Defensores ‘pet’ ganham mais espaço na política cearense, capilarizam demandas e atraem eleitorado diverso
A Câmara de Vereadores da Capital teve dois de seus 43 assentos ocupados por ativistas em 2025, eleitos no ano passado

Não é de hoje que a bandeira da causa animal se converte em sucesso eleitoral no Brasil, mas o fenômeno tem mostrado mais força no Ceará nos últimos anos e meses. Além de eleger mais vereadores em Fortaleza, a pauta pet passou a contar com reforço no Executivo, com a criação de secretarias específicas e de programas consistentes.
A Câmara de Vereadores da Capital teve dois de seus 43 assentos ocupados por ativistas em 2025, eleitos no ano passado. A repercussão, contudo, levou-lhes a outros caminhos. Apollo Vicz (PSD), que chegou a assumir como suplente de deputado estadual em 2024, licenciou-se da Câmara para assumir a Coordenadoria Municipal de Proteção e Bem-Estar Animal (Coepa). A divisão vai, em breve, ganhar mais destaque no 1º escalão da Prefeitura e virar secretaria de fato, após reforma administrativa prometida pelo prefeito, Evandro Leitão (PT).
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Erich Douglas (PSD) trilhou caminho semelhante. Eleito vereador de Fortaleza, foi recentemente anunciado secretário estadual de Proteção Animal (Sepa), mas ainda não foi empossado na pasta, o que deve ocorrer até a metade deste mês.
A agenda também conta com um cearense na Câmara dos Deputados. Trata-se de Célio Studart (PSD), principal aliado de Erich Douglas. Após se eleger vereador em 2016, ele foi direto para Brasília no pleito seguinte, em 2018, e repetiu o feito em 2022, sempre com votações expressivas.
Distante geograficamente da sua base eleitoral – ainda que a presença digital tenha não só se mantido, mas se intensificado –, o deputado chegou a assumir a Sepa em 2023, logo quando foi criada, mas ficou pouco tempo no cargo. Cerca de um ano depois, o partido voltou a ter um representante no Legislativo local, já que Apollo tomou posse como suplente de deputado estadual em outubro de 2024.
Ainda que a atuação no Executivo permita dar corpo a demandas antigas, Célio vê no Parlamento um meio de reforçar o compromisso inicial do seu eleitorado, que lhe quis como legislador, e de permitir tocar a pré-campanha à reeleição.
“A criação da secretaria foi um acordo com o governador, um convite para criar a secretaria, mas eu fui eleito deputado federal, então tem outras bandeiras ali que me são importantes votar, discursar e debater”, explicou.
“Eu deixei claro ao governador que iria cumprir essa missão de criar secretaria, de tocar, de organizar. Desde o CNPJ até os primeiros programas lançados, estive presente, mas, como continuidade, percebo que a minha missão é no Parlamento, especialmente nesse período do segundo biênio (do mandato), que o parlamentar acaba tendo que ter liberdade maior para viajar para o interior”, apontou Studart.
Frente Parlamentar
É natural que figuras como essas surjam no Legislativo, espaço em que não só inicialmente a bandeira foi acolhida e catapultada a voos maiores, mas também que passou a articular melhorias com mais autoridade que os protetores independentes, por exemplo.
Pensando nisso, parlamentares têm buscado deixar a suas marcas nas câmaras municipais, nas assembleias legislativas e no Congresso Nacional. Apollo Vicz protocolou nove projetos entre outubro e dezembro do ano passado. Já em 2025, como vereador, não apresentou propostas à Casa, já que tirou licença para assumir a Coepa no dia 2 de janeiro.
“Praticamente parimos os projetos, que não existiam. Mas não é tão simples, a tramitação demanda tempo. No Executivo é diferente – claro, tem limitações, depende das verbas, das articulações –, mas é bem mais fácil porque a gente tá com a caneta na mão”, avalia o secretário municipal.
Uma das propostas apresentadas trata da criação do Programa Auxílio Protetor no âmbito do Estado, destinado à assistência financeira a protetores independentes que cuidam de animais. Esta também é uma das principais bandeiras de Apollo na administração fortalezense.
Erich Douglas, por sua vez, preferiu manter o mandato na Câmara Municipal por mais tempo para acelerar o desempenho legislativo. Os trabalhos na Casa foram retomados no último dia 1º, mas desde janeiro até a última quinta-feira (6), 44 propostas foram apresentadas por ele (sendo 18 sobre a causa animal).
Ele destaca os projetos de indicação que buscam criar uma Farmácia Veterinária Popular em Fortaleza e ampliar o horário de funcionamento da Clínica Veterinária Jacó, localizada no bairro Passaré, para 24h. O vereador também trabalha na criação de uma Frente Parlamentar da Causa Animal e Ambiental, e já começou a colher as assinaturas necessárias para a sua instalação.
Assim como Apollo, Erich vê no Executivo um espaço para ampliar a sua atuação. “Eu acredito que vou conseguir, pela secretaria, sair dos limites de Fortaleza, e expandir politicas publicas para os animais por todo o Ceara. A gente sabe que nem todos os municípios têm politicas públicas voltadas para os animais devido a questões orçamentárias e até a cultura”, disse.
Voto na lupa
A bandeira apareceu nas eleições de 2024 de muitas formas: seja na campanha de rua, seja no nome de urna, candidatos buscaram fazer uma vinculação direta com a pauta no Ceará. Dez postulantes traziam termos como “defensor (a)”, “cuidador (a)” ou “animal/animais” no nome de urna e ficaram ao menos na suplência. Muitos outros adeptos da causa animal não usaram esse artifício e tiveram desempenhos diversos, como Apollo e Erich.
Ao analisar a incidência do voto sobre essas duas figuras, percebe-se um distanciamento do escopo do “vereador de bairro”, aquele que concentra mais votos em determinado território. Em Fortaleza, apenas oito parlamentares foram beneficiados por essa centralização da influência, com cerca de 30% ou mais do eleitorado nesse perfil, segundo dados da Justiça Eleitoral.
O caso de Apollo e Erich é diferente, e o motivo é simples: pautas como meio ambiente e causa animal, defendidas por eles, não dependem de territorialização para prosperar. Segundo Paula Vieira, socióloga, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), esse assunto encontra eco em um eleitorado mais pulverizado pela cidade. Considerando apenas o bairro onde foram mais votados, ambos têm, nesses territórios, uma fatia inferior a 5% do eleitorado.
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Ambos, inclusive, descrevem-se como “apartidários”, o que reforça a capilarização de suas ideias, conforme fontes ouvidas pelo PontoPoder. Uma lupa pelas candidaturas vitoriosas também mostra certo protagonismo do PSD nesse sentido em solo cearense. A sigla dispõe de recursos de campanha volumosos em todo o País, mas, ao observar o resultado de ambos os eleitos em Fortaleza, não se percebe como fator decisivo no desempenho nas urnas, apesar de ajudar bastante a caminhada.
Os valores repassados pelo partido para as duas candidaturas em Fortaleza foram bem diferentes, mas os resultados, similares. Apollo, que recebeu apenas R$ 30 mil da direção nacional do PSD (totalizando uma arrecadação de R$ 34 mil nas eleições), levou 12.772 votos. Já Erich, recebeu R$ 630 mil da sigla (totalizando R$ 712 mil de receita) e foi votado por 13.250 fortalezenses.
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Ainda assim, juntos, eles não chegaram ao volume do eleitorado de Célio Studart nas eleições de 2016. Naquele ano, quando concorreu a vereador, ele assumiu a dianteira em Fortaleza e recebeu 38.278 votos. Foi o maior número para o cargo na cidade desde então, mas também ficou muito aquém do exemplo que praticamente iniciou um fenômeno nacional, pelo menos em números absolutos.
Nas eleições de 2012, o vereador veterano de São Paulo Roberto Tripoli, filiado ao PV à época, triplicou seus votos em relação ao pleito anterior e foi escolhido por 132 mil eleitores, liderando a corrida à Câmara Municipal naquele ano. Vale destacar que o eleitorado paulistano é cerca de cinco vezes maior que o fortalezense. No artigo “O peso dos animais nas urnas: uma reflexão sobre o papel dos animais na política contemporânea”, as autoras Eveline Baptistella e
Juliana Abonizio detalham esse momento.
Em boa parte do seu material de campanha, utilizou a foto de um cachorro de raça não definida. Autor do projeto de lei que resultou na construção do primeiro hospital público veterinário do país, Tripoli não mostrou o rosto, mas foi a face mais visível de um dos fenômenos daquela eleição: por meio dos humanos, os animais foram às urnas
Em 2018, Célio já alcançou projetos maiores, ao se eleger deputado federal pelo PV com 208 mil votos – vice-líder naquele ano. Em 2022, manteve o patamar de votantes, ainda que a posição na fila da bancada cearense tenha caído levemente.
“A gente observa a maneira como ele entra na política, esses votos maximizados, uma forma dele se fortalecer é fazendo possíveis novas lideranças que o acompanham e o fortaleçam também dentro do partido – que é um interesse dele, já que toda eleição a gente vê ele tentando disputar para o executivo, e para isso ele precisa de aliados dentro do partido”, explica Paula Vieira.
Ela complementa: “então há um processo de filiação, de apoios, para tentar entrar nessa disputa intrapartidária e conseguir essa competitividade de uma maneira mais ampliada”.
Do Legislativo para o Executivo
Para a socióloga, o movimento no Legislativo cresceu de tal forma, que passou a ser “legitimado” pelo Executivo, com a criação da secretaria estadual e a promessa de estruturação da secretaria municipal da Proteção Animal. O reconhecimento, naturalmente, também beneficia aqueles que encabeçam essa discussão.
Ela aponta, ainda, que o fenômeno não é isolado na política. O mercado pet, por exemplo, começou a ganhar corpo na economia brasileira nos últimos anos. Segundo dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o Brasil acomoda mais de 285 mil empresas nesse setor, entre pequenos, médios e grandes redes de “pet shops” e clínicas e hospitais veterinários.
“Não é à toa a demanda dos cursos de medicina veterinária, porque há demanda de atendimento aos animais. Embora estejam construindo agora um atendimento público de maior alcance, eles são predominantemente particulares, e aí nos últimos anos a gente está começando a ver planos de saúde para pets, então é todo um mercado que vai se construindo em torno dessa demanda da população, pela forma como está se relacionando com os pets”, comenta Paula Vieira.
A política também se relaciona com essa dinâmica de apego e esforço pelo bem-estar dos animais. Vale lembrar que até ao menos uma década atrás, o serviço de “carrocinha”, aquele que recolhia e sacrificava cães e gatos das ruas caso seus tutores não os resgatassem em até três dias, ainda vigorava no Brasil.
Uma portaria do Ministério da Saúde publicada à época buscou estabelecer critérios mais adequados para o manejo dos animais e para o tratamento de raiva. Mas foi com uma lei federal de 2021 – de iniciativa de Célio Studart e do deputados Ricardo Izar (PP-SP) – que proibição da prática pelos órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos oficiais congêneres foi reforçada.
Nesse caso, a exceção só se aplicaria nos casos de males, doenças graves ou enfermidades infectocontagiosas incuráveis que coloquem em risco a saúde humana e a de outros animais.
Na esteira desta e de outras adequações, o Ceará passou a adotar políticas de suporte a animais domésticos e seus tutores. O VetMóvel, medida implementada pela Prefeitura de Fortaleza em 2018 com castrações, consultas clínicas e imunizações, entre outros serviços, virou um case adotado por outras instâncias do poder.
Por exemplo, o Governo do Estado passou a contar, em 2024, com o seu próprio programa de unidades móveis de atenção a animais domésticos, o Pet Ceará Móvel. Ainda com a ideia de entender a saúde animal como saúde única, que impacta diretamente a vida de humanos, a gestão estadual também implementou o projeto Pata Ceará, que também vai abranger os silvestres e os equinos.
A expectativa é conceder subsídio financeiro para custeio de alimentação e medidas sanitárias para organizações e entidades a ao menos dez abrigos neste ano. O Programa Cientista Chefe, uma parceria entre a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Educação Superior (Secitece) e a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), também busca desenvolver ações nesse sentido.
A ideia é formar uma Rede Universitária de Apoio à Proteção Animal, bem como a realização do censo da população animal, elaboração de um sistema de monitoramento e rastreabilidade animal, levantamento do número de denúncias de abandono e maus tratos, entre outras iniciativas.
A nível municipal, em Fortaleza, também há a expectativa de realizar um censo animal, mas com enfoque em abrigos e em pontos de abandono. Assim, a administração teria mais controle no manejo de políticas públicas integrativas de saúde.
“Focando só nos animais tutorados, a gente não consegue abarcar o problema. Por exemplo, quando acontecem as campanhas de vacinação, em novembro, os postos de saúde ficam cheios, mas os animais de rua ficam de fora. A raiz do problema está na rua”, aponta Apollo Vicz.
Por ter crescido em meio aos animais, no Abrigo São Lázaro, o maior do Ceará, o secretário lembra das dificuldades que já enfrentou devido a essas entidades não conseguirem arcar com o esquema vacinal dos animais amparados, entre outras necessidades. É com esse direcionamento, em articulação com outros atores políticos para reforçar recursos e outros tipos de suporte, que a nova secretaria pretende trabalhar.
“Nunca sonhei em ser politico, mas sempre fiz política na minha vida. Eu cresci dentro de uma ONG, vendo a omissão do poder publico. Hoje, a pauta é levantada em diversos lugares, mas a gente precisa de um bom direcionamento, voltado para a raiz do problema. [...] Notoriedade de verdade para a proteção animal é quando conseguirmos diminuir de fato o número de animais abandonados, de abrigos sem suporte”, projeta o secretário.