Desistência de João Doria tem pouco efeito prático para terceira via, apontam especialistas
A senadora Simone Tebet teve aval da cúpula do MDB, Cidadania e PSDB para ser pré-candidata da chamada "terceira via"
O anúncio do ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) de que não irá mais concorrer à presidência da República mexe com os cálculos dos partidos que tentam viabilizar a chamada 'terceira via' - que tem agora a senadora Simone Tebet (MDB) como principal nome. Para especialistas, no entanto, a saída do tucano da disputa presidencial, embora possa ter um peso simbólico para uma futura candidatura de Tebet, tem pouco efeito prático.
Cientistas políticos apontam, inclusive, que, assim como a cúpula do PSDB decidiu 'rifar' a candidatura de Doria - ao anunciar o apoio ao nome da senadora -, o MDB pode seguir caminho semelhante. Caciques emedebistas têm se mobilizado para apoiar uma das duas candidaturas líderes nas pesquisas - a do ex-presidente Lula (PT) e a do presidente Jair Bolsonaro (PL).
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A falta de apoio dos dirigentes do partido foi citada por Doria no anúncio, feito nesta segunda-feira (23), da desistência da candidatura.
"Hoje, neste 23 de maio, serenamente, entendo que não sou a escolha da cúpula do PSDB. Aceito esta realidade de cabeça erguida. Para as eleições deste ano me retiro da disputa com o coração ferido, mas com a alma leve", disse o ex-governador.
Impasse no PSDB
O anúncio de que não irá mais concorrer ao Palácio do Planalto foi o capítulo mais recente de longo impasse em torno da pré-candidatura de João Doria.
Mesmo após a vitória nas prévias, ainda no final de 2021, a pré-candidatura de Doria continuou a ser questionada por importantes lideranças tucanas. O pré-candidato derrotado, Eduardo Leite (PSDB), chegou a renunciar ao Governo do Rio Grande do Sul e fez diversas viagens a estados para tentar viabiliar a candidatura à presidência.
Ele esteve no Ceará em abril deste ano, onde foi recebido em clima de campanha. A tentativa, no entanto, não teve sucesso e Leite pretende agora concorrer novamente ao Governo do Rio Grande do Sul.
Na sequência, nomes importantes do PSDB passaram a defender o apoio da sigla ao nome de Simone Tebet - afirmando ainda que o vice deveria vir da sigla tucana e sugerindo inclusive o nome do senador cearense Tasso Jereissati (PSDB).
Presidente do PSDB Ceará, o ex-senador Luiz Pontes elogiou a postura de Doria ao desistir da candidatura, no que caracterizou como um "amadurecimento político" do ex-governador. "Ninguém é candidato de si própria. (...) Foi muito importante a decisão do Doria, até congratulo ele", afirma.
Fortalecimento da terceira via?
Pontes apontou ainda que João Doria não conseguiu mostrar um crescimento nas pesquisas de intenção de voto e "o mais importante, que era aglutinar partidos em torno do seu nome, ele também não conseguiu". "Ficou um candidato inviável", completa.
Foram nestes pontos que Simone Tebet levou vantagem sobre o tucano. A senadora, apesar de também não pontuar bem nas pesquisas, tem chances maiores de crescer, segundo a projeção feita pelos dirigentes do MDB, PSDB e Cidadania.
Com a desistência de Doria, Tebet tem o caminho mais livre para se consolidar como a candidata da 'terceira via'. Em termos de voto, no entanto, o impacto é pequeno. O cientista político e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Adriano Nogueira, considera que a influência da desistência de Doria "é apenas simbólica, não é uma influência eleitoral".
"Porque, apesar ter feito um bom governo no estado de São Paulo, ele não conseguiu crescer eleitoralmente em São Paulo e não conseguiu conquistar votantes no Brasil".
Divisão interna
A pré-candidatura de Tebet fica, então, mais viável com a desistência do tucano? Para a coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Monalisa Soares, isso depende de como for a performance da senadora nas próximas pesquisas.
"Terá que ter um esforço grande para ela se tornar conhecida. É tudo uma projeção no caso dela. A vantagem é que as projeções são positivas, ela tem uma imagem que pode ajudar", afirma Soares.
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No entanto, a pré-candidatura agora esbarra em uma nova barreira: a divisão interna do próprio MDB. Caciques emedebistas não compraram a ideia de o partido lançar uma candidatura de terceira via. "Muitos correligionários preferiam estar em um dos lados da polarização", diz em referência as pré-candidaturas de Lula e de Bolsonaro.
"O PSDB não sustentou a candidatura de Doria. Será que o MDB vai sustentar a candidatura de Simone Tebet, sabendo que, no Nordeste, o MDB é lulista e, em algumas outras regiões, como Centro-Oeste, Sul e Norte, o MDB é bolsonarista?", exemplifica Adriano Oliveira.
"E mesmo que o partido banque a indicação, pode sofrer deserções, ou seja, essas lideranças regionais irem em um processo mais pragmático do que lhes for mais conveniente nos seus processos eleitorais".
Futuro do PSDB
Os dois pesquisadores concordam que o principal impacto da desistência de Doria é para a própria legenda tucana. Caso se confirme o cenário atual, essa será a primeira eleição desde a redemocratização a não contar com um candidato do partido.
Resultado de um "processo de desgaste" que o PSDB está vivendo, afirma Soares. "Hoje, é muito mais sobre uma crise de identidade programática do partido e sobre que segmento eleitoral eles podem atrair. As disputas relevam, na verdade, esse estar perdido, do ponto de vista da identidade programática, que o partido acumula nos últimos anos".
Para Adriano Oliveira, o PSBD "corre o risco de virar um partido do centrão". "Isto é, aquele partido que não tem candidatos competitivos à presidente da República e só tem como objetivo ter uma boa bancada parlamentar para fazer parte de alguma base de algum governo que lá esteja presente", projeta.