Legislativo Judiciário Executivo

Vereadores perderam mandatos em cinco câmaras municipais após fraude à cota de gênero em 2020

Outras duas chapas de candidatos a vereador foram cassadas, mas ainda aguardam prazos legais para efetivação das mudanças

Escrito por Luana Barros e Luana Severo ,
Uma mão com as unhas pintadas de vermelho está apertando o botão
Legenda: No Brasil, por lei, é obrigatório que partidos políticos cumpram a cota mínima de 30% de candidaturas femininas.
Foto: Shutterstock

Cinco câmaras municipais cearenses tiveram a composição alterada após partidos serem condenados por fraude à cota de gênero nas eleições municipais de 2020. As legendas foram punidas por apresentarem candidaturas fictícias de mulheres somente para cumprir a exigência legal de 30% de candidaturas femininas nas chapas de candidatos à vereança. 

Nos municípios de Croatá, Nova Russas, Potengi, Santana do Acaraú e Senador Pompeu, pelo menos, já houve a retotalização dos votos dos partidos envolvidos nas fraudes e novos vereadores foram eleitos para substituir os que foram cassados nos processos.

Com julgamentos mais recentes, Alto Santo e Santana do Cariri ainda não tiveram modificações nas casas legislativas, apesar de decisões judiciais já terem determinado a cassação de parlamentares.

Por outro lado, 18 processos que envolvem suspeitas de candidaturas fictícias de mulheres ainda aguardam julgamento pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). As ações envolvem candidatos de, pelo menos, dez municípios cearenses.

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Para além de ser um desrespeito à legislação eleitoral, especialistas ouvidas pelo Diário do Nordeste entendem que as fraudes às cotas de gênero conservam o machismo estrutural na política, atravancam a representatividade feminina no poder e desestruturam os parlamentos, especialmente os municipais.  

Esse tema, inclusive, voltou ao debate público no Congresso Nacional. Isso porque o Senado aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que anistia os partidos que não cumpriram o percentual mínimo de candidaturas femininas ou que não fizeram a elas a destinação de recursos exigida por lei. A PEC tramita, atualmente, na Câmara dos Deputados, e teve sua votação em comissão especial adiada. 

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Primeira cassação

Em maio de 2021, em Croatá, a Justiça Eleitoral cassou, pela primeira vez, uma chapa inteira de candidatos a vereador por fraude à cota de gênero. Disputando pelo PSD, as candidaturas de Geislaine Lorrayne Martins Bezerra, Luana Ferreira de Oliveira e Cinaria Maria dos Santos foram apresentadas apenas para burlar a exigência de 30% de candidatas mulheres.

Uma das evidências apresentadas foi a de que duas das três candidatas não obtiveram voto e apenas Cinaria recebeu um voto na disputa eleitoral. Além disso, não houve gastos com material de campanha, além da declaração de despesa das três candidatas ser idêntica: de R$ 1 mil, sendo R$ 500 para advogado e R$ 500,00 para contador, a título de honorários. 

Apesar de ter sido apresentado recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a decisão do TRE-CE de cassar toda a chapa de candidatos do PSD em Croatá foi suficiente para garantir a execução. Assim, foi cassado o único vereador eleito pelo partido, Zé Mário da Repartição.

Os votos da legenda foram anulados e retotalizados. Com isso, em agosto do ano passado, assumiu o assento no legislativo o vereador Aragão Filho (PDT).

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Fraude em mais de um partido


Em Nova Russas, duas chapas à vereança foram cassadas pela Justiça Eleitoral. PDT e PSD tiveram todos os votos anulados após investigações constatarem a existência de candidaturas fictícias para burlar a exigência da cota reservada a mulheres. Contudo, apenas a condenação da chapa do PDT teve efeito na composição da Câmara

A legenda havia eleito Diego Rocha Diogo como vereador do município. Porém, foram identificadas três candidaturas fictícias no partido: Cynthia Lopes Chaves Rosa, Lina Vanessa Diogo Nunes e Tamyres Rocha Diogo, além de não terem feito ato de campanha, contribuíram na candidatura do colega de partido eleito.  

Diego Rocha Diogo, o único eleito, teve, então, seu diploma cassado e perdeu o mandato no legislativo. Mas, apesar disso, ele ainda aparece na página reservada aos parlamentares da Câmara Municipal de Croatá, figurando, inclusive, como 2º secretário da Mesa Diretora. 

A anulação dos votos obtidos pelo PDT fez com que o professor Luiz Correia Lima (PP) tomasse posse no lugar de Diego, em setembro do ano passado, na Câmara.

Já Diego, além do diploma cassado, ficou inelegível por oito anos contados desde a data das eleições de 2020. Recurso contra a decisão em nível estadual segue em tramitação no TSE.

Mulheres mais votadas


Em Potengi, três mulheres foram as mais votadas à Câmara Municipal: Luiziene (PT), Vanda Rodrigues (MDB) e Aline Sergio (Psol) registraram, respectivamente, a maior quantidade de votos no pleito de 2020.

Contudo, na mesma casa legislativa, dois parlamentares tiveram seus diplomas cassados após constatação de fraude à cota de gênero na chapa pela qual foram eleitos. 

Em outubro de 2021, a Justiça Eleitoral determinou a cassação de todos os candidatos do PSD que concorreram à cadeira de vereador de Potengi. A determinação incluiu a cassação de Edivânio Ferreira e Juscie Rodrigues, que já exerciam mandato na Câmara. Para substituí-los, tomaram posse, no último dia 18 de fevereiro, José Ires de Oliveira (Psol) e Nicodemos Rodrigues (PT). 

Também em fevereiro deste ano, Betânia Andrade (PT) tomou posse na Câmara Municipal de Santana do Acaraú após a cassação de Antônio Arthur Silva Thomás (PTB) — eleito em 2020, mas punido por comprovação de candidaturas fictícias de mulheres na chapa do PTB. 

A cassação ocorreu após, em setembro de 2021, a Justiça entender que as candidaturas de Ana Paula Carneiro e Maria da Conceição Carneiro, ambas pelo PTB, foram apresentadas apenas para cumprir os 30% necessários pela legislação eleitoral. Os gastos de campanha das candidatas foram as principais evidências da fraude. 

Enquanto Ana Paula não declarou nenhuma despesa referente a atos de campanha, Maria da Conceição declarou ter gasto apenas R$ 81,25, correspondente a menos de 5% da receita de R$ 2 mil obtida pela candidata. Com isso, as duas tiveram, além da cassação, a determinação de inelegibilidade por oito anos. 

Parentesco com vereador eleito


Em Senador Pompeu, também foram constatadas candidaturas fictícias na disputa pelo cargo de vereador, desta vez, pelo PTC. A irregularidade envolveu as candidatas Antônia Victoria do Ó Barreto, Ana Raquel Facundo Linhares e Liliane do Nascimento da Silva.

Além da baixa votação, foram descobertos parentescos com lideranças do PTC. Enquanto Ana Raquel é companheira do candidato José Roberto Magalhães Saraiva, Antônia Victoria e Liliane Nascimento são, respectivamente, sobrinha e cunhada de Lourival Barreto Braga Júnior, mais conhecido como Júnior Braga. Ele foi o único vereador eleito pelo partido. 

Com a decisão da Justiça Eleitoral pela cassação do diploma de Júnior Braga, o candidato deixou o mandato como vereador e foi substituído por Lúcia Aquino, do PSDB.

Para Adriana Soares Alcântara, integrante da Comissão de Participação Feminina do TRE-CE, "ajudar homens" é um dos motivos que levam mulheres a se deixarem usar para fraudar a cota de gênero.

"Tenho mulheres que realmente queriam se candidatar e foram usadas porque o partido não distribuiu recurso ou porque elas não tinham capital político. Mas tenho outras que entraram porque queriam ajudar alguns homens, isso é um fato, também. Mas essa é uma realidade que não só a Justiça Eleitoral tem que enfrentar, os partidos também".
Adriana Soares Alcântara
Integrante da Comissão de Participação Feminina do TRE-CE

Responsabilidade dos partidos


Adriana acredita que, além de fortalecer as fiscalizações e as punições sobre as fraudes à cota de gênero, é preciso "chamar os partidos à responsabilidade". "A partir do momento em que os partidos começarem a encarar a participação da mulher (na política) como um ato necessário a uma representação mais efetiva, a gente vai ter uma diminuição do uso da candidatura feminina em fraude", defende.

O pensamento é compartilhado pela socióloga e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia, Paula Vieira. Segundo ela, quando os partidos se comprometerem a inserir mulheres na rotina de atividades da legenda, participando ativamente da construção do projeto partidário, elas terão chance de ganhar capital político e aumentar competitividade. 

"Essa prática (fraudulenta) ainda é comum pela cultura política. A cultura política ainda coloca, em termos de atitude, uma dificuldade muito grande para a participação das mulheres. Por causa desse poder, desse capital político concentrado nas mãos dos homens".
Paula Vieira
Socióloga e pesquisadora do LEPEM/UFC

Outra forma de combater as fraudes, segundo a professora de Direito Eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado, é estimular a consciência política em toda a sociedade.

"A melhor maneira de combater é fazer com que tenhamos mulheres na direção de partidos políticos, que as mulheres tenham consciência desse direito, e que a sociedade também abra seu olhar para a importância da mulher na política. Além de aumentar o sistema de sanção", pontua a professora.

Futuras mudanças no legislativo


Mais de um ano desde a posse dos vereadores eleitos em 2020, outras câmara municipais do Ceará ainda podem ter suas composições alteradas por decisões judiciais referentes à suspeita de fraude. Duas delas já estão encaminhadas. 

Em dezembro do ano passado, o TRE-CE decidiu manter a decisão da primeira instância, que determinava a anulação dos votos e a cassação de todos os candidatos a vereador do PT em Santana do Cariri. Além disso, as candidatas Audeneire Inácio da Silva, Clenivan Cândido Neves, Eva Rufino de Melo e Monique Herbeny Feitosa Bacurau Nuvens — que tiveram candidaturas fictícias — vão ficar inelegíveis por oito anos.

Nenhuma decisão, no entanto, foi consolidada. Com os prazos processuais ainda correndo no Tribunal Regional, o vereador eleito Antonio Temoteo da Costa, conhecido como Tonhão Temóteo, continua ocupando a vaga no município. 

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O setor jurídico da casa legislativa informou que ainda aguarda a determinação da Justiça Eleitoral. “O processo foi julgado em segunda instância, mas a gente ainda não teve trânsito em julgado da decisão para que seja providenciada a recontagem dos votos. A gente ainda não foi intimado para convocação do suplente”, disse por telefone. 

A expectativa é de que a mudança possa ocorrer até abril. Caso se confirme a decisão, quem deve assumir a vaga é José Silverlan Pereira (PDT), mais conhecido como Nego do Totolec. 

Mudança de 7 dos 11 vereadores


A outra cassação já determinada pelo TRE-CE é da chapa de candidatos a vereador pelo PSD em Alto Santo. O julgamento, realizado em fevereiro deste ano, identificou que a candidatura de Agna Almeida Costa foi apresentada apenas para completar a cota de gênero. Com isso, além da inelegibilidade dela, todos os candidatos do partido podem ser cassados. 

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Destes, quatro foram eleitos: Otacílio Diógenes, Plácido Gomes Neto, Francisco Rogerio Filho e Rivardo César, o Maninho. Como os prazos processuais permanecem abertos, ainda não foi anulada a votação do partido. Os vereadores continuam em exercício.

No entanto, essa pode não ser a única mudança de composição da Câmara de Alto Santo. Como mostrou a colunista Jéssica Welma, o julgamento do processo que pede a cassação de chapa do PDT que concorre ao legislativo municipal continua pendente.

Somado ao processo do PSD, a Câmara pode perder 7 dos 11 atuais vereadores da Casa. Dentre eles, a única mulher e vereadora mais votada de Alto Santo, com 737 votos, Genileuda Moura, do PDT.

Trâmite judicial


A professora Raquel Machado explica que os pedidos para cassação de chapa por fraude à cota de gênero só podem ser feitos durante o período eleitoral ou por meio de ações ajuizadas imediatamente após o pleito.

"Tem as ações de impugnação de mandato eletivo e as ações de investigação judicial eleitoral. As de investigação podem ser ajuizadas durante o período eleitoral e as de impugnação depois. As ações são ajuizadas, vão ser produzidas provas e os juizes vão decidir", esclarece.

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Os processos, no entanto, permitem a interposição de recursos em primeira, segunda e terceira instâncias, o que, por vezes, prolonga os prazos para a execução da cassação. 

"Essas ações interpostas sem um conjunto probatório forte fazem com que esses processos não sejam julgados procedentes. O cenário político municipal é fértil para esse tipo de ação, até porque a procedência de uma ação leva a uma cassação de toda a chapa", acrescenta Adriana Alcântara, do TRE-CE. Das últimas eleições até então, o Tribunal julgou como não procedentes 38 processos.

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