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Promessas para dar fôlego à economia estão travadas no Brasil; entenda os impasses

Apostas encontraram obstáculos como a resistência entre os parlamentares e a falta de empenho do Governo

Escrito por Igor Cavalcante , igor.cavalcante@svm.com.br
Presidente da República, Jair Bolsonaro, acompanhado dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira
Legenda: Presidente da República, Jair Bolsonaro, acompanhado dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, e da Câmara, Arthur Lira
Foto: Pedro França/Agência Senado

Enquanto o Brasil amarga uma queda no PIB de 0,1% no segundo trimestre, pautas econômicas, apresentadas como apostas para dar fôlego à economia nacional, seguem travadas – ou rejeitadas – pelo Legislativo.

As propostas, como as reformas tributária e administrativa, foram pensadas pelo Executivo, mas encontraram obstáculos, seja pela resistência entre os parlamentares, seja pela falta de empenho do Governo Federal em acelerar a aprovação.

O Diário do Nordeste ouviu especialistas e deputados federais que analisam as perspectivas para o destravamento da pauta econômica e os impasses políticos nas principais discussões.

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Em fevereiro deste ano, o presidente da República entregou pessoalmente aos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), uma lista de matérias em tramitação consideradas como prioritárias pelo Executivo.

Na lista, estavam as reformas tributária e administrativa, por exemplo. No entanto, conforme o Diário do Nordeste mostrou no mês passado, a tramitação da maior parte das matérias apontadas pelo presidente foi soterrada por outras propostas – principalmente eleitorais – que ganharam maior destaque no País e passaram a atrair interesse do Executivo. 

Conforme o cientista político Cleyton Monte, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem) da Universidade Federal do Ceará (UFC), raramente as pautas econômicas são consenso entre os parlamentos e também na população. 

Falta de diálogo

“Essas matérias envolvem interesses empresariais, como no caso dos precatórios e da reforma do imposto de renda, por exemplo. Acaba que, se quiser estabelecer modelos de justiça social, tem que mudar esses interesses. Isso já seria difícil para uma gestão pautada pelo diálogo. No caso atual, o Governo tem profunda dificuldade de debater com o Congresso e de estabelecer uma ponte com as lideranças”, avalia. 

O deputado federal Heitor Freire (PSL) acrescenta que é preciso ponderar o cenário de pandemia que o Brasil enfrenta. Para ele, essa conjuntura sanitária trouxe novas prioridades. “(Mas) sem dúvidas as reformas precisam de mais celeridade. Quando o governo iniciou em 2019, a prioridade eram três grandes reformas: previdência, tributária e administrativa. Até agora, só conseguimos avançar na Previdência”, afirma. 

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Clyeton Monte ressalta, no entanto, que mesmo a reforma previdenciária ficou aquém das promessas do Governo Federal. “Essas reformas foram prometidas na campanha. Se conseguiu a da Previdência, mas muito abaixo do que foi prometido. As outras estão aí com muita dificuldade. O Governo não consegue entregar nenhuma, o ano que vem é ano eleitoral, o setor produtivo está com muita dificuldade, não há apoio Federal, então o ‘PIB’ vai se afastando mesmo do Governo”, conclui. 

Bate-cabeça federal

Na avaliação do deputado federal Idilvan Alencar (PDT), o cenário  também é crítico. “O fato é que o Governo não possui uma agenda econômica, é pautado pelo Congresso e pelas circunstâncias. Antes da agenda econômica vem o plano de desenvolvimento, no caso, agora, um plano de retomada, mas não há uma coordenação nacional. O Paulo Guedes (ministro da Economia) fala uma coisa hoje, o Bolsonaro fala outra amanhã, e assim vai”, reclama.

O pedetista ressalta que essa conjuntura afasta investidores estrangeiros e desestimula os empresários locais. “Ele cria expectativa no mundo financeiro e não corresponde. Quem vai querer abrir uma empresa vendo as instituições do Brasil serem ameaçadas todos os dias? Quem vai arriscar começar um negócio hoje sem saber como estaremos dia 7 de Setembro?”, acrescenta o parlamentar. 

Imprevisibilidade na economia

O argumento do temor causado pela instabilidade política também é apontado pelo cientista político Josênio Parente, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece). “O empresariado precisa de uma segurança jurídica para fazer seus negócios, é isso que dá a chamada ‘previsibilidade’, que é um ponto muito importante na administração. O sucesso do Plano Real está justamente aí, ele garantiu uma previsibilidade, foi possível planejar a economia do Brasil”, aponta. 

Presidente Jair Bolsonaro e ministro Paulo Guedes
Legenda: Presidente Jair Bolsonaro e ministro Paulo Guedes
Foto: Alan Santos/Presidência

Um indício dessa insatisfação do mercado ocorreu nesta semana, justamente pelo andamento moroso da segunda fase da reforma tributária, relacionada ao Imposto de Renda (IR). A proposta estava há dois meses sendo negociada pelo Governo Federal. As articulações, no entanto, travaram, o que motivou a publicação de manifestos de entidades empresariais. 

Na última quarta-feira (1º), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), costurou um acordo com líderes partidários e finalmente colocou em votação a matéria. No texto final, foi tirado o limite de renda de quem pode fazer declaração simplificada do Imposto de Renda. O acordo também inclui que a taxa na distribuição de dividendos deve cair de 20% para 15%. Os dois pontos eram entraves para a votação da proposta. 

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Precatórios do Fundef

Se na reforma do IR os obstáculos foram superados, no caso dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), os impasses seguem impedindo uma definição sobre a matéria. 

Conforme mostrou o Diário do Nordeste no sábado (28), o Governo Federal atua em duas frentes para tentar postergar o pagamento dos precatórios, no Legislativo e no Judiciário. No Congresso Nacional, tramita Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para autorizar o parcelamento de dívidas superiores a 60 mil salários mínimos (ou R$ 66 milhões).

Mesmo após a derrota no Supremo Tribunal Federal, que estabelece pagamento dos precatórios do Fundef a Estados e municípios, o Governo Federal tenta novamente adiar o pagamento pelo Judiciário. A Advocacia Geral da União entrou com pedido para que a Suprema Corte suspenda a ordem dada à União para pagar dívidas judiciais com Estados relativas a repasses do Fundef.

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Enquanto não se chega a uma definição, estados e municípios ficam com a incerteza sobre o recebimento do montante. No caso do Ceará, por exemplo, a previsão é de receber R$ 2,56 bilhões em 2022. Caso a PEC seja aprovada, esse valor cai para R$ 384 milhões. 

Minirreforma trabalhista

Também na última quarta-feira, o Senado Federal decidiu sobre a Medida Provisória que criaria novos programas trabalhistas. A proposta modificava a CLT e criava três novos modelos de contratações, com menos direitos trabalhistas aos empregados. A promessa do Governo Federal era gerar cerca de 3 milhões de empregos com a MP, no entanto, parte desses contratos seria informal. 

Desde abril, o ministro da Economia, Paulo Guedes, promete criar um programa de estímulo ao emprego de jovens e informais. No pacote de medidas rejeitado pelo Senado, o Governo previa a criação do Regime de Qualificação Profissional (Requip), que tinha como foco jovens desempregados e pessoas carentes.

A ideia era pagar uma bolsa de R$ 550 por mês para funcionários em treinamento. Após um ano, o beneficiado teria 30 dias de descanso, mas sem 13º ou FGTS. 

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Outra modalidade de acordo trabalhista autorizava que prefeituras contratassem, temporariamente, funcionários sem previsão de férias, 13º pagamento e FGTS. As propostas foram duramente criticadas pela oposição e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), sob argumento de precarizar o mercado de trabalho. 

Reforma administrativa

Aguardada com grande expectativa, a reforma administrativa é outra que enfrenta forte resistência no Legislativo. O texto inicial, apresentado ao Congresso em setembro do ano passado, atacava a estabilidade dos servidores públicos. O direito passaria a ser garantido apenas para servidores das chamadas carreiras típicas de Estado, que só existem na administração pública.

A reforma encaminhada pelo Executivo ainda facilitava as demissões de servidores, que poderiam ocorrer após a primeira decisão de uma corte judicial colegiada. Na Câmara, essas mudanças foram desidratadas. 

Presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta acelerar agenda econômica
Legenda: Presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta acelerar agenda econômica
Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

A nova proposta mantém a estabilidade de servidores públicos, admite o desligamento de servidores estáveis que ocupam cargos obsoletos, exclui a possibilidade de vínculo de experiência como etapa de concursos públicos e acaba com vantagens para detentores de mandatos eletivos e ocupantes de outros cargos. 

A nova redação da reforma prevê ainda a preservação de direitos de servidores admitidos antes da publicação da futura emenda constitucional. No caso de redução de jornada, com respectiva redução de salário, os servidores e empregados públicos admitidos até a data de publicação da emenda poderão optar pela jornada reduzida ou pela jornada máxima estabelecida para o cargo ou emprego.

Também fica mantida a estabilidade dos servidores públicos. A proposta com as modificações deve ser votada na comissão especial entre os dias 14 e 16 de setembro. Se aprovada, seguirá para votação no plenário.

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