Petrobras quer reclassificação da Lubnor no Plano Diretor para não ser obrigada a deixar o Mucuripe
Demanda foi apresentada por representantes da petrolífera durante reunião com comissão da Câmara Municipal
A Petrobras apresentou para a Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor) uma proposta de reclassificação da refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor) no Plano Diretor para que, assim, o equipamento possa continuar suas atividades na região do Porto do Mucuripe. Atualmente, devido à Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), as atividades no local só poderão ocorrer até 2027.
O assunto foi levado ao Legislativo municipal em uma tratativa com a Comissão Especial — Matérias que Alterem o Plano Diretor (CE-PDDU), no dia 5 de junho. Entretanto, o Diário do Nordeste só teve acesso ao conteúdo do encontro no fim da última semana, quando a gravação da reunião foi disponibilizada pela Câmara Municipal, na quinta-feira (12).
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Atualmente, o empreendimento da petrolífera é tipificado na categoria das Indústrias Nocivas ou Perigosas ao Meio Urbano. Quando da sanção da LPUOS, foi estabelecido um limite de dez anos para o funcionamento desse tipo de planta no trecho da Zona da Orla onde fica a Lubnor.
Em 2027, já não será mais possível o funcionamento da refinaria na área atual. A perspectiva é de que o Porto do Pecém, em São Gonçalo do Amarante, absorva a tancagem, hoje realizada em Fortaleza. Em fevereiro, a pedra fundamental do novo parque de armazenamento foi lançada pela iniciativa privada.
A reunião com o colegiado da CMFor não foi deliberativa. Ela contou com a presença de representantes de gerências da Petrobras e do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan Fortaleza), órgão do Município vinculado ao Gabinete do Prefeito e que realiza estudos para a implementação da revisão do Plano Diretor.
Ao ser acionada, a Petrobras comentou que “o encontro com a comissão, que teve como objetivo ouvir representantes da Petrobras sobre o funcionamento da empresa, faz parte das discussões sobre a atualização e revisão do Plano Diretor de Fortaleza”.
Investimentos dependem de permanência
Durante a ocasião, a estatal apresentou informações sobre a história, a localização, o entorno, processo produtivo e mercados atendidos. Além disso, foram exibidos dados que reforçam a relevância dela para Fortaleza e o Ceará, os investimentos socioambientais realizados na região e as perspectivas para o futuro da planta no Mucuripe.
Um dos aspectos previstos para a Lubnor é o programa de descarbonização. Ele foi indicado como um processo já iniciado, em fase de estudos desde abril do ano passado. Na época em que foi anunciado, a empresa informou que o objetivo seria substituir o gás natural, utilizado na geração de energia, pelo biometano.
A conclusão desse projeto possibilitaria, segundo a apresentação da empresa, a produção de outros produtos, incluindo em seu portfólio combustíveis de conteúdo renovável e de baixo carbono. O investimento, pelo que foi explicado, estaria condicionado à continuidade em Fortaleza.
De acordo com Eduardo Santos, gerente de Relacionamento com o Poder Público Estadual e Municipal da Regional Nordeste, a saída da Lubnor do Mucuripe, “além de inviabilizar a continuidade operacional, também inviabilizaria novos investimentos na unidade”, a exemplo do plano de descarbonização.
A sugestão do gerente foi de que, devido ao portfólio de produto da refinaria nos dias atuais, ela não se enquadra na classificação de Indústria Nociva ou Perigosa ao Meio Urbano, mas sim ao de Indústria Incômoda ao Meio Urbano, que é permitida na localização atual. Conforme disse, a demanda pela alteração na lei foi o “principal motivo” que os levou ter a reunião com o Legislativo.
“A gente não produz combustíveis mais leves, como gasolina, querosene de aviação e etc. A gente entende que estaria melhor enquadrada nossa atividade no novo Código de Atividades, mas na tabela 5.16, que tem atividades congêneres como, por exemplo, a usinagem de asfalto”, argumentou Eduardo.
Como justificativa para a continuidade, a delegação enviada pela Petrobras argumentou, entre outros pontos, que o perfil de produção da Lubnor seria diferente das demais empresas do complexo do Mucuripe, que a logística por dutos não causaria impacto no trânsito do entorno e o processo produtivo seria seguro.
Também usou o licenciamento por entes governamentais como argumento, informou que não há registros de eventos adversos com impacto nas comunidades, alegou existir uma estrutura ativa de contingência para atuação em eventos ambientais no mar, que o programa de descarbonização está em curso e que influencia na arrecadação estadual e na empregabilidade local.
“Por tudo que foi exposto, a gente pede o apoio dessa egrégia Casa Legislativa para que a gente possa continuar. E a demanda, ela está sendo feita nesse momento, a gente sabe que o Plano Diretor se encontra em revisão e tudo, mas porque a gente tem um horizonte curto, até o final desse ano, para poder dar sequência ao projeto que está sendo estudado, o Programa Lubnor Carbono Neutro”, disse o representante.
O gerente geral da refinaria, Alfredo Alle, também presente no encontro e responsável por parte da apresentação, fez um convite aos parlamentares para que possam ir até a unidade de produção. “Aproveito aqui para convidar os vereadores que quiserem conhecer nossas instalações, a gente está à disposição”, falou.
Permanência considerada 'danosa'
A vice-presidente do Ipplan Fortaleza, Lia Parente, deu conta do que a gestão municipal planeja para o Mucuripe após a saída da refinaria. Ela indicou o Plano Fortaleza 2040 e os encaminhamentos previstos na atualização do Plano Diretor como instrumentos que delineiam propostas para o perímetro urbano em questão.
Segundo Parente, a área da Lubnor deve ser especificada no novo Plano Diretor como uma Zona de Centralidade de Orla. A administração planeja mitigar os impactos que a atividade de tancagem causaram no local, pela substituição da área por um novo tipo de ocupação urbana.
A região deve ser de uso misto, ter equipamentos urbanos, arborização pública e direcionamento do processo de ocupação do solo voltado para o setor turístico, criativo e de novas tecnologias não poluentes. O objetivo é conectar a região e ampliar a oferta de emprego, renda e moradia para a população das imediações.
Em sua fala, Lia Parente comentou que estudos constataram que o empreendimento da Petrobras chega a ser um dificultador para a pouca ocupação na Praia do Futuro. “Ou seja, a gente tem uma interrupção dos conectores, do transporte, das vias, do caminhar das pessoas, exatamente obstaculado por essa área que ainda é de uso industrial”, sustentou.
Ela salientou que, ao comparar com outras refinarias da petrolífera, observa-se que a Lubnor é a única “que se localiza dentro de uma área totalmente urbana”. “As outras todas são em cidades bem menores, até em áreas que têm bordas verdes, isolando das áreas habitadas”, discorreu.
A permanência na localização, afirmou Parente, já foi tema de discussões com a própria comunidade. E a continuidade na refinaria no Mucuripe, pelo que alertou, seria “danosa” e “imprópria”. Uma proposta prevista no planejamento Fortaleza 2040, com a edificação de moradias, espaços públicos e equipamentos de uso comum, e a destinação de terrenos para hotelaria e convenções e comércio foi exibida.
Procurado, o Ipplan reforçou que, desde 2009, “a proposta técnica de zoneamento apreciada e validada pela sociedade civil e comunidade do território em audiências realizadas pelas gestões municipais anteriores” aponta que “atividades industriais e ocupações territoriais como a da Lubnor não se adequam”.
Posição de vereadores
Integrante da Comissão Especial, a vereadora Adriana Gerônimo (Psol) afirmou que “a cidade escolheu um objetivo para toda aquela área” do Mucuripe e que comunidades naquele perímetro, enquadradas como Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que “carecem de um investimento prioritário” do Poder Público.
A parlamentar cobrou um detalhamento da Petrobras acerca das implicações atuais da Lubnor. “Há impactos socioambientais e merecem mais transparência. A Câmara não pode se debruçar sobre um projeto tão arriscado como esse sem compreender os impactos ambientais e sociais para toda aquela região”, salientou.
Na reunião, o também membro da instância legislativa, o vereador Paulo Martins (PDT) disse que já vem acompanhando a discussão há algum tempo e frisou que “é importante escutar a população e aguardar a mensagem do Plano Diretor para ver a melhor decisão a tomar”.
“Sempre a gente tem que visar, obviamente, o bem comum, principalmente os moradores, o que esperam, que são os mais impactados”, continuou, citando ainda uma possibilidade de encontrar saídas para mitigar “os eventuais transtornos que venham a acontecer”.
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No dia da reunião, a assessoria de comunicação do presidente da Comissão Especial, o vereador Benigno Júnior (Republicanos), publicizou a realização da reunião. Entretanto, o comunicado apenas mencionou os dados apresentados pela estatal e a necessidade de construir o novo Plano Diretor a partir do diálogo “com todos os setores da comunidade”.
Provocado a detalhar o objetivo do encontro, Benigno afirmou que a refinaria relatou “alguns impactos do Plano Diretor para o funcionamento daquela refinaria”. “A ideia da comissão agora é ouvir as comunidades do entorno, os movimentos de moradia, em relação aos impactos negativos devido àquela instalação onde está hoje”, definiu o presidente do colegiado.
A reportagem do Diário do Nordeste buscou todos os membros titulares do colegiado, para obter uma posição de todos eles. Apesar disso, somente a equipe da vereadora Mari Lacerda (PT), por meio de nota, respondeu aos questionamentos enviados.
A parlamentar foi representada pela sua assessoria, por estar em outro compromisso na Casa. Ela reforçou que o encontro não foi deliberativo e que foi um momento para a empresa apresentar “sua participação na região”. Embora tenha considerado a “dimensão ambiental pouco detalhada”, não foi comentada a proposta de permanência da refinaria.