Legislativo Judiciário Executivo

Vereador é absolvido pelo TRE em processo de violência política de gênero em Caridade, no Ceará

Vereadora Sad Lufti promete recorrer e alega que ação é apenas uma das três contra o parlamentar

(Atualizado às 09:51, em 15 de Setembro de 2025)
Montagem de fotos mostra os vereadores Orlando Victor Bezerra Lopes e Sad Lufti
Legenda: Orlando Victor Bezerra Lopes havia sido condenado por violência política de gênero contra a vereadora Sad Lufti em 1ª instância
Foto: Reprodução/Redes sociais

Vereador de Caridade, Orlando Victor Bezerra Lopes (PT) foi absolvido no processo no qual era acusado de violência política de gênero contra a vereadora Sad Lutfi (PSD). O parlamentar havia sido condenado em 1ª instância, mas a decisão foi reformada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) nesta sexta-feira (12), por unanimidade. 

A ação trata de um episódio na sessão da Câmara Municipal de Caridade, em 11 de outubro de 2024. A acusação aponta que, em discurso no plenário, Orlando cometeu assédio, constrangimento e humilhação contra Sad Lutfi, tendo o objetivo de impedir o exercício do mandato da parlamentar.

Em julho, o juiz Caio Lima Barroso, da 111ª Zona Eleitoral, chegou a determinar uma pena de 2 anos, 11 meses e 21 dias de reclusão em regime semiaberto para Orlando. A sentença foi substituída por prestação de serviços comunitários pelo mesmo período e pagamento de pouco mais de R$ 15,2 mil, a ser destinado a entidades que atuem na proteção dos direitos das mulheres em Caridade.

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Após recurso do réu, a decisão chegou ao TRE e foi reformada, sob a relatoria do desembargador eleitoral Emanuel Leite Albuquerque. No voto, o magistrado defendeu que é natural o "confronto de ideias" no ambiente parlamentar e que, no caso, “não está caracterizado nem de longe” o artigo do código eleitoral que versa sobre violência política de gênero.

“O ambiente parlamentar é, por natureza, espaço de confronto de ideias muitas vezes permeado por manifestações enfáticas e retóricas, garantindo-lhes inviolabilidade por opiniões, palavras e votos no exercício do mandato, ressalvado casos de abusos excepcionais, que não é o caso aqui”
Emanuel Leite Albuquerque
Desembargador eleitoral do TRE

A ação foi movida pela Frente Parlamentar de Combate à Violência Política de Gênero, da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). O PontoPoder acionou a Casa acerca da decisão do Tribunal e aguarda resposta. A matéria será atualizada em caso de retorno. 

Vereadora promete recorrer

Em contato com a reportagem, a vereadora Sad Lutfi afirmou que aguarda a publicação do acórdão e conta com o recurso do Ministério Público. A parlamentar defende que o caso específico do processo é apenas uma parte do contexto de violência política de gênero.

“O mesmo já é condenado por fake news, já pagou multa de R$ 15 mil, ele e seus dois assessores, com um total de R$ 45 mil. Eu já tenho uma medida protetiva. Então, nos embargos que a gente vai fazer, quando sair o acórdão, a gente vai levantar aqui tudo isso, que realmente se caracteriza como violência política. E eu tô muito confiante, porque o acordo ainda vai sair e a gente vai fazer todas as colocações”
Sad Lutfi
Vereadora de Caridade

Segundo a vereadora, uma medida protetiva da Comarca de Caridade estabelece que o vereador mantenha distância mínima de 100 metros de Sad Lutfi e não cite o nome dela. A exceção é a Câmara Municipal, onde os dois exercem atividade parlamentar. 

O que diz o vereador

O PontoPoder acionou Orlando Victor Bezerra Lopes acerca do novo desdobramento do processo. Por meio de nota, a assessoria jurídica do vereador ressaltou a decisão do Tribunal Regional Eleitoral e reafirmou que não houve violência política de gênero no caso. 

Conforme a defesa, o caso se originou de um debate em que a vereadora anunciou ter conseguido na Justiça uma medida protetiva contra Orlando, que foi à Tribuna e questionou a razão da ação, defendendo que não era criminoso nem tinha criminoso na sua família.

“Essa fala, que totalizou pouco mais de um minuto, foi a que gerou a condenação de Orlando em primeira instância e, hoje, devidamente reformada pelo TRE”, pontuou o advogado de defesa, Júnior Bonfim.

“O julgamento reforça a necessidade de uma análise criteriosa para diferenciar a crítica política, por mais veemente que seja, da violência política de gênero, que exige o elemento de discriminação ou menosprezo em razão da condição de mulher com a finalidade de impedir ou dificultar o exercício do mandato ou da campanha eleitoral”
Júnior Bonfim
Advogado de defesa do Orlando Victor Bezerra Lopes

O advogado alegou também que, após as eleições de 2024, “quando obteve votação superior a de Sad, Orlando passou a sofrer uma série de constrangimentos, inclusive com ajuizamento de ações judiciais”, frisou. “Orlando está respondendo a todas as demandas e confia plenamente na Justiça”, acrescentou. (Veja nota da defesa na íntegra ao final da matéria)

O que aconteceu?

Durante sessão na Câmara Municipal de Caridade, no dia 11 de outubro de 2024, a vereadora Sad Lufti subiu à tribuna para "expor as dificuldades enfrentadas durante o período eleitoral e relatar os atos de violência que sofreu", inclusive com uma medida protetiva para que o vereador não pudesse se aproximar dela. 

As exceções seriam as sessões da Câmara de Vereadores e as audiências no Poder Judiciário, segundo a denúncia feita à Justiça Eleitoral. Nela, é citado que Orlando teria "descumprido a medida protetiva". 

Ainda de acordo com o relatado, naquele dia, o vereador teria subido à tribuna logo depois da fala de Sad Lufti para respondê-la. O discurso dele é transcrito na decisão.

"Distância de Vossa Excelência, faz muito tempo que eu venho tendo, muito tempo. Não se preocupe, não precisa de medida protetiva, nada disso. Até porque bandido em caridade não sou eu", disse o vereador. Ele disse que estaria recorrendo da decisão e "tomando todas as medidas, porque nós sabemos como tudo ocorreu". 

"Mas, tranquilamente, isso não me atinge, porque o que vale é a minha consciência tranquila. E, possivelmente, vou até mandar fazer um pedestal para colocar a senhora como mais uma santa padroeira do município, porque, pela fala, é como se nunca tivesse agido também de má-fé", finalizou.

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Segundo testemunhas ouvidas durante o processo, Orlando e Sad foram "amigos próximos", mas, "após o rompimento político, o acusado passou a desrespeitá-la, com episódios recorrentes de deboche, expressões faciais depreciativas e insultos durante as sessões, comportamento que se estenderia há cerca de seis anos".

Depoimento dos envolvidos

Durante interrogatório, o vereador Orlando negou as acusações de violência política de gênero e disse não ter "ter agredido ou humilhado a vereadora". Ele confirmou ainda que os dois já haviam sido amigos e que se "surpreendeu" com a menção à medida protetiva. 

"Disse ter se sentido magoado com a fala e que agiu por necessidade moral de se defender", relata a decisão da 111º Zona Eleitoral.

"Declarou não compreender a origem do temor manifestado por SAD, ressaltando que, na ocasião, expressou felicidade com o resultado eleitoral e afirmou que não havia necessidade de medidas protetivas, pois não era bandido. (...) Esclareceu que sua fala sobre 'não ter bandidos na família' não teve a intenção de ofender a vereadora ou sua família, e que desconhece qualquer envolvimento de familiares dela com a Justiça. Quanto à referência a fazer uma estátua dela, afirmou que foi uma resposta à população"
Decisão da 111º Zona Eleitoral

O magistrado relata ainda como foi o depoimento de Sad Lufti e que ela disse ter "se sentido constrangida", já que o objetivo de ler a sentença era garantir o cumprimento da medida protetiva. "E que, após novo pedido de respeito, que era uma coisa constante, foi novamente desrespeitada, saindo do local aos prantos", relata.

Ao decidir pela condenação do réu, o juiz Caio Lima Barroso descartou a "suposta autodefesa" exercida pelo vereador e disse que "a conduta do réu extrapolou os limites da legítima manifestação de inconformismo, configurando-se como reprovável e desproporcional". 

Na sequência, o magistrado reforçou o enquadramento da conduta no crime de violência política de gênero "cuja consumação independe da ocorrência de resultado concreto". "Basta a prática de atos que configurem constrangimento ou intimidação com o propósito de dificultar ou impedir o exercício dos direitos políticos por mulheres para que o delito se configure", destacou. 

Leia a nota da defesa do vereador Orlando Victor Bezerra Lopes, na íntegra:

"A defesa técnica do Vereador Orlando Victor Bezerra Lopes comunica que, na manhã de hoje (12.09.2025), o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE Ceará) decidiu, por unanimidade, absolver o Vereador de Caridade de um suposto crime de violência política de gênero em face da Vereadora Sad Lufti Lemos de Moura.

O caso se originou de um debate, logo após as eleições e na Tribuna da Câmara de Caridade, em que a Vereadora Sad anunciou ter conseguido na Justiça uma medida protetiva em desfavor do Vereador Orlando. Surpreso, Orlando foi à Tribuna e questionou a razão dessa medida, pois não era criminoso nem tinha criminoso na sua família. Essa fala, que totalizou pouco mais de um minuto, foi a que gerou a condenação de Orlando em primeira instância e, hoje, devidamente reformada pelo TRE.

Em verdade, após as eleições de 2024, quando obteve votação superior a de Sad, Orlando passou a sofrer uma série de constrangimentos, inclusive com ajuizamento de ações judiciais. Orlando está respondendo a todas as demandas e confia plenamente na Justiça.

Esta decisão unânime do TRE Ceará, proferida hoje, é de extrema relevância para o cenário político-eleitoral, especialmente no que tange à interpretação da Lei nº 14.192/2021, uma legislação recente e fundamental para a proteção da participação feminina na política. 

O julgamento reforça a necessidade de uma análise criteriosa para diferenciar a crítica política, por mais veemente que seja, da violência política de gênero, que exige o elemento de discriminação ou menosprezo em razão da condição de mulher com a finalidade de impedir ou dificultar o exercício do mandato ou da campanha eleitoral. A decisão contribui para balizar os limites da liberdade de expressão no debate político, protegendo as mulheres na política sem criminalizar a legítima, ainda que dura, divergência ideológica.

A absolvição de Orlando Victor Bezerra Lopes implica o reconhecimento de que a conduta, no caso concreto, não se amoldou aos requisitos do tipo penal do Art. 326-B do Código Eleitoral. Juridicamente, a decisão sublinha a importância da presença do dolo específico – a intenção de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar uma candidata ou detentora de mandato eletivo utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher. A ausência desse elemento específico, conforme apurado pelo Tribunal, foi determinante para a reforma da sentença condenatória e a consequente absolvição do réu. Este julgado serve como precedente importante para a interpretação futura da lei por outros tribunais eleitorais."

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