Como as regras eleitorais para 2022 tentam fortalecer candidatura de mulheres e pessoas negras
Mudanças na legislação eleitoral favorecem o incentivo a estes candidatos em uma tentativa de diminuir a desigualdade de representação destes grupos
As regras eleitorais previstas para entrar em vigor em 2022 devem fortalecer a competitividade de candidaturas de mulheres e de pessoas negras. Os instrumentos para este fortalecimento vão desde regras mais rígidas contra o descumprimento de normas até maior peso destas candidaturas na distribuição dos recursos tanto do Fundo Eleitoral como do Fundo Partidário.
O aumento das políticas de incentivo à representatividade em mandatos eletivos tem sido constante, principalmente nas últimas duas eleições. Apesar de ser um processo que remonta há, pelo menos, duas décadas, as medidas têm conquistado mais rigor na implementação, o que deve ser reforçado para 2022.
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"Nesse cenário, mulheres e pessoas negras vão precisar aprender a se posicionar melhor e fazer bom uso desses instrumentos, para que não sejam tragadas por esse processo político que vai ser complexo (nas eleições de 2022)", explica a advogada e coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), Isabel Mota.
Desigualdade histórica
A expectativa é de que estas medidas possam diminuir as desigualdades na representação de mulheres e de pessoas negras na política institucional. No Congresso Nacional, por exemplo, mulheres ocupam apenas 15% das cadeiras na Câmara dos Deputados e 14% no Senado Federal. Percentuais bem inferiores ao peso que elas têm no eleitorado brasileiro - equivalente a 52,5%.
Os dados quanto à representatividade de pessoas negras nesses espaços também possuem um alto déficit. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 56% da população se declara negra - ou seja, preta ou parda. Contudo, no Congresso Nacional, parlamentares negros (que se declaram pardos ou pretos) é de pouco mais de 20%.
"São números que destoam muito da realidade nacional, da representatividade populacional. Quanto mais chegarmos a uma paridade nesses números, chegaremos a uma divisão mais democrática das cadeiras", afirma o advogado e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados - Secção Ceará (OAB-CE), Fernandes Neto.
Distribuição dos recursos
A regra mais recente com impacto em candidaturas femininas e de pessoas negras foi aprovada em setembro de 2021, pouco antes do prazo final para mudanças na legislação eleitoral terem impacto já para a votação deste ano.
A reforma estabelecida pela Emenda Constitucional 111/2021 prevê um aumento no peso de votos dados a mulheres e pessoas negras para a Câmara dos Deputados. Estes votos serão contados em dobro no cálculo de distribuição dos recursos tanto do Fundo Eleitoral como do Fundo Partidário.
Fernandes Neto aponta que a medida deve aumentar a valorização destas candidaturas dentro dos partidos políticos, já que irá impactar diretamente nos recursos a serem recebidos pelas agremiações.
"É melhor pelo aspecto de inclusão social e também um incentivo para que os partidos busquem candidatos negros e mulheres. O incentivo financeiro talvez seja, hoje, o maior incentivo no Brasil, (...) porque os partidos precisam desses fundos públicos para o seu financiamento".
Esta contagem em dobro dos votos dados a estas candidaturas é temporária, valendo nas eleições de 2022 a 2030. Como esta será a primeira votação com a medida em vigor, Isabel Mota projeta que os resultados efetivos só "devem ficar explícitos para as próximas eleições".
Recursos de origem indevida
A advogada explica que, para aumentar a participação de grupos minoritários nos espaços de poder, é necessário investir na competitividade destas candidaturas, indo além apenas do cumprimento de cotas, por exemplo, e passando a uma construção de candidatos e candidatas viáveis a conquistar o mandato eletivo. Uma construção passa pela garantia de financiamento para estas campanhas.
"É a possibilidade de os partidos terem um compromisso efetivo. Porque antes, o compromisso era muito mais de discurso. Agora, é 'vou ter que gastar dinheiro em candidaturas de mulheres e nas candidaturas de pessoas negras, então tenho que transformar em candidaturas competitivas ou vou estar jogando dinheiro fora'", exemplifica.
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Isto porque, desde as eleições de 2018, partidos devem destinar, pelo menos, 30% dos recursos do Fundo Eleitoral para as mulheres que se candidatarem. O uso desses recursos deve ser proporcional às candidaturas, ou seja, caso o percentual de mulheres candidatas seja superior a 30%, os recursos destinados a essas campanhas também deve aumentar.
Em 2020, a regra foi ampliada - pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - para as candidaturas de pessoas negras. Os partidos políticos, portanto, precisam destinar recursos proporcionais ao número de candidatos negros que irão disputar cada eleição.
"Agora, em 2022, houve um aprimoramento da regulamentação e temos, de forma explícita, que o recebimento de valores será considerado recebimento de recursos de origem vedada. Ficou melhor regulamentado qual a decorrência da utilização indevida desses recursos".
Combate a violência política de gênero
A disputa eleitoral deste ano também será a primeira a ocorrer com a vigência da lei que busca prevenir, reprimir e combater a violência política de gênero. A legislação foi sancionada em agosto de 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).
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Nela, fica proibida a propaganda partidária que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia. Além disso, é considerado crime assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.
A prática será punida com pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. Já os crimes de calúnia, difamação e injúria durante a propaganda eleitoral terão as penas aumentadas caso envolva discriminação de gênero.
Para onde avançar
O fortalecimento das políticas afirmativas é um avanço importante, mas os especialistas apontam que ainda há brechas nas ferramentas implementadas, além de avanços que ainda precisam ser feitos para continuar a diminuir o déficit de representatividade nos mandatos eletivos no País.
Fernandes Neto cita, por exemplo, que ainda não existem políticas afirmativas para incentivar a candidatura de povos indígenas. Além disso, ele aponta que a legislação que trata dos incentivos à participação de pessoas negras nas eleições ainda é "insuficiente".
"A maioria (das medidas afirmativas) é criada em decorrência de interpretações judiciais feitas pelo Supremo ou pelo TSE. Ainda é um pouco incipiente", ressalta. Apesar de admitir a importância das medidas adotadas até aqui, ele considera que é necessário que estas ações virem "política de estado".
A legislação torna estas medidas uma política de estado. (Além disso) Todos os Poderes têm que partir para outras inclusões no âmbito administrativo e social, não apenas restrita a eleição. Não adianta termos mais representantes na Câmara dos Deputados, mas termos poucos no Poder Executivo e no Judiciário
Fraudes às regras eleitorais
Outro problema que pode ser enfrentado são as tentativas de burlar as novas regras eleitorais, como os casos de candidaturas laranjas de mulheres que ocorreram nas eleições de 2018.
Apesar da Justiça Eleitoral ter aumentado a rigidez na punição - com a cassação da chapa inteira de partido que tenha uma candidatura fraudulenta comprovada -, o risco de novas tentativas de fraude são riscos para as eleições de 2022.
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"A gente sempre tem distorções, têm candidaturas laranjas, mas isso não tira o valor e a efetividade da medida, porque consegue apesar das distorções ter um ganho real na melhora da democracia, que ocorre a partir da população se ver melhor representada. É natural e exigível que os representantes políticos representem essas pessoas. A gente consegue efetividade, mas é um caminho, um processo", pondera Isabel Mota.