Zélia Mota, Moema São Thiago e Alacoque Bezerra: quem são as pioneiras no parlamento cearense
Por mais que as mulheres sejam maioria no eleitorado brasileiro, a representação delas nos parlamentos é ínfima
Maria Zélia Mota, Moema São Thiago e Alacoque Bezerra: essas foram as três mulheres que primeiro conseguiram ocupar, pelo Ceará, os cargos de deputada estadual, deputada federal e senadora, respectivamente. Estudadas e de família com envolvimento político, elas se destacaram no Legislativo pela dedicação às pautas sociais, feministas e de educação.
As parlamentares se arriscaram na disputa política nas décadas de 1970 e 1980, em meio à redemocratização do Brasil, período em que, embora mulheres não tivessem incentivo para ocupar espaços de poder, elas estavam lutando para se inserir nos cargos mais altos — foi nessa época, por exemplo, que Fortaleza elegeu a primeira prefeita de uma capital brasileira.
Nesta última matéria da série “As pioneiras do poder no Ceará”, o Diário do Nordeste conta um pouco das histórias de Maria Zélia, Moema e Alacoque e traça os desafios enfrentados por suas sucessoras na garantia da devida representatividade feminina no poder Legislativo.
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Maria Zélia Mota
Zélia Mota, ou Dona Zélia, como costumava ser chamada, nasceu em Fortaleza, mas se estabeleceu profissionalmente como tabeliã em Itapajé.
Antes de se tornar a primeira deputada estadual do Ceará, seus irmãos, Raimundo e José, já haviam ocupado o mesmo cargo no parlamento cearense e já tinham, de certa forma, angariado capital político para a família. Porém, blogs informativos sobre Itapajé asseguram que a votação expressiva dela — em grande parte, de mulheres — foi conquistada por mérito próprio, por sua relação com a cidade.
O mandato de Zélia durou quatro anos, entre 1975 e 1978, e foi focado em pautas sociais, sobretudo aquelas ligadas às pessoas economicamente desfavorecidas. Na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), ela foi, ainda, a terceira-secretária da mesa diretora da Casa, chegando a presidir o colegiado quando o presidente à época não podia comparecer às sessões.
Moema São Thiago
Sobrinha de Flávio Marcílio, que foi deputado federal e vice-governador do Ceará pelo PTB, Moema nasceu em Formiga, no interior de Minas Gerais, e veio estudar no Estado.
Ela se formou em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e foi lá que começou sua militância política como líder estudantil. Em 1969, devido à militância, que o regime militar vigente considerava “distante” das atividades universitárias, ela foi obrigada a interromper o curso.
Depois disso, em vez de se afastar da política, Moema entrou para a organização clandestina de esquerda Ação Libertadora Nacional (ALN), liderada por Carlos Marighella, e atuou no eixo Rio-São Paulo. Teve, por causa disso, de passar alguns anos exilada no Chile, na Argentina, em Cuba e em Portugal.
Em 1979, de volta ao Brasil, Moema ingressou, de fato, na política, sendo uma das fundadoras do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Na sigla, ela atuou como secretária geral da executiva estadual e também como integrante da executiva nacional.
A política chegou a se candidatar à prefeitura de Fortaleza em 1985, mas perdeu o pleito para a professora universitária Maria Luiza Fontenele, então do PT, a primeira mulher eleita prefeita de uma capital brasileira.
No ano seguinte, em 1986, Moema se candidatou a deputada federal e ganhou com votação expressiva, a segunda maior do Estado. Sua campanha foi baseada na defesa dos direitos da mulher.
Na Câmara Federal, dentre outras coisas, ela foi favorável ao rompimento das relações diplomáticas do Brasil com países com política de discriminação racial e à limitação do direito de propriedade privada.
Alacoque Bezerra
Chamada de “madrinha de Juazeiro do Norte”, onde nasceu, Alacoque foi a primeira senadora pelo Ceará.
Ela era irmã de políticos conhecidos como Adauto Bezerra, ex-governador do Estado; Humberto Bezerra, ex-vice-governador, e Orlando Bezerra, ex-deputado federal. Também era tia do ex-prefeito de Juazeiro, Arnon Bezerra. Faleceu em 2012 de complicações cardíacas.
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Embora tenha a alcunha de primeira senadora pelo Estado, ela assumiu a vaga em 1989 no lugar do senador José Afonso Sancho, de quem era suplente pelo Partido Democrático Social (PDS). A primeira senadora cearense eleita, de fato, foi Patrícia Saboya (PDT), em 2002.
Voltada às pautas da educação, Alacoque apresentou no Congresso projetos para regulamentar o piso salarial para o magistério e defendeu a melhoria da merenda escolar.
Representatividade feminina no parlamento
Embora as mulheres sejam a maioria do eleitorado brasileiro — 52,8%, segundo as últimas estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — e haja a obrigatoriedade da reserva de vagas para candidaturas femininas, são poucas as que conseguem, mesmo hoje, ocupar cargos eletivos.
E essa representação diminui progressivamente no Legislativo à medida que a análise sai das câmaras municipais para as assembleias legislativas e para o Congresso Nacional (Câmara e Senado).
Para se ter uma ideia, de 46 deputados estaduais em exercício no Ceará, somente cinco são mulheres: Aderlânia Noronha (SD), Augusta Brito (PCdoB), Dra. Silvana (PL), Érika Amorim (PSD) e Fernanda Pessoa (PSDB). E em nenhum momento da história da AL-CE uma mulher presidiu a Casa.
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Na Câmara Federal, representa as mulheres cearenses atualmente apenas a deputada Luizianne Lins (PT).
Já no Senado, as três vagas destinadas a cearenses são ocupadas, neste momento, por homens.
Para a cientista política Paula Vieira, da UFC, para que as candidaturas femininas ganhem mais competitividade ao logo do tempo, é preciso que os partidos deem mais visibilidade a elas. “Porque é uma forma de estimular uma base eleitoral a querer votar nessas mulheres”, entende a especialista.
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Uma vez ocupando seus espaços no Legislativo, as mulheres podem, além de dar a devida atenção às demandas femininas, interferir nas tomadas de decisão sobre diferentes áreas da vida pública e mudar os rumos do País, que, até então, é predominantemente construído por homens.
Artigo de opinião
Leia, abaixo, um artigo de opinião da ex-senadora e atual conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Patrícia Saboya, sobre os principais desafios enfrentados pela mulher no parlamento.
Desafios e avanços da mulher na política
A luta pelos direitos da mulher é um desafio de uma vida inteira. Quando vereadora da Câmara em
Fortaleza (1997 a 1998), já se buscava fóruns de debates para defesa da representatividade parlamentar feminina. Foi assim que surgiu o Conselho da Mulher de Fortaleza e com ele, algumas conquistas.
No entanto, após quase cem anos do direito ao voto e mesmo com uma Constituição democrática ainda se questiona a baixa representatividade da mulher na política. Apesar de iniciativas como cotas de gênero nas listas eleitorais e da obrigatoriedade de destinação de percentual do fundo partidário às mulheres, ainda assim, são apenas 16% do total de vereadores do Brasil.
Decerto, a efetivação do Estado Democrático de Direito não se resolve apenas com a eleição de representantes de um país de modo livre. Requer-se, objetivamente, uma paridade substancial de representantes envolvendo as maiorias e as minorias, visando uma proporcionalidade razoável de sexos, etnias, cores, raças, etc. E, objetivamente, erradicar as assimetrias de gênero, notadamente, nos espaços de poder e decisão.
A inclusão efetiva da mulher na política compreende-se, no contexto de cidadania, muito mais e muito além do poder de voto. Não obstante as iniciativas implementadas, é controverso o avanço das mulheres na política quando ainda dentro de seus lares são alvo de opressão e mundo afora, ainda desprotegidas, estão sujeitas às várias formas de violência.
Embora a sociedade brasileira conviva com esta desigualdade de modo quase imperceptível e de longa data, não há como negar uma afronta ao regime democrático da República Federativa do Brasil. É de bom alvitre destacar que o eleitorado feminino representa 52% do país e ainda assim, a representatividade na política não condiz com sua participação na sociedade.
Dois projetos em análise no Congresso avançam nos percentuais mínimos de vagas para mulheres e mais recursos do Fundo Partidário. São iniciativas que associadas à educação política nas escolas e à adoção de ações afirmativas, inclusive nos partidos políticos e por meio de políticas públicas, visam à necessária e desafiadora representatividade da mulher na política.
O saldo que fica desse contexto é a consciência feminina que vem sendo construída acerca de seus direitos sociais e políticos e que devem ser ressaltados e reafirmados em políticas públicas para continuar a luta pela igualdade dos direitos. O trabalho de muitas mulheres, pioneiras na política, fazem parte dessa história. Abrindo portas e ampliando oportunidades.
Em 1996, fui consagrada como a vereadora mais votada em Fortaleza e, em 2002, a primeira senadora da República eleita pelo Estado do Ceará. Realização de sonho! Este sonho é de todas nós mulheres brasileiras. Esta luta é nossa!
Patrícia Saboya, ex-senadora e conselheira do Tribunal de Contas do Estado do Ceará
Esta reportagem usou como fonte o livro Mulheres no Parlamento Cearense e os arquivos do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (FGV).