Como o impasse sobre os precatórios do Fundef pode prejudicar o Ceará
Governo Federal atua em duas frentes para adiar o pagamento dos recursos
O pagamento das dívidas judiciais, ou precatórios, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) continua gerando impasse. O Governo Federal tem atuado para tentar adiar estes pagamentos. Este adiamento, no entanto, teria grande impacto para o Ceará: o Estado deve receber R$ 2,56 bilhões em 2022.
O Ceará corre o risco de receber apenas uma parcela do valor no próximo ano ou mesmo de ter o recebimento dos precatórios suspenso.
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O governo federal atua em duas frentes para tentar postergar o pagamento dos precatórios, no Legislativo e no Judiciário. No Congresso Nacional, tramita Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para autorizar o parcelamento de dívidas superiores a 60 mil salários mínimos (ou R$ 66 milhões).
Caso seja aprovada, o Ceará receberia apenas R$ 384 mi em 2022. O valor restante da dívida da União com o Estado seriam pagos em nove parcelas nos anos seguintes.
Mesmo após a derrota no Supremo Tribunal Federal, que estabelece pagamento dos precatórios do Fundef a Estados e municípios, o Governo Federal tenta novamente adiar o pagamento pelo Judiciário. A Advocacia Geral da União entrou com pedido para que a Suprema Corte suspenda a ordem dada à União para pagar dívidas judiciais com Estados relativas a repasses do Fundef.
O documento, protocolado no dia 19 de agosto, foi apresentado no âmbito da ação cível movida pelo Estado da Bahia. Mas a AGU antecipou que deve ingressar com solicitações semelhantes nas ações movidas por Ceará, Pernambuco e Amazonas.
Dívida da União
O Fundef foi o programa federal criado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para repasse de recursos para que Estados e municípios investissem no Ensino Fundamental. De acordo com as regras de repasse do Fundef, 60% da verba tinha que, obrigatoriamente, ser destinada ao pagamento dos professores. Os outros 40% poderiam ser aplicados na infraestrutura e em outros pontos, desde que fosse no ensino fundamental.
O programa teve início em 1998 e, em 2006, foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. Ainda em vigência, o Fundeb engloba todos todos os níveis da Educação e, em 2020, tornou-se permanente.
Apesar de ter encerrado há 15 anos, o Fundef gerou um impasse jurídico entre a União e os estados e municípios. O motivo é um erro no cálculo dos repasses, que foram menores do que os previstos pelos entes federados.
Economista e consultor econômico da Associação dos Municípios do Estado do Ceará (Aprece), José Irineu Carvalho explica que, durante todo o período de funcionamento do Fundef, quase um terço dos recursos que deveriam ser repassados pela União não chegaram a estados e municípios.
Recursos para o Ceará
As primeiras ações de prefeituras e governos estaduais chegaram ao Supremo Tribunal Federal ainda em 2002. Entre os municípios cearenses, os primeiros ingressaram na Justiça para tentar recuperar os recursos em 2004. Com mediação da Aprece, 153 prefeituras cearenses protocolaram ações sobre o Fundef.
José Irineu ressalta que é possível ainda que outros municípios tenham ingressado com ações diretamente na Suprema Corte. Além disso, o Ministério Público de São Paulo moveu processo contra a União a respeito da diferença nos repasses, que pode resultar em recurso para todos os entes federados prejudicados no período.
Apenas nas ações movidas pelos municípios cearenses, os precatórios somam R$ 5,9 bilhões. Segundo José Irineu, parte desse valor já foi recuperado, enquanto outro ainda deve ser pago. Se a dívida fosse levada à risca, o montante a ser recebido pelas Prefeituras somaria R$ 12,4 bilhões.
Com a decisão da Suprema Corte, o Ceará deve receber, em maio de 2022, pouco mais de R$ 2,56 bilhões de precatórios do Fundef. Além disso, lembra o deputado e ex-secretário estadual de Educação, Idilvan Alencar (PDT), ainda está em análise processo que pode render mais R$ 1 bilhão para o Estado.
Contudo, com medidas adotadas pelo Governo Federal nas últimas semanas, o Ceará corre o risco de receber um valor inferior ao previsto ou mesmo ter o pagamento dos precatórios suspenso.
Na segunda-feira (23), a vice-governadora do Ceará, Izolda Cela (PDT), reforçou a cobrança pelo pagamento dos precatórios durante encontro do Fórum de Governadores.
"No momento, o estado do Ceará é um dos credores desse recurso, principalmente para esse momento de superação de toda a problemática que a pandemia vem causando", ressaltou. "É um recurso muito importante para os estados que há anos lutam e batalham por esse direito".
Parcelamento da dívida
A PEC dos precatórios, em tramitação na Câmara dos Deputados, quer mudar o modelo de pagamento de precatórios da União. Assim, a medida não impactaria apenas a dívida do Fundef. Até 2029, precatórios com valor acima de 60 mil salários mínimos, ou R$ 66 milhões, poderão ser pagos com 15% de entrada e nove parcelas anuais.
A justificativa do governo é de que a medida é necessária devido ao aumento do montante de precatórios no Orçamento de 2022. Para o próximo ano, a soma deve alcançar R$ 89,1 bilhões, um acréscimo de R$ 34,4 bilhões em relação a 2021. Caso seja aprovada ainda neste ano, poderão ser parcelados 47 precatórios - dentre os quais, alguns relacionados ao Fundef.
"Para os municípios, o impacto não vai ser tão forte", aponta o economista José Irineu. O motivo é que, em grande parte, as dívidas da União com os municípios são inferiores a R$ 66 milhões.
O maior impacto deve ser para o Estado. Caso a PEC seja aprovada, a dívida de R$ 2,5 bi seria dividida em 10 anos - em 2022, receberia R$ 384 mil e nos anos seguintes, nove parcelas iguais.
Mobilização da bancada cearense
Apesar do impacto para o Ceará, nos bastidores, a bancada cearense pouco tem se mobilizado quanto à PEC dos precatórios. Parlamentares do Estado têm atuado de forma isolada quanto ao assunto, que não é uma unanimidade.
"Essa PEC dos precatórios é a PEC do calote", critica o deputado José Guimarães (PT). Para ele, a intenção do governo Bolsonaro é "constitucionalizar" o calote.
"(Bolsonaro) Não dialoga com Estado, não dialoga com municípios. Os governadores precisam reagir a altura a esse descalabro do governo, que quer tirar dinheiro da educação para pagar o Auxílio Brasil", diz.
O Ministério da Economia já havia informado que, para viabilizar o pagamento do novo benefício - que pretende substituir o Bolsa Família -, seria necessário aprovar a PEC dos precatórios.
Mesma tese defendida pelo deputado Heitor Freire (PSL). Ele considera que a pauta é "delicada" e é preciso "dialogar para que os compromissos judiciais sejam honrados, mas sem comprometer o funcionamento da máquina pública".
"Se os precatórios forem pagos na integralidade, pode faltar dinheiro para os programas sociais e até mesmo para a compra de vacinas".
Danilo Forte (PSDB) discorda. Para ele, é possível encontrar outras formas de financiar benefícios sociais sem prejudicar o pagamento de precatórios.
"O governo tem muitas facilidades de fazer remanejamentos orçamentários, e faz cotidianamente para atender outras demandas. Quando é para pagar banqueiro, em um instante se encontra um jeito. Quando é para pagar professor, é um impasse", critica.
Destinação dos recursos do Fundef
Assim como era a proposta inicial do Fundef, projeto na Câmara dos Deputados estabelece que 60% do valor dos precatórios deve ser destinado aos profissionais da educação que atuavam na rede pública de ensino no período em que funcionou o programa.
Relator desse projeto, Idilvan Alencar reforça a necessidade de que, não só os precatórios sejam pagos como o percentual para professores seja respeitado.
"Os professores esperam isso há mais de uma década. São 10, 15 anos de luta. Com a expectativa de depósito em maio, causa uma frustração (se não ocorrer). A educação já tem sido muito atacada".
Segundo o parlamentar, quando a Comissão Especial para analisar PEC for instalada, ele pretende apresentar emenda para retirar os precatórios do Fundef da proposta. "Eu quero rejeitar a PEC total, mas se perdermos, quero suprimir", ressalta.
Pedido de suspensão no STF
O governo também pediu a suspensão do pagamento dos precatórios do Fundef. O pedido foi feito no âmbito de uma Ação Cível Originária (ACO) movida pelo Estado da Bahia, que tem R$ 8,7 bilhões a receber do governo federal em 2022.
A própria AGU já antecipou no documento que vai ingressar com solicitações semelhantes em outras três ações, movidas por Pernambuco, Ceará e Amazonas. Ao todo, o pedido alcançará R$ 15,6 bilhões em precatórios previstos no Orçamento do ano que vem.
Caso Fux aceite o pedido, União e Estados poderão negociar um acordo para o pagamento do passivo do Fundef. A conciliação abriria caminho a uma possibilidade de parcelamento amigável da dívida.