Legislativo Judiciário Executivo

Nailde Pinheiro: "A magistratura é um sacerdócio, exige da magistrada", diz presidente do TJCE

Presidente do Tribunal de Justiça do Ceará, Nailde relembra a trajetória de 34 anos como magistrada no Ceará

Escrito por Jéssica Welma, Luana Barros ,
Nailde Pinheiro
Legenda: À frente do TJCE, a desembargadora Nailde Pinheiro luta por uma justiça que avance para combater o problema da violência contra a mulher
Foto: Helene Santos

Terceira mulher a assumir a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) em 150 anos, a desembargadora Nailde Pinheiro tem como meta de gestão ter um olhar mais sensível a temas caros para as mulheres. 

Desde a formação de mulheres líderes dentro da magistratura até projetos voltados ao combate à violência contra a mulher e o feminicídio, a gestão da desembargadora reflete o caminho trilhado por ela em 34 anos de magistratura. 

Nailde Pinheiro concedeu entrevista ao programa PontoPoder e ao Diário do Nordeste como convidada do Projeto Elas, iniciativa do Sistema Verdes Mares em prol de fortalecer a luta pelos direitos das mulheres e a conquista de novos espaços, inclusive políticos.

Nela, a desembargadora lembrou a trajetória desde a cidade natal Aurora, na região do Cariri, até a chegada ao comando do Tribunal de Justiça do Ceará. 

Confira a entrevista:

Para começar nossa entrevista eu queria que a senhora não contasse um pouco sobre a presidente Nailde Pinheiro antes mesmo de assumir esse papel. A senhora nasceu em Aurora, um município pequeno, lá no Cariri.  Como foi essa trajetória da menina Nailde, da jovem, da mulher, para que tivesse a oportunidade de trilhar esse caminho na magistratura?


Falar de Aurora, minha terra natal, é sempre voltar no tempo, porque ali aprendi as primeiras letras do alfabeto. É meu berço geográfico, ali convivi com minhas amigas e amigos, participando das mesmas atividades recreativas, frequentando os mesmos colégios e, aos 14 anos de idade, quando foi informado aos meus pais que, em Aurora, não teria mais estudos para a Nailde, então meu pai teve que tomar uma decisão de deixar nossa querida Aurora e irmos a um lugar em que pudesse dar maior oportunidade aos filhos.

Fez a opção por Fortaleza e, em janeiro de 1972, viemos para cá. Naquela época, ainda existia o trem, nós saímos daquela pedra da Estação Rodoviária rumo a Fortaleza. Chegando aqui, a saudade bateu e muitas vezes nós pedíamos ao meu pai e à minha mãe para retornar a Aurora, e eles sempre diziam: 'de lá nós já viemos, vamos aqui buscar um futuro melhor para todos vocês'.

Somos três irmãos e todos nós aproveitamos essa oportunidade. Eu fiz o pedagógico, quis ser professora. Inicialmente, no colégio Agapito dos Santos, ensinando nas séries iniciais e, paralelamente, fui estudando para o vestibular, (no qual) optei fazer o curso de Direito. Após o quinto semestre, eu busquei uma oportunidade de trabalhar em um cartório e aí trabalhei no cartório Miranda Bezerra. Ali, me encantei por aquele mundo jurídico, aquela oportunidade de manusear processos e eis que surge um curso para a magistratura. Em 1986, eu fui aprovada e, a partir daí, um novo momento da minha vida. 

Presidente do TJCE, Nailde Pinheiro, iniciou trajetória na magistratura em 1986
Legenda: Presidente do TJCE, Nailde Pinheiro, iniciou trajetória na magistratura em 1986
Foto: Fabiane de Paula

A senhora inicia essa trajetória na magistratura em 1986, ainda antes dos 30 anos, no município de Marco, na Região Norte. Como foi chegar mulher, jovem, em uma cidade pequena, na década de 1980 - com costumes e premissas muito diferente dos que temos hoje? Quais foram os desafios de firmar essa presença feminina profissional no magistrado?     


Muito jovem cheguei naquela comarca de Marco, me apresentei e busquei não só fazer um trabalho de julgar processos. Procurei me aproximar da comunidade e trabalhar o lado social. Em pouco tempo, conquistei aquela população. Cheguei no período em que preparavam uma eleição. Foi a  primeira eleição que eu presidi, eram eleições gerais. Senti dificuldades, mas superei porque trabalhei muito bem a equipe, procurei agregar, somar e, a partir daí, apresentei aquele meu resultado das eleições àquela comunidade.

Como as pessoas passaram a ter maior conhecimento do meu trabalho, no tempo em que estive naquela comarca, não senti dificuldade de me impor, até porque sempre procurei que o diálogo fizesse parte da minha vida e esse diálogo me ajudou muito. 

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O Tribunal de Justiça do Ceará só teve a primeira mulher eleita presidente em 1999, a desembargadora Águeda Passos, que também foi a segunda mulher a se tornar desembargadora no Ceará. De que forma ter uma mulher à frente do Poder Judiciário abriu caminho para outras mulheres? Que mudança trouxe pro trabalho da magistratura no Estado?


A desembargadora Águeda sempre foi considerada uma juíza firme, uma juíza determinada, e eu sempre observei a forma de trabalhar dela. E ali, fiz uma projeção: de que um dia eu poderia também chegar àquele posto. Trabalhei, sempre observando as determinações dos meus superiores, sempre estando a serviço da instituição. E, após 34 anos, assumi a presidência do Tribunal de Justiça do Ceará. Antes, fui presidente do Tribunal Regional Eleitoral, uma experiência maravilhosa, em que fiz um trabalho exitoso, um trabalho que exigiu muito de mim e de toda a equipe, mas, quando você se propõe a cumprir uma meta, um objetivo e abraça a causa, o resultado sempre é satisfatório. 

Presidente do TJCE, Nailde Pinheiro, iniciou trajetória na magistratura em 1986
Legenda: Presidente do TJCE, Nailde Pinheiro, iniciou trajetória na magistratura em 1986
Foto: Fabiane de Paula

Logo quando a senhora assumiu a presidência do TJCE, uma das propostas era trabalhar a liderança de outras mulheres em um projeto que pudesse fomentar essa formação de novas líderes. Como a senhora tem atuado no Tribunal para promover mais mulheres? 


Trabalhar esse projeto de formação de mulheres líderes é também fazer parte desse cenário. É a palavra corresponder à ação. Eu tenho trazido para esse contexto do nosso trabalho, magistradas que hoje são consideradas mulheres guerreiras, que estão sempre à frente do tempo, trazendo ideias para a presidência.

A gente (trabalha) sempre com o sentimento de que pode estar, hoje, preparando o futuro. Elas se engajam muito bem dentro desse nosso projeto que escolhemos para, dentro da gestão, trabalhar essa formação de mulheres líderes.

Outro ponto de destaque é a questão do combate à violência doméstica. Como o Tribunal de Justiça tem agido para estar próximo a essas mulheres, para punir agressores e também para atuar de forma educativa na sociedade? 


Tive essa preocupação desde o início da minha formação do plano de gestão, em que busquei colocar dentro do meu projeto essa grande causa. Inseri, dentro do meu discurso de posse, o olhar especial que, como presidente, eu daria a este assunto que, em razão da pandemia, tem se agravado cada vez mais. É um fato que, apesar de todas as campanhas, a gente se surpreende com notícias de que o índice continua elevado. Mas nós temos que continuar fazendo o nosso trabalho. 

Já tivemos várias campanhas desenvolvidas dentro da gestão, conscientizando as mulheres e também os homens de que esse olhar da paz, do entendimento, do diálogo, da conversa, ainda é o melhor para todos. Nós temos campanhas inclusive com a participação de um embaixador escolhido e que aceitou de pronto o convite, o nosso conhecido cantor Waldonys. Ele faz parte da nossa campanha. Estamos também, em parceria com a Etufor, com cartazes em que, todos os ônibus que estão circulando dentro de Fortaleza, estão levando a mensagem do Waldonys. O alcance é enorme.

Tivemos também campanha no estádio de futebol e procurando sempre dar palestras e se comunicar com essas pessoas de que o feminicídio não atinge apenas a mulher, mas a família e toda a sociedade. 

Qual mensagem a senhora deixa para as mulheres que estão na luta também, especialmente àquelas que estão agora se dedicando aos estudos para a magistratura? 


Primeiro, que você precisa avaliar o seu perfil, se realmente gosta de ser uma pessoa que vai ter condições de ouvir, que gosta de trabalhar com a conciliação. A magistratura é um sacerdócio, exige da magistrada. O bom magistrado não é só aquele que sabe muito do Direito. Ele tem que usar o bom senso, tem que estar disponível a ouvir e trabalhar bem uma conciliação, porque somente assim ele estará desempenhando o seu papel em sua plenitude.

Julgar sim, mas conciliar e dar a voz para quem está muitas vezes intranquilo, inquieto e buscando a Justiça como último refúgio. É uma profissão nobre que, se fosse para começar tudo hoje, eu começaria. Não mudaria nada. É uma profissão em que eu me sinto realizada.  

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