‘Nossos filhos não morreram à toa’: mães do Curió pedem Justiça antes de júri
Começa nesta terça (20) o primeiro julgamento de policiais militares acusados de participar das mortes de 11 pessoas, em 2015
Integrantes do coletivo Mães e Familiares do Curió pediram que “a Justiça seja feita” no Fórum Clóvis Beviláqua, onde nesta terça-feira (20) começa o primeiro julgamento do episódio conhecido como ‘Chacina do Curió’. Em novembro de 2015, na Grande Messejana, em Fortaleza, 11 pessoas foram assassinadas. Hoje, quatro policiais militares sentam no banco dos réus.
Maria Suderli, mãe de Jardel Lima do Santos, morto aos 17 anos, explica que a luta do coletivo nos últimos 8 anos foi para manter viva a memória dos parentes que partiram e evitar que outros casos voltem a ocorrer.
“Nossos filhos não morreram à toa. A vida para eles (os acusados) não foi importante, mas para nós é. Meu filho morreu com 17 anos e não foi à toa”, disse em entrevista coletiva.
Edna Souza, mãe de Alef Souza, relatou “noites mal dormidas ou nem dormidas” durante todo o tempo de espera pelo início dos julgamentos, mas considera que “chegou o dia de a gente fazer Justiça”.
A memória de José Gilvan Pinto Barbosa, de 41 anos, é mantida pela esposa Ana Lúcia Costa Santos, que agradeceu todo o apoio recebido pelos familiares atingidos pela tragédia. “Estamos confiantes de que vai dar tudo certo. Estou aqui pela minha filha, pelas mães e familiares do Curió, pelo meu Ceará, pela minha periferia”, afirma.
Uma das entidades que acompanha a luta das mães e o julgamento é o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). A diretora Mara Carneiro percebe a data como “histórica” e “fundamental”.
“A expectativa das organizações que apoiam essas mães e familiares é que saia de verdade a responsabilização dos autores. Não haverá julgamento no país dessa natureza. É uma esperança para colocar nas páginas do Estado do Ceará um não à violência policial”, relata.
“Nossa posição é muito firme em relação à busca pela Justiça. Confiamos no Judiciário e entendemos que a prática do justiçamento não é condizente com a democracia”, complementa Bruno Renato Teixeira, ouvidor nacional do Ministério dos Direitos Humanos, também presente no Fórum. Para o representante federal, a violência policial é uma prática que deve acabar.
“O Estado Brasileiro não pode mais permitir que os próprios agentes do Estado sejam os violadores dos direitos humanos. É grave o que aconteceu no Ceará. Queremos que seja um divisor de águas para a posição das forças de segurança pública em relação às comunidades e periferias de todo o Brasil”, defende.
Integrantes do movimento Justiça Pro Curió também participam das atividades externas. Faixas com fotos e nomes das vítimas foram estendidas, e há falas de protesto sobre o impacto da tragédia para comunidades periféricas de Fortaleza.
Linhas de defesa
Em entrevista antes do início da sessão, a banca de seis advogados dos réus também relatou que linhas de defesa deve seguir durante o julgamento.
O advogado Valmir Medeiros, membro da defesa do PM Marcus Vinícius Sousa da Costa, considera a chacina uma “tragédia” e uma “injustiça inominável” com as vítimas. No entanto, alega que não há provas suficientes quanto à autoria das mortes.
“Não há provas de quem fez o quê. Não tem imagem nem reconhecimento de ninguém que tenha feito alguma coisa, nem foram feitas as perícias que deveriam ter sido feitas”, expõe.
Talvane Moura, advogado criminalista do PM Ideraldo Amâncio, por sua vez, pretende defender a tese de negativa de autoria. “Ele estava em casa no dia do ocorrido e nada fez. Quem praticou esse delito merece reprovação adequada e justa, mas não é o caso dele”, garante.
Segundo o advogado, Ideraldo já foi considerado inocente em apuração realizada pela A Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD).
Como será o julgamento?
A previsão é que o júri, de alta complexidade, possa se estender até a próxima sexta-feira (23). O rito da sessão contará com o sorteio dos jurados, todos eles populares, sem relação pessoal com o caso. Durante a sessão, estão previstos 24 depoimentos, sendo sete de vítimas sobreviventes, 13 de testemunhas, além do interrogatório dos quatro réus, conforme o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Vão ao 1º Salão do Júri na condição de réus os PMs:
- Marcus Vinícius Sousa da Costa
- António José de Abreu Vidal Filho
- Wellington Veras Chagas
- Ideraldo Amâncio
Além deles, devem estar presentes advogados de defesa, representantes do Ministério Público do Ceará (MPCE) na acusação; membros da Defensoria Pública do Ceará; a coordenadora geral de Combate à Tortura e Graves Violações aos Direitos humanos do Governo Federal, Fernanda Vieira de Oliveira; o Cedeca e familiares das vítimas.