Minirreforma trabalhista pode criar empregos, mas gera precarização, dizem especialistas
Medidas reduzem o custo da mão de obra a partir de incentivos como o corte na alíquota do FGTS
Aprovada nesta terça-feira (10) na Câmara dos Deputados, a MP 1.045 propõe a criação de novos regimes trabalhistas e flexibiliza normas. A ideia é que, com menor rigidez, o mercado passe a empregar mais pessoas, diminuindo a taxa de desocupação, atualmente em 14,6%. As consequências da proposta, no entanto, ainda dividem opinião dos especialistas.
Doutor em Economia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Joseph Vasconcelos ressalta que, quando há muitas amarras nos mecanismos de mercado, o desemprego acaba sendo elevado por não haver compatibilidade da demanda por mão de obra e a regulamentação do mercado.
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Ele ainda lembra que a MP 936, que permitiu a suspensão dos contratos e a redução de jornadas e salários durante a pandemia, contribuiu para a manutenção dos postos nesse período e até mesmo para novas contratações.
"Ao dar flexibilidade para o empregador, (a MP) teve esse efeito. Agora, dentro de um cenário de normalidade, algumas dessas medidas vão acabar prejudicando o trabalhador. No primeiro momento, ajuda ele a se inserir no mercado, mas no segundo momento, quando a estabilidade é atingida, tira alguns benefícios", afirma.
Novos regimes de contratação
A minirreforma trabalhista em discussão torna permanente o Benefício Emergencial (BEm) para situações de calamidade, além de criar outras três novas modalidades de contratações:
- Regime de Qualificação Profissional (Requip)
- Destinado a jovens de 18 a 29 anos, ou desempregados a mais de 2 anos, ou beneficiários de programas federais de transferência de renda
- Contratos de até 22 horas semanais
- Obrigatoriedade de um curso de qualificação oferecido pelo Sistema S ou pelo empregador
- Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore)
- Destinador a jovens de 18 a 29 anos sem primeiro registro na CLT, ou adultos com 55 anos ou mais sem vínculo formal há mais de 12 meses
- Contratos de no máximo 24 meses
- Remuneração de no máximo 2 salários mínimos
- Redução da alíquota do FGTS de 8% para até 2% dependendo do porte da empresa como contrapartida
- Programa Nacional Prestação de Serviço Social Voluntário
- Destinado a jovens de 18 a 29 anos, ou pessoas acima de 50 anos
- Contratos temporários com prefeituras
- Remuneração de pelo menos o salário-mínimo hora (cerca de R$ 5)
- Contratos não podem substituir profissões regulamentadas ou cargos e empregos públicos
Sacrifício do FGTS
Vasconcelos pontua que o regime de trabalho integral que reduz a alíquota do FGTS é bom do ponto de vista do empregador, que terá os custos com a folha reduzidos, e negativa do ponto de vista do empregado, que terá o benefício diminuído.
"O FGTS compõe um adicional de salário, de certa forma, que os trabalhadores só recebem em condições de vulnerabilidade, como em casos de demissão sem justa causa. Em contrapartida, você tem um custo maior da mão de obra por parte das empresas"
De modo geral, o professor da UFRJ acredita que as propostas podem trazer benefícios ao mercado de trabalho. "A manutenção do programa que flexibiliza a jornada de trabalho ajuda a manter o nível de emprego das empresas. Quanto às novas políticas, eu não vejo nenhum problema, porque ajudam na inserção no mercado", acrescenta.
Precarização do trabalho
Já o coordenador do curso de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, dispara que as reformas trabalhistas em geral no Brasil trazem precarização aos trabalhadores.
"Reforma trabalhista são medidas que eliminam direitos individuais e sociais. Sendo assim, são reformas para beneficiar os empregadores. Todas essas propostas geram redução de gastos com a folha salarial", dispara.
Ele detalha que há três formas de diminuir gastos com o quadro de funcionários: reduzindo os salários em termos reais, com reajustes abaixo da inflação; adotando tecnologias que substituam o trabalhador ou simplifiquem os processos de forma a exigir uma mão de obra menos qualificada e mais barata; e através de políticas governamentais como as em discussão no Congresso.
Sobre o Requip, Oliveira ressalta que a bolsa paga pela empresa não será tributada, o que gera um benefício ao empregador e que o fato de exigir que o trabalhador esteja cursando uma qualificação é positivo.
"O problema é a abrangência. Temos um número de desempregados muito grande, chegando a 15 milhões, dentre esses tem jovens de 18 a 29 anos. Será que esse programa vai ser abrangente o suficiente pra proporcionar bolsa pra cada pessoa dessa faixa etária? Nada está garantido"
Já em relação ao Priore, o professor da UFC avalia que a limitação da remuneração a dois salários mínimos é um ponto crítico. "A estimativa do Dieese é que a renda mínima seja algo em torno de 4,5 a 5 salários mínimos. Então, estamos falando aqui de 2 salários mínimos e com o FGTS rebaixado", pontua.
Oliveira ainda destaca que a premissa do Governo é que, com a redução dos gastos e maior lucro, as empresas passem a investir mais. No entanto, não há garantias que isso seja feito, tendo em vistas que o investimento privado só aumenta caso haja expectativa positiva de demanda.
"A capacidade produtiva só aumenta se houver alguém para comprar. Não tendo essa perspectiva, essa ganho extra das empresas vai para o mercado financeiro, para bolsa de valores e fundos de investimentos. Nenhuma política, reforma, garante a criação de vagas", conclui.