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Da zona costeira à gestão de licenciamentos, o que a Alece tem discutido sobre meio ambiente em 2025

O novo zoneamento do litoral do Ceará foi aprovado às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente

Escrito por
Marcos Moreira marcos.moreira@svm.com.br
Projetos legislativos, meio ambiente
Legenda: Pauta ambiental tem entrado na ordem do dia da Alece em projetos que vão desde o licenciamento ao regramento da costa do Ceará
Foto: Cientista Chefe Meio Ambiente/Planejamento Espacial Ambiental (2024)

A Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) aprovou, em 2025, quatro projetos que modificam ou atualizam a legislação estadual sobre o meio ambiente. As medidas vão desde a atualização do Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira (ZEEC) aos novos critérios de concessão de licenciamento ambiental por parte das prefeituras para ações de impacto local. 

Avaliada como a principal iniciativa, o novo ZEEC do Ceará foi aprovado na Alece na última quarta-feira (4), às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), após quase 10 anos de atraso. Isso, porque um novo texto deveria ter sido aprovado em 2016, já que a legislação federal estabelece uma atualização a cada 10 anos, no mínimo — o último zoneamento tinha sido implementado em 2006.

O projeto é considerado um documento fundamental para nortear a proteção e ordenamento territorial do litoral cearense, mas estava parado na Casa desde que foi desarquivado há dois anos, após iniciar a tramitação em 2022. Componente da Política Estadual do Gerenciamento Costeiro (PEGC), o Zoneamento é um instrumento técnico sobre o litoral cearense, servindo como base para obras e atividades públicas e privadas na gestão da área.

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A recente atualização do ZEEC se junta a outras propostas já apreciadas pela Alece em 2025, principalmente na área de licenciamento ambiental. O tema foi pauta da Casa em, pelo menos, duas oportunidades neste ano, evidenciando a tentativa do Legislativo de que os órgãos municipais não concorram com as competências da Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e da Secretaria do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Ceará (Sema), por exemplo. 

PROJETOS DE LEI SOBRE O MEIO AMBIENTE APROVADOS NA ALECE EM 2025

  1. PL 64/23 – dispõe sobre a Política Estadual do Gerenciamento Costeiro (PEGC) e aprova o Zoneamento Ecológico Econômico do Estado do Ceará (ZEEC) – Aprovado em 04 de junho – Sancionado em 5 de junho;
  2. PL 409/25 – Institui o bioma Caatinga como patrimônio natural e cultural do estado do ceará e dá outras providências – Aprovado em 4 de junho – Sancionado em 5 de junho;
  3. PL 281/25 – Estabelece critérios para que os municípios do Estado do Ceará exerçam as atribuições concernentes ao licenciamento ambiental – Aprovado em 16.04.25 – Sancionado em 2 de maio;
  4. PEC 02/2025 – Regulamenta a atuação de órgãos ambientais nos municípios para licenciamento das intervenções de impacto local – Aprovada em 2 de abril – Sancionado em 2 de abril.

GESTÃO DA ZONA COSTEIRA

Após ficar cerca de dois anos parado na Alece, o projeto de lei que atualiza o Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira (ZEEC) do Ceará retornou ao Plenário pronto para ser votado, não cabendo nem pedido de vistas — o que chegou a ser ensaiado pelos deputados da oposição. Na última quarta-feira (4), a matéria passou apenas pela discussão e validação de emendas que já estavam atreladas ao texto, mediante a aprovação das comissões técnicas ainda em 2022. 

O deputado Renato Roseno (Psol) foi o autor de 35 propostas nesse sentido, mas 11 foram derrubadas, enquanto 24 seguiram para o texto da lei. As emendas tratam de diversas pautas, principalmente no sentido de mitigar impactos ambientais e dar visibilidade às necessidades das comunidades tradicionais da costa.

Em paralelo, uma nova emenda conjunta do Plenário foi aprovada. A proposta atualiza a composição do Colegiado Estadual do Gerenciamento Costeiro do Ceará (CEGERCO), fórum criado pela legislação de 2006, para reunir representantes dos governos estadual e municipal e da sociedade, para debater ações destinadas à gestão da zona costeira.

Via redes sociais, o parlamentar lamentou a queda dos dispositivos, ressaltando que o texto final aprovado abre a chance de “anistia” para obras irregulares dentro de áreas de preservação permanente. “Uma emenda apresentada por nosso mandato havia sido negociada para restringir essa possibilidade, mas o governo, pressionado por setores econômicos, recuou e rejeitou a emenda, dando margem, no texto aprovado, a uma anistia que é flagrantemente inconstitucional”, criticou Roseno. 

Por sua vez, durante pronunciamento no Plenário, o líder do governo na Assembleia, o deputado Guilherme Sampaio (PT), destacou que os três anos que marcaram a chegada do projeto para apreciação dos parlamentares até a aprovação, envolveram debates, audiências públicas e reuniões temáticas. Mesmo assim, teria sido necessário mais tempo para construir o consenso em torno do instrumento que, segundo ele, é um “dos mais modernos para proteger, preservar e promover o desenvolvimento sustentável”.

No mesmo sentido, o presidente da Alece, o deputado Romeu Aldigueri (PSB), ressaltou que a atualização traz regras "claras e transparentes", após 19 anos do advento da lei estadual de gerenciamento costeiro. “Eu acredito que o Estado do Ceará está dando um salto rumo ao desenvolvimento sustentável, à segurança jurídica e à proteção ambiental”, pontuou. 

Foto de silhueta de pescador consertando rede de pesca com céu azul e o mar ao fundo, na cidade de Icapuí, no Ceará
Legenda: Falta de organização do litoral pode comprometer atividades como a pesca e o turismo
Foto: Natinho Rodrigues

ENTRE AVANÇOS E POSSÍVEIS RETROCESSOS

Para a pós-doutora em Geografia e professora aposentada da Universidade Federal do Ceará (UFC), Vanda Claudino Sales, a nova legislação da ZEEC traz aspectos positivos do ponto de vista de preservação dos aspectos físicos do litoral. Em entrevista ao PontoPoder, a ambientalista pontuou, como exemplo nesse sentido, a inclusão de dunas móveis como Área de Preservação Permanente (APP), um aspecto não contemplado pelo Código Florestal Brasileiro.

No entanto, Sales pondera que há “pontos muito difíceis de aceitar” na atualização. “Ela retira as rochas de praia de APP, o que estava no texto original, discutido pelas comunidades, pelos pesquisadores, pelos professores, pelos técnicos e até pelos políticos em anos anteriores”, frisou. “Ela retira, o que é gravíssimo, como área de APP, as áreas de reprodução de espécies migratórias e em espécies em extinção”, acrescentou.  

Outro ponto criticado pela pesquisadora gira em torno da possível flexibilização da cartografia social, já que a nova legislação abriria chance do CEGERCO revisar a metodologia dentro de 2 anos. Parte do novo zoneamento, a abordagem cartográfica é construída a partir da visão das populações diretamente afetadas, dando visibilidade às comunidades tradicionais costeiras, como quilombolas e indígenas, e observando suas territorialidades, conflitos e possíveis ameaças.

“É uma lei que tem seu lado positivo, porque, no geral, com algumas exceções, não restringiu a preservação ambiental baseada na legislação existente, mas também tem falhas, sobretudo do ponto de vista social, porque coloca em risco a visibilidade das comunidades tradicionais e também não é positiva do ponto de vista da manutenção das condições de sustentabilidade da biosfera”
Vanda Claudino Sales
Pós-doutora em Geografia e professora aposentada da UFC

Por sua vez, o ex-Secretário do Meio Ambiente, Artur Bruno, defendeu que o novo ZEEC foi construído em conjunto aos municípios do litoral cearense e contempla as mais de 300 comunidades tradicionais da zona costeira. O gestor liderou a equipe que elaborou o projeto de lei, estando à frente da Pasta entre 2015 e 2022.

“Em todas essas regiões, nós conversamos com prefeitos, secretários, sindicatos, com comunidades tradicionais, com pescadores, com ONGs, com ambientalistas e construímos um consenso”, pontuou Artur Bruno, em entrevista ao PontoPoder no dia da aprovação da lei.

“É uma lei que dá uma definição clara da natureza, onde pode ter investimento produtivo, onde pode ter qualquer iniciativa econômica e onde as áreas têm que ser totalmente preservadas”, acrescentou.

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LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Ainda em 2025, a Alece também regulamentou a atuação das prefeituras cearenses na concessão de licenciamento ambiental para ações de impacto local. Primeiro, em 2 de abril de 2025, a PEC 02/2025 alterou o artigo 264 da Constituição estadual e “constitucionalizou” o papel dos municípios no âmbito, desde que contem com órgão ambiental capacitado e conselho de meio ambiente. A proposta foi de autoria do deputado Renato Roseno (Psol).

De modo complementar, um projeto de lei do deputado Romeu Aldigueri (PSB) estabeleceu normas para essa atuação. O PL 281/25 estabeleceu que os órgãos ambientais municipais precisam seguir as regras estabelecidas pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema). Conforme o colegiado, prefeituras precisam ter as seguintes seguintes estruturas para conceder licenciamento ambiental:

  • Sistema de Gestão Ambiental;
  • Órgão ambiental capacitado;
  • Política Municipal de Meio Ambiente prevista em legislação específica;
  • Conselho Municipal de Meio Ambiente em atuação, com representação da sociedade civil organizada paritária à do Poder Público;
  • Legislação que discipline o licenciamento ambiental municipal;
  • Equipe multidisciplinar de nível superior para analisar o licenciamento ambiental;
  • Equipe de fiscalização e de licenciamento formada por servidores públicos efetivos de nível superior.

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Vanda Sales explica que a legislação prevê, além da estrutura de técnicos e especialistas, um conselho municipal que deve avaliar as propostas que chegam de uso ocupação do espaço que tem impacto local.

No entanto, pondera a ambientalista, a realidade dos municípios está distante disso. “As prefeituras não têm técnicos, não tem secretaria de meio ambiente com capacidade efetiva de realizar fiscalização e a análise de documentos, não conta com conselho de meio-ambiente”, critica. 

Além disso, Sales defende uma maior fiscalização por parte dos órgãos estaduais competentes, principalmente pensando nas possíveis interferências externas que podem afetar a atuação dos órgãos municipais. "A pressão política numa prefeitura de interior para aprovar um projeto, mesmo que ele cause impacto, é muito maior do que o licenciamento que acontece num órgão estabelecido com técnicos diversos, cada um fiscalizando o outro”, pontua. 

CAATINGA COMO PATRIMÔNIO

Ainda dentro da pauta ambiental, o outro projeto mais recente aprovado pela Assembleia Legislativa instituiu o bioma Caatinga como patrimônio natural e bem de destacada relevância do Ceará. A nova lei busca apoiar ações de proteção, conservação, preservação e recuperação ambiental dessas áreas.

“Mais do que uma ação simbólica, essa proposta representa um compromisso com o presente e com o futuro do povo cearense, promovendo o uso responsável dos recursos naturais, fortalecendo a identidade cultural do semiárido e estimulando políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável da região”, defendeu o autor do projeto de lei, o deputado Romeu Aldigueri, na justificativa da proposta. 

Por sua vez, Vanda Sales aponta que a aprovação da lei é muito bem-vinda, “mas não adianta ser só para figurar”, pondera. “É preciso que o governo estadual, com apoio dos outros das outras instâncias de poder, sejam capazes de atuar no sentido de diminuir a descaracterização e o desmatamento, a degradação acentuada da Caatinga, como vem se processando nas últimas décadas com intensidade muito grande”, frisou a ambientalista.

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