse que sim, embora nunca tivesse me visto antes", relembra.
"Era como se fosse Deus usando ele para me avisar. Aí, eu respondi: ‘Não vai acontecer nada comigo, não’. Na hora de descer da moto, ele disse: ‘Que Deus te proteja, moça’.”, conta.
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Ao chegar à casa do ex-companheiro, Brenna foi recebida com violência e percebeu os sinais de embriaguez no agressor.
“Ele me puxou pra dentro da casa, mas eu fiquei na área, em nenhum momento quis entrar. Ele perguntou ‘você vai dormir aqui?’, e eu disse que não, porque eu ia trabalhar no dia seguinte. Eu senti que ele tava com cheiro de bebida, e ele insistiu com a pergunta umas três vezes”, detalha.
As ofensas verbais e agressões físicas começaram após ela recusar dormir na casa. Ela também foi mantida em cárcere privado, trancada na residência com os filhos.
"Como eu disse que não ia dormir lá, ele me chamou de r*******, vagabunda, trancou o portão e foi para o quintal enquanto eu arrumava as crianças", afirma Araújo.
Golpe quase acerta a filha bebê
Brenna percebeu que estava em perigo quando viu que ele trancou a porta. Instintivamente, se levantou para proteger as filhas. Nesse momento, viu o ex-companheiro com as mãos para trás.
Ele insistiu: "Tu vais dormir aqui ou não?". Antes que Brenna pudesse responder, foi surpreendida por um golpe de marreta. A agressão aconteceu na frente das filhas do casal, uma lembrança que a mãe não consegue apagar da memória.
“Eu disse de novo que não ia [dormir na casa]. A raiva dele foi tanta que, por pouco, ele não acertou a neném. Quando eu puxei a bebê para o lado, ele acertou a minha cabeça”, diz a cearense, com a voz embargada.
Ela então gritou pela filha mais velha pedindo socorro: “Pega a sua irmã, que seu pai está me matando."
"Ela pegou a bebê desesperada, gritando e chorando, implorando para ele não me bater mais”, recorda Brenna. A filha mais velha, então, foi acalentar as mais novas. Nesse momento, Brenna levou o segundo golpe de marreta na cabeça.
Eu só vi o sangue jorrar, chegava a espirrar sangue da minha cabeça. Fiquei desesperada e dizia: ‘Cara, tu estás me matando na frente das tuas filhas’. Comecei a gritar socorro para a minha ex-cunhada, que mora ali, vizinho
A tentativa de fuga
A cearense descreve os momentos de terror após as pancadas. Na tentativa de salvar a própria vida, ela conseguiu se desvencilhar por um momento e ir até ao banheiro da casa, onde as agressões continuaram.
Brenna afirma ter “se agarrado” às orações enquanto suplicava para sobreviver.
“Comecei a pedir ajuda a Deus em voz alta, e ele [o agressor] disse que não adiantava porque ele era o demônio naquele momento”.
Mais momentos de tensão ocorreram na sequência. O agressor a seguiu e a empurrou contra o aparelho sanitário.
“Ele me arrastou pelos cabelos e tacou meu rosto contra a privada. Foi isso que lesionou meu nariz, sobrancelha, testa e maxilar”, detalha Brenna.
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Após súplica da filha, agressor deu o terceiro golpe
Uma das filhas pediu para o pai cessar as agressões e não matá-la. Foi então que o terceiro golpe com a marreta aconteceu e ela perdeu a consciência, desmaiando no banheiro.
“Eu apaguei e não lembro mais de nada. Mas, antes de desmaiar, escutava minhas filhas gritando e pedindo socorro. Isso não vai sair da minha cabeça nunca”, lamenta.
Foi o cunhado do ex-companheiro de Brenna quem a socorreu após a tentativa de feminicídio e entrou em contato com a família dela.
O agressor ainda confiscou o celular da vítima quando percebeu que ela estava gravando as ofensas. Ela ainda não conseguiu recuperar o aparelho.
Como está Brenna agora?
Internada no IJF desde 22 de novembro, Brenna agora tenta reconstruir a vida e sonha com o dia em que poderá reencontrar as filhas.
Ela passará por mais uma cirurgia para a reconstrução do rosto na próxima segunda-feira (22) e segue sem previsão de alta. Também recebe apoio psicológico por meio de sessões de terapia com uma profissional no próprio hospital.
A tia de Brenna ganhou a guarda das crianças, que estão recebendo apoio da família.
Sobre o ex-companheiro, a cearense pede que a justiça seja feita. “Eu perdoo ele, porque, apesar de tudo, ele é o pai das minhas filhas. Mas eu quero justiça, só quero que ele pague pelo que fez”, pondera.
Testemunho a outras mulheres
Emocionada, Brenna expressa o desejo de que seu testemunho seja um exemplo de força para outras mulheres vítimas de violência doméstica.
Eu sou uma sobrevivente, não era pra eu estar aqui agora conversando com vocês, era para minha família estar me velando em um caixão.
“Eu escutava os médicos dizendo que eu não tinha jeito, pela situação que eu me encontrava. Eu conversava com Deus o tempo inteiro: ‘Deus, de onde eu estiver, me traga de volta’. E Deus me restaurou de onde eu estava”, relembra.
O alívio após a prisão do agressor
Antes de se entregar à polícia, André Gomes Soares ficou três dias foragido até ser preso.
"Ele foi preso e eu fiquei mais tranquila, eu tinha medo de ele ser solto e querer terminar o serviço", diz Brenna, com receio.
Como denunciar
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 é um serviço de utilidade pública essencial para o enfrentamento à violência contra as mulheres. A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. O anonimato é garantido.
É possível fazer a ligação de qualquer lugar do Brasil ou acionar o canal via chat no WhatsApp (61) 9610-0180. Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do 190.
O Ligue 180 presta os seguintes atendimentos:
- Orientação sobre leis, direitos das mulheres e serviços da rede de atendimento (Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referência, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros);
- Informações sobre a localidade dos serviços especializados da rede de atendimento;
- Registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes;
- Registro de reclamações e elogios sobre os atendimentos prestados pelos serviços da rede de atendimento.