Abolicionista dá nome a bairro rebatizado por militares receosos com o comunismo em Fortaleza
O “Baú da Política — Especial Bairros de Fortaleza” explora a história política e social do Ceará a partir do legado de políticos que dão nomes a bairros da Capital.
Na região Oeste de Fortaleza está localizado um dos bairros mais populosos e simbólicos da Capital. Chamado até a década de 1960 de Barro Vermelho, por conta da coloração avermelhada de suas terras, o local trocou de nome por ordem dos militares que comandavam o País à época.
A ditadura enxergava como um problema a palavra “vermelho” no nome do bairro, então ele foi rebatizado e passou a homenagear o historiador e abolicionista Antônio Bezerra, um dos intelectuais mais influentes de sua época.
O Barro Vermelho apareceu oficialmente nos mapas de Fortaleza em julho de 1937. Até então, a área integrava o antigo município da Parangaba, anexado a Fortaleza em 1921.
Diferentemente do bairro movimentado que é hoje, o local era predominantemente agrícola, repleto de engenhos, fazendas e sítios. Anos depois, virou uma zona de veraneio, onde famílias abastadas construíam chalés e pequenas chácaras.
Contudo, um marco na história do bairro ocorreria na segunda metade dos anos 1960, em pleno regime militar. Autoridades do período passaram a considerar que a palavra “Vermelho” poderia ser associada ao comunismo e à União Soviética.
Decidiu-se então homenagear o intelectual, historiador e jornalista Antônio Bezerra de Menezes, que possuía trajetória marcante na cultura, na historiografia e no movimento abolicionista, além de ter vivido por décadas no antigo Barro Vermelho.
Esta reportagem, que integra o “Baú da Política — Especial Bairros de Fortaleza”, relembra a história e o legado de Antônio Bezerra. Nesta série de matérias, o Diário do Nordeste explora a história política e social do Ceará a partir do legado de políticos que dão nomes a bairros da Capital.
Quem foi Antônio Bezerra?
Antônio Bezerra nasceu em Quixeramobim, em 21 de fevereiro de 1841. Filho do advogado e político Manuel Soares da Silva Bezerra e de Maria Tereza de Albuquerque Bezerra, mudou-se ainda jovem para Fortaleza, onde estudou no Liceu.
Tentou seguir a carreira eclesiástica no Seminário da Capital e, depois, foi para São Paulo com o objetivo de estudar Direito. A aposta não rendeu frutos e, de volta ao Ceará, tornou-se funcionário de alto escalão do Tesouro Provincial.
A partir da década de 1880, viveu o período mais intenso de sua atuação pública. Poeta, cronista, jornalista, historiador e abolicionista convicto, foi um dos chamados “Poetas da Abolição”, ao lado de Justiniano de Serpa e Antônio Dias Martins Jr. Participou da fundação do jornal O Libertador, dedicado à causa abolicionista, e colaborou com praticamente todos os periódicos que circulavam em Fortaleza no final do século XIX.
Como historiador, ele se dedicou à história do Estado, além de ter sido um dos fundadores do Instituto do Ceará. Sua produção literária e historiográfica ajudou a estabelecer bases para o estudo da formação social, indígena e geográfica cearense.
Menezes ainda ajudou a criar a Academia Cearense de Letras e participou da Padaria Espiritual, um movimento cultural e literário que surgiu em Fortaleza. Ele também dirigiu o Museu de Manaus durante o período em que viveu no Amazonas.
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O historiador, escritor e abolicionista morreu em Fortaleza, em 28 de agosto de 1921, aos 80 anos. Contudo, seu papel na literatura, na história e no movimento abolicionista lhe renderam homenagens que até hoje aparecem em praças, vias públicas, bairros e prédios.
No caso do bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza, em 2009, o vereador Adail Júnior (PDT) apresentou o Projeto de Lei nº 192, propondo oficializar o dia 28 de julho — data da criação do antigo Barro Vermelho — como aniversário do bairro Antônio Bezerra. A iniciativa deu origem à Lei nº 9.663, sancionada em 2010, reafirmando a identidade histórica da região e consolidando a homenagem ao intelectual cearense.