Empresa ligada a prefeito foragido celebrou contratos com quase 50 prefeituras do Ceará; PF investiga esquema
Para a Polícia Federal, o dono da empresa seria um “laranja” do prefeito Bebeto Queiroz; prefeituras esclarecem contratos
Em meio às investigações contra o deputado federal cearense Júnior Mano (PSB) e o prefeito eleito — e foragido — de Choró, Bebeto Queiroz (PSB), a Polícia Federal (PF) chegou ao nome de uma empresa que cumpriria papel central no suposto esquema criminoso com uso ilegal de emendas parlamentares. Os investigadores apontam que a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar seria usada para desviar o dinheiro oriundo do orçamento federal.
A investigação partiu de uma denúncia feita pela então prefeita de Canindé, Maria do Rosário Araújo Pedrosa Ximenes (Republicanos). Em depoimento ao Ministério Público do Ceará (MPCE), ainda durante a campanha eleitoral do ano passado, ela disse que, além de Bebeto, a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, e o vigia e suposto empresário Maurício Gomes Coelho teriam atuado para tentar influenciar o resultado eleitoral nas cidades de Madalena, Quixadá, Boa Viagem, Aquiraz, Itaitinga, Canindé e São Gonçalo do Amarante.
>> Participe do canal do PontoPoder no Whatsapp para saber tudo sobre a política do Ceará e do Brasil
O Diário do Nordeste teve acesso ao relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), feito a partir de uma investigação da Polícia Federal, que esmiúça as evidências colhidas até agora sobre o esquema criminoso. As informações do documento estão sendo publicadas em uma série de reportagens desde segunda-feira (13). O inquérito foi aberto em setembro do ano passado.
Veja também
Além das cidades citadas pela ex-prefeita, os investigadores identificaram contratos da empresa para prestação de serviços com os municípios de Acopiara, Alto Santo, Amontada, Apuiarés, Aracati, Aratuba, Barreira, Baturité, Camocim, Caridade, Choró, Coreaú, Farias Brito, General Sampaio, Guaiúba, Guaraciaba do Norte, Ibicuitinga, Independência, Iracema, Irauçuba, Itapajé, Itapipoca, Itatira, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Massapê, Milagres, Mombaça, Nova Russas, Pacajus, Parambu, Paraipaba, Paramoti, Pedra Branca, Quiterianópolis, Quixeramobim, Russas, Saboeiro, Sobral, Tejuçuoca e Viçosa do Ceará.
Até agora, a PF conseguiu mapear a operação da MK em 47 municípios do Ceará. O montante envolvido chega a R$ 318,9 milhões. A apuração, no entanto, não indica qualquer relação ilegal até o momento entre os contratos da empresa e as prefeituras mencionadas nos autos.
Outro detalhe que chamou atenção da PF é que a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar tem como sócio-administrador o suposto empresário Maurício Coelho, que atualmente está preso. O homem trabalhou como vigilante entre 2014 e 2020 recebendo um salário mensal de R$ 2,4 mil, mas a empresa que ele fundou tem um capital social de R$ 8,5 milhões.
No relatório, a PF diz ser “possível inferir, com forte grau de segurança" que o vigilante atuava como "interposto de terceiros", um laranja de Bebeto Queiroz, segundo os investigadores. Na denúncia que fez, a ex-prefeita Maria do Rosário listou nove empresas que, segundo ela, são de Bebeto Queiroz, mas estão no nome de “laranjas”. Portanto, as investigações podem chegar a outras cidades cearenses e indicar o envolvimento de outros negócios ligados ao prefeito.
A PF ainda fez um comparativo dos pagamentos realizados pela empresa entre 2023 e 2024 — ano eleitoral. Os agentes buscaram "eventual atipicidade no regime ou volume de pagamentos efetuados por entes públicos às empresas".
Considerando o balanço da MK, a empresa deu um salto nos pagamentos recebidos no ano passado. Em 2023, foram cerca de R$ 18 milhões recebidos. Já no ano passado, o montante chegou a R$ 45,6 milhões, totalizando um crescimento de 150%.
No rastro do dinheiro
Entre as nove empresas atribuídas ao político, a MK ganhou destaque também porque, em 25 de setembro, um policial militar foi levado para depor na PF e disse trabalhar informalmente para o proprietário da empresa.
À época, os investigadores apreenderam R$ 600 mil em espécie com o agente. De acordo com o relatório da FICCO, o valor pertencia ao empresário Maurício Coelho.
Conforme detalhou reportagem do Diário do Nordeste, o agente, de nome preservado pela reportagem por ainda ser apenas investigado, disse aos policiais federais que já vinha acompanhando a irmã de Maurício havia oito meses. O policial realizou saques de emergência a pedido do Maurício, tendo a irmã do empresário repassado cheques que somavam quase R$ 600 mil.
Veja também
Na esteira das investigações, tanto Bebeto Queiroz quanto Maurício Coelho foram alvos de uma operação da Polícia Federal em 4 de outubro do ano passado. Os agentes estiveram em endereços vinculados a Maurício e cumpriram mandados de busca e apreensão.
Maurício chegou a ser detido em um condomínio de alto padrão no bairro Benfica, em Fortaleza, no dia 8 de novembro de 2024. Na ocasião, com o empresário, foram apreendidos uma pistola 9 milímetros, 12 munições, três rádios comunicadores, dois celulares e um colete balístico.
Defesas
Em nota, a Prefeitura de Mombaça disse que o contrato com a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar foi realizado “de maneira totalmente transparente e em estrita conformidade com a legislação vigente, especificamente a Lei Federal nº 14.133, através de um procedimento licitatório na modalidade de Concorrência Pública Eletrônica”. “Não houve qualquer indício de fraude ou outro ilícito”, acrescentou a gestão municipal.
O município ainda reforçou que a obra contratada com a empresa começou após o período eleitoral. “Apesar da formalização do contrato, não houve qualquer tipo de pagamento à empresa MK, pois o contrato foi devidamente rescindido sem gerar qualquer ônus para os cofres públicos”, concluiu.
Veja também
A Prefeitura de Alto Santo disse que “o único contrato que tal empresa teve com o município foi para construção de quadras poliesportivas, onde se habilitou e ganhou o processo licitatório seguindo todos os critérios e normas legais”. A gestão acrescentou que os pagamentos foram feitos após medições e fiscalização da equipe de engenharia. “Em relação a emendas, o município de Alto Santo nunca recebeu nenhum centavo destinado pelo deputado Júnior Mano”, finalizou.
A Prefeitura de Guaiúba informou que teve três contratos com a empresa MK Serviços, Construções e Transporte Escolar. Um para reformar uma quadra poliesportiva, outro para reformar e ampliar uma escola e um terceiro para pavimentação asfáltica. Segundo o município, as duas primeiras estão concluídas, em uso pela população e pagas com recursos próprios do município. A terceira obra está 80% concluída e é fruto de um convênio com o Governo do Estado.
“Para efeito de transparência, informamos que a empresa concorreu por meio de processo licitatório cumprindo todos os requisitos dispostos em lei”, concluiu, em nota, a gestão municipal.
Em nota, a Prefeitura de Itaitinga informou que a obra executada pela MK no município está em fase final, com previsão de entrega para março deste ano.
"A obra em questão foi custeada integralmente com recursos próprios do tesouro municipal de Itaitinga, não sendo beneficiada por qualquer tipo de emenda parlamentar, seja de ordem estadual e/ou federal", finalizou.
A atual gestão municipal de General Sampaio disse que "ainda está em processo de transição" e foi surpreendida com a informação do contrato com a MK.
"A Administração decidiu cancelar imediatamente a parceria, a fim de garantir a transparência e a boa gestão pública. É importante esclarecer que a Administração Municipal atual desconhecia qualquer envolvimento da referida empresa em atividades ilegais, tendo em vista que o serviço contratado vinha sendo executado, conforme repassado pela equipe de transição", informou.
Em nota, a prefeitura de Iracema disse que, em 2023, a MK venceu uma disputa licitatória para a contratação de serviços de instalação de aparelhos de refrigeração. A gestão formalizou sete contratos relativos a 50% do valor total licitado para o ano de 2023 e o restante dos 50% no ano de 2024.
"Todavia, tais contratos não foram executados (nunca houve demanda), consequentemente, não se gerou qualquer despesa ao município. "Além disso, a Prefeitura Municipal de Iracema afirma que não possui controle acerca do ganhador de seus procedimentos de licitação, e nem poderia, uma vez que é livre a participação de todos", concluiu.
A Prefeitura de Juazeiro do Norte informou que, ao saber sobre a investigação, determinou a "abertura de um processo administrativo pela Controladoria Geral do Município. Além disso, estão sendo enviados ofícios à Polícia Federal e aos demais órgãos responsáveis para obter informações e verificar se há recomendações específicas para os municípios que possuem contratos com a empresa citada". O município reforçou que não recebeu emenda parlamentar do deputado Júnior Mano.
Em nota ao Diário do Nordeste, a assessoria de comunicação do deputado Júnior Mano disse que a investigação conduzida pela PF tramita sob segredo de justiça, por isso não pode se manifestar sobre o caso.
“O deputado federal Júnior Mano reafirma seu compromisso com a legalidade, estando à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos. A defesa confia que, ao término da investigação, sua inocência será plenamente reconhecida e informa que todas as manifestações serão realizadas exclusivamente nos autos do processo”, concluiu.
Todas as prefeituras mencionadas na reportagem foram procuradas, o espaço está aberto para manifestações. Companheiro de chapa de Bebeto, o vice-prefeito eleito de Choró, Bruno Jucá Bandeira, foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno.