'Lei Felca': Alece e CMFor não avançaram com projetos para proteção de crianças e adolescentes
No Legislativo estadual, matérias ainda tramitam. Mas no Parlamento municipal os projetos sequer foram lidos no plenário
Em meio a denúncias do youtuber Felca, em meados de agosto, Casas Legislativas em todo o Brasil passaram a registrar proposições voltadas à proteção de crianças e adolescentes, que logo foram apelidadas com o nome do influenciador. Na Câmara Municipal de Fortaleza (CMFor), cinco projetos de lei foram protocolados tendo a temática da "adultização" na ementa, mas até agora nenhum deles sequer foi lido o plenário para ser iniciada a tramitação. Na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), as matérias chegaram a tramitar, embora não tenham sido apreciadas.
O cenário é diferente do que ocorreu no Congresso Nacional, onde os representantes utilizaram o momento favorável para inserir a política na agenda governamental — a chamada "janela para políticas públicas" — para indicar diversos projetos e aprovarem o Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital), que obriga empresas de tecnologia da informação devem tomar medidas para prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos como exploração e abuso sexual, pornografia, violência física, venda de jogos de azar e práticas publicitárias predatórias.
Projetos na Câmara Municipal
Como mostra o Sistema de Apoio ao Processo Legislativo (SAPL), utilizado pelo Legislativo municipal para a tramitação, os parlamentares Aglaylson (PT), Paulo Martins (PDT), Bella Carmelo (PL) e Mari Lacerda (PT) foram autores de matérias relacionadas com a "adultização" — processo que consiste na exposição de crianças e adolescentes a responsabilidades, comportamentos, conteúdos e hábitos inapropriados para a idade.
Ainda de acordo com a consulta realizada pelo Diário do Nordeste na plataforma da CMFor, na quinta-feira (9), as proposições em questão constavam como "autuadas" e cumprindo prazo para inclusão na pauta.
O projeto de Aglaylson prevê a instituição de Programa Municipal Felca de Prevenção e Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes na Internet. Ele está parado na Divisão de Plenário desde 11 de agosto, quando foi apresentado pelo vereador.
O de Martins, protocolado no mesmo dia que o do petista, sugere um pacote de medidas de combate à “adultização precoce” no Município, envolvendo regras para campanhas publicitárias institucionais, ações intersetoriais e outras ações.
Bella, por sua vez, tem dois projetos parados, ambos ingressados em 12 de agosto. O primeiro propõe a uma semana de combate à prática de adultização e crimes contra o público juvenil nas escolas de Fortaleza. O outro indica a criação de medidas obrigatórias e proibições para a proteção contra a adultização e erotização infantil. O texto estabelece para eventos e equipamentos geridos pela prefeitura e ações da Guarda Municipal na coibição do uso de drogas por menores.
O projeto de lei mais recente foi o de Lacerda, que versa sobre a criação de um programa municipal de conscientização e combate à adultização e erotização infantil no Município. Ele foi apresentado ao Legislativo de Fortaleza em 21 de agosto.
O que afirma a presidência da Câmara de Fortaleza?
Ao Diário do Nordeste, o presidente da Casa Legislativa, Leo Couto (PSB), informou que, "devido ao volume de projetos apresentados pelos vereadores, o Departamento de Consultoria Técnica da Câmara Municipal de Fortaleza ainda está analisando as proposições relacionadas ao combate à adultização infantil".
"Como algumas matérias tratam do mesmo tema com redações diferentes — como o combate à exploração sexual infantil —, o Departamento avalia a possibilidade de apensamento para unificação dos textos", comentou o parlamentar. Segundo o político, após a conclusão do estudo pelo setor ao qual o trabalho foi delegado, "os projetos serão pautados conforme as normas jurídicas vigentes para apreciação no Legislativo municipal".
A reportagem consultou todos os autores com projetos parados na Câmara Municipal de Fortaleza, a fim de obter manifestações. Apesar disso, apenas a vereadora Mari Lacerda e o vereador Aglaylson responderam aos questionamentos direcionados a eles.
A política disse que tem dialogado com a presidência "para que o projeto possa seguir seu curso regular e ser apreciado em Plenário". "Compreendemos que existe uma elevada demanda no número de proposições apresentadas pelos vereadores no último período, o que impõe um ritmo diferenciado na tramitação legislativa, garantindo, inclusive, uma segurança jurídica ao processo", pontuou a parlamentar.
"Entendemos que o tema é urgente e merece atenção do Legislativo, sobretudo diante das recentes mobilizações da sociedade em torno do assunto e que levou a aprovação do PL 2628/2022 em âmbito federal", adicionou ela, mencionando a conclusão da apreciação no Congresso Nacional e recente sanção do ECA Digital.
O correligionário de Mari elegeu sua proposta como "uma das prioridades" do seu mandato. "Essa é uma pauta séria, que trata a proteção integral da infância como um compromisso permanente. Um assunto que uniu situação e oposição, o que reforça a importância de tratá-lo com responsabilidade, sensibilidade e base técnica", salientou.
"Outras matérias semelhantes, apresentadas no mesmo período, também aguardam tramitação, o que demonstra que o debate está em curso, aguardando inclusão em pauta pelo plenário da Câmara", completou Aglayson, informando também que dialoga com instituições do Sistema de Justiça, representantes da sociedade civil organizada e entes governamentais para construção de uma "articulação institucional".
Ele, que é vice-líder do governo na Casa, citou que uma das propostas apresentadas foi a criação da Frente Parlamentar de Prevenção e Combate à Adultização Precoce de Crianças e Adolescentes. "A iniciativa amplia o alcance do debate ao envolver vereadores de diferentes partidos, especialistas e órgãos de proteção da infância, fortalecendo uma abordagem conjunta e permanente sobre o tema", finalizou.
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Situação na Assembleia Legislativa
No Parlamento estadual, embora as proposições já tenham iniciado a tramitação, todas estão aguardando deliberação da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
Ao que consta no sistema de tramitação utilizado pela Alece, foram ingressados nove projetos de lei que versam sobre políticas voltadas para o combate à adultização (inclusive no contexto escolar), uma semana de conscientização, além de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para incluir a questão na Constituição do Ceará.
Aparecem como autores dos projetos de lei os parlamentares Alcides Fernandes (PL), Bruno Pedrosa (PT), De Assis Diniz (PT) — com duas matérias —, Leonardo Pinheiro (PP), Pedro Matos (Avante) — com duas matérias — e Sargento Reginauro (União). A PEC também é de autoria de Reginauro.
Indagado, um dos que protocolaram, o deputado Bruno Pedrosa destacou os benefícios do seu projeto. Nas palavras dele, a matéria, que busca instituir a "Política Estadual de Prevenção e Enfrentamento à Adultização Infantil Digital", representa "um avanço significativo na proteção das crianças e adolescentes do Ceará". O político não teceu comentários sobre a tramitação.
A reportagem buscou esclarecimentos dos demais citados — diretamente ou por meio de suas equipes de assessoria de imprensa —, da Coordenadoria de Comunicação da Assembleia Legislativa e do presidente da CCJR, o deputado estadual Salmito Filho (PSB), mas não obteve respostas até a publicação desta matéria. O conteúdo será atualizado caso haja outras devolutivas.