Legislativo Judiciário Executivo

Entenda a suspeita de fraude à cota de gênero no Ceará que pode cassar chapa de deputados do PL

As suspeitas de que candidatas teriam sido registradas apenas para cumprir a regra eleitoral coloca sob risco os eleitos do partido para a Assembleia Legislativa do Ceará

Escrito por Luana Barros , luana.barros@svm.com.br
TRE-CE
Legenda: As ações por suspeita de fraude à cota de gênero devem ser julgadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará
Foto: Thiago Gadelha

Os quatro deputados estaduais eleitos pelo PL podem correr risco de perda de mandato. Ações ajuizadas no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) acusam o partido de ter fraudado a cota de gênero - que estabelece a obrigatoriedade de 30% de candidaturas femininas nas chapas - nas eleições de 2022 para a Assembleia Legislativa do Ceará. 

Caso confirmado, uma das punições pode ser a cassação de toda a chapa de candidatos a deputado estadual que concorreu em outubro na disputa eleitoral - o que incluiria os diplomas dos eleitos e dos suplentes. O PL elegeu, neste ano, quatro parlamentares estaduais: Carmelo Neto, Marta Gonçalves, Alcides Fernandes e Dra. Silvana. 

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A suspeita de fraude à cota de gênero começou ainda durante a campanha eleitoral, quando a então candidata Andréia Moura Fernandes compareceu à Secretaria Judiciária do TRE-CE para informar que não havia concordado em ser candidata pelo PL, apesar do nome dela constar na lista de candidaturas. 

O fato embasou a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) da então candidata a deputada federal, Adelita Monteiro (Psol), contra o PL. Ajuizado antes do primeiro turno, o documento chegava a pedir algumas sanções como a retenção dos recursos públicos para a campanha do partido, o que acabou não ocorrendo. 

Com os resultados consolidados, outras duas ações de investigação se somaram à primeira. Em uma delas, de responsabilidade da Procuradoria Regional Eleitoral do Ceará, são apontadas as candidaturas de Maria Meiriane de Oliveira e Marlúcia Barroso Bento como fictícias. 

Na segunda - ajuizada por deputados estaduais, por Adelita Monteiro e pela Federação PT/PCdoB/PV -, seis candidaturas de mulheres são denunciadas como fraudes à cota de gênero, incluindo a da candidata Viviane dos Santos Silva, que substituiu Andreia Moura na chapa de candidatos a deputado estadual pelo PL. 

Indagado a respeito das acusações de fraude à cota de gênero, o presidente do PL Ceará, Acilon Gonçalves, afirmou que o partido "respeitou de fato e de direito a cota de gênero". 

"Respeitamos a forma de fazer campanha de cada candidato ou candidata substituindo quando necessário. Responderemos judicialmente cada questionamento mostrando a legalidade dos mesmos".
Acilon Gonçalves
Presidente do PL Ceará

Sem autorização para registro

A primeira denúncia contra o PL foi ajuizada ainda em setembro, durante a campanha eleitoral. Na época, uma das candidatas listadas pelo partido para concorrer a uma vaga na Assembleia Legislativa do Ceará declarou, no Tribunal Regonal, que não havia autorizado o registro da candidatura. 

"Declaro, para os devidos fins, que não participei da convenção partidária do Partido Liberal, bem como não autorizei a agremiação, ao qual sou filiada e não exerço cargo diretivo, a solicitar o registro da minha candidatura ao cargo de deputado estadual perante esta justiça eleitoral para as eleições 2022"
Andreia Moura Fernandes
Em declaração à Justiça Eleitoral

O caso serviu de embasamento para o pedido de investigações, com alegação de que o PL "lançou candidatura fictícia, sem consentimento da filiada (...) com o único propósito de cumprir um requisito de registrabilidade eleitoral e garantir que os 70% das candidaturas masculinas lançadas serão deferidas e viáveis". 

Com a campanha eleitoral ainda em andamento, a ação chegou a pedir a suspensão dos repasses do Fundo Eleitoral e do Fundo Partidário, alegando  que "campanhas lançadas mediante prática de fraude não merecem, nem devem ser financiadas com dinheiro público". 

A Justiça Eleitoral não tomou nenhuma decisão que impactasse a campanha eleitoral, mas o caso continua em investigação e ainda pode causar prejuízos à chapa. 

Como a candidatura de Andreia Moura era necessária para o cumprimento da cota de gênero, ela foi substituída por Viviane dos Santos Silva - cuja candidatura também é questionada por ação de investigação na Justiça Eleitoral. 

Com isso, a chapa de candidatos a deputado estadual do PL em 2022 contou com 32 homens e 14 mulheres, representando percentuais de 69,56% e 30,43%, respectivamente.

Indícios de candidaturas fictícias

O Ministério Público Eleitoral (MPE) também fez representação contra o PL, indicando duas candidaturas do partido como fictícias, as de Maria Meiriane de Oliveira e Marlúcia Barroso Bento. 

Nos dois casos, os indícios apontados pelo órgão de que as candidaturas são fraudulentas são semelhantes. A primeira é de que foram utilizados os mesmos dados e fotografias de quando as duas mulheres foram candidatas a vereadora em 2020. Segundo a ação, o número da urna utilizada por ambas foi o mesmo de 2020. 

As duas candidatas também teriam admitido, em depoimento ao MPE, não terem autorizado a candidatura nas últimas eleições, segundo a ação. No caso de Maria Meiriane, por exemplo, ela teria sido informada que o PL colocou seu nome para deputada estadual "ao que respondeu imediatamente que não queria e que não iria de jeito nenhum". 

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No depoimento ao Ministério Público, a candidata disse que chegou a assinar a declaração de desistência, mas não recebeu uma via. No dia seguinte à eleição, Meiriane foi informada, pela filha do ex-companheiro, que ainda constava na lista de candidatos.

Assim como Meiriane, Marlucia Barroso Bento também informou ao MPE por ligação telefônica que "não foi candidata nas eleições 2022". "Explicou que foi candidata em 2020, mas que teve prejuízo porque não recebeu recursos e teve que pedir dinheiro emprestado para fazer sua campanha. Depois dessa experiência em 2020, não quis mais ser candidata", continua a ação. 

A ação aponta outros indícios de que as candidaturas das duas mulheres foram apenas para cumprir a legislação. Entre eles, a falta de registros de atos eleitorais, a votação irrisória - Meiriane recebeu 113 votos, enquanto Marlucia teve apenas 30 - e o fato de que as duas candidatas fizeram campanha para outro candidato, filiado ao União Brasil. 

"No caso dos autos, os elementos produzidos são suficientes para a caracterização da fraude: as candidatas foram registradas sem sequer ter conhecimento de que seriam candidatas, receberam votação inexpressiva, não prestaram contas de campanha, não realizaram atos de campanha eleitoral em prol da própria candidatura e pediram votos para outros candidatos, inclusive um que disputava o mesmo cargo", descreve a ação.

Também é citado o caso da candidatura de Andreia Moura Fernandes, que, argumenta o MPE, serve para "demonstrar que o registro de candidaturas femininas fictícias foi uma conduta partidária, com a participação dos dirigentes do partido". 

Mais candidaturas questionadas

A terceira ação foi ajuizada pelos deputados estaduais Nizo Costa, Audic Mota, Bruno Pedrosa e Élvilo Araújo - que ficaram como suplentes em 2022 -, pela Federação formada por PT, PCdoB e PV, além de Adelita Monteiro, que também ajuizou a primeira ação. 

Esta é a denúncia mais ampla, em que seis candidaturas femininas do PL são apontadas como fictícias. Além das de Marlucia Barroso Bento e Maria Meiriane de Oliveira, que são objeto da denúncia do Ministério Público Eleitoral, são acrescentadas as candidaturas de Iracema Dieb, Oneida Pinheiro, Silvia dos Santos Brasil e Viviane dos Santos Silva. 

Nos casos de Meiriane e Marlucia, os indícios de que as candidaturas são fraudulentas são os mesmos apresentados na ação do MPE. Além delas, são detalhados elementos para colocar sob dúvida as outras quatro candidaturas, entre as quais são citadas: 

  • a inexpressividade de votos obtidos pelas candidatas, uma vez considerado o quantitativo eleitoral do Estado do Ceará, bem assim, a quantidade de votos válidos recebidos pelo Partido Promovido;
  • a total ausência de campanha eleitoral realizada por todas as seis candidatas referente ao pleito de 2022; 
  • a prestação de contas sem qualquer movimentação financeira ou com movimentação genérica ou, ainda,
  • movimentações artificialmente idênticas (“maquiagem” contábil); 
  • confissão da fraude e pedido de voto em favor de outros candidatos que disputavam o mesmo cargo (no caso das candidatas Maria Meiriane de Oliveira e Marlucia Barroso Bento);
  • e, ainda, a prática reiterada de atuação do Partido Liberal, evidenciada por meio das eleições municipais de 2020, estão flagrantemente presentes todas as circunstâncias que demonstram o patente descumprimento da norma legal.

No caso de Iracema Dieb, por exemplo, é citado que ela obteve apenas 50 votos, que não houve registro de atos eleitorais ou menção à candidaturas nas redes sociais nem qualquer movimentação financeira. 

Fatos semelhantes são descritos relativos à candidatura de Oneida Pontes. A candidata, descreve a denúncia, possui perfil privado, segundo a ação, enquanto no facebook não há menções à candidatura. Além disso, ela teve votação "inexpressiva" de 229 votos e não apresentou qualquer gasto eleitoral. 

O valor que a candidata Silvia dos Santos Brasil recebeu, de R$ 250, também é citado como indício, além de não ter tido nenhum gasto. A ação descreve ainda a  votação "irrisória" de 136 votos e que a candidata realizou "ínfimas'' 10 postagens com teor eleitoral em sua rede social no Instagram, durante todo o período eleitoral.

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Ainda é investigada Viviane dos Santos Silva, substituta de Andreia Moura Fernandes - que motivou a primeira ação contra o PL por fraude à cota de gênero. Segundo a ação, o partido teria tentado "esquentar" a suposta candidatura fictícia, para "imprimir o mínimo de realidade", mas que "ao ser analisada com maior profundidade, confirma a atrapalhada estratégia da legenda para ludibriar a Justiça Eleitoral".

É citado que ela recebeu apenas 498 votos, que a candidata não pode ser encontrada nas redes sociais e não há informação sobre atos de campanha. Ela também teria feito, segundo os acusadores, "maquiagem contábil", já que a movimentação de Viviane seria idêntica a de Eliene Barbosa Gomes, com uma única movimentação financeira - R$ 3,5 mil gastos com a mesma empresa de contabilidade.

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