‘Vereadores de bairro’: oito dos 43 eleitos em Fortaleza têm 30% ou mais dos eleitores em um mesmo território
Distribuição de votos na Capital mostra quais vereadores apostam na fidelização do eleitorado de uma região para garantir vaga no Legislativo
.jpg?f=16x9&h=574&w=1020&$p$f$h$w=d8fe9a4)
Dos 43 vereadores de Fortaleza eleitos em 2024, oito têm cerca de 30% ou mais do eleitorado reunido em apenas um bairro da Capital. Dois desses parlamentares, inclusive, têm mais da metade dos eleitores concentrados em uma mesma área. A distribuição de votos pelo território indica um tipo específico de representante popular, aquele que aposta em ações concentradas em uma localidade para garantir uma base fiel, são os chamados “vereadores de bairro”.
Socióloga, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem), da Universidade Federal do Ceará (UFC), Paula Vieira destaca que a função de vereador é a que mais aproxima o agente político do eleitor, por conta da atuação diretamente na base municipal.
“É aquele que está voltado para aquele bairro. Ele tende a ter um corpo a corpo maior, tem relação com associações, com as escolas do bairro, com espaços comunitários e puxa essas pautas para demandas mais locais, mais vinculada com aquela localidade. É uma espécie de circunscrição informal em que se delimita de onde vêm esses votos dele”
O Diário do Nordeste mapeou as bases eleitorais dos parlamentares a partir de dados do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) sobre a votação nas eleições do ano passado. Este levantamento permitiu identificar onde cada vereador de Fortaleza foi mais votado e qual a importância da votação neste território para a soma total de votos do parlamentar.
Veja também
Eleitorado reunido
A aposta no eleitorado de um bairro garantiu a eleição do vereador Marcos Paulo (PP), mas foi por pouco. Parlamentar menos votado da Capital, ele obteve 4,8 mil votos, sendo 63,9% deles de votantes do Conjunto Palmeiras. “Se juntar com o Grande Jangurussu, que fica ao lado, chega a 80% ou 90% do meu eleitorado, porque tem muita gente aqui do Conjunto Palmeiras que vota nos bairros vizinhos”, justifica o político.
Marcos Paulo conta que é “nascido e criado” no Conjunto Palmeiras. “Faço trabalho na região desde adolescente. Com 15 anos, comecei a trabalhar com a pastoral, a fazer festa junina para as crianças e adolescentes. Em 2009, por conta do trabalho social, fui candidato a conselheiro tutelar, a pedido da comunidade, e fui conselheiro na Regional 6, que, na época, pegava aqui o bairro, então tenho um apoio bem forte aqui”, explica.
Apesar da base fiel e do desejo de articular melhorias para o Conjunto Palmeiras, o vereador também planeja defender pautas na Câmara Municipal que agreguem fortalezenses de outras regiões. “Eu quero abraçar essa bandeira das crianças e adolescentes e com isso abranger Fortaleza inteira”, afirma o político.
Além de Marcos Paulo, o vereador Chiquinho dos Carneiros (PRD) também viu sua força em um bairro lhe render espaço na Câmara de Vereadores. Dos 9,5 mil votos que obteve, 52,1% foram de eleitores do Planalto Ayrton Senna.
O eleitorado concentrado também ajudou na eleição de outros parlamentares, como Germano He Man (Mobiliza), que recebeu 10,1 mil votos, sendo 46,84% de eleitores do bairro Vila União, e Adail Jr (PDT), com 14,1 mil votos, sendo 34,85% do Antônio Bezerra.
Tiveram ainda cerca de 30% do eleitorado concentrados em um bairro os vereadores PPcell (PDT), com 32,9% dos 10,9 mil votos no Conjunto Palmeiras; Professor Aguiar Toba (PRD), com 31,24% dos 7 mil votos no Bonsucesso; Luiz Paupina (Agir) com 29,02% dos 6 mil votos na Messejana; e Ana Aracapé (Avante) com 28,02% dos 10,3 mil votos no Mondubim.
Representação popular
“Nós temos que pontuar duas coisas em relação aos vereadores de bairro. A primeira é esse vínculo territorial com aquela região, e esse vínculo territorial permite esse acompanhamento do dia a dia, então estamos falando da representação política: ele vai representar a população desse território. A segunda questão é do ponto de vista eleitoral, de estratégias eleitorais. Esses vereadores vão focar e direcionar mais as suas campanhas para essas localidades”
Paula Vieira pondera, no entanto, que esses vereadores com eleitorado mais territorial têm sido alvos de disputa de outros perfis de parlamentares. “São aqueles que têm uma busca não só por representação, mas também pela possibilidade eleitoral de angariar votos em diversos espaços sociais. Embora não seja um fenômeno novo, é a busca por nomes conhecidos — que antigamente surgiam da televisão —, mas agora têm as redes sociais para ampliar ainda mais esse escopo da competição política”, acrescenta.
Segundo a pesquisadora, no caso de uma grande cidade, para que os “vereadores de bairro” se tornem competitivos eles precisam agregar vários territórios de uma região, o que tem se tornado cada vez mais desafiador.
Veja também
“O vereador de bairro tem aqueles votos no bairro, mas, para ele atingir o quociente eleitoral, muito possivelmente ele não consiga apenas no bairro, com algumas exceções como esses citados na reportagem, mas, mesmo assim, estamos falando de 30% dos votos. Eles têm que angariar mais votos para atingir o quociente individual e conseguir se eleger, eles precisam expandir para além daquela população local, dada a competitividade política dos demais candidatos”, afirma Paula Vieira.
O desafio de ampliar a base eleitoral
Para expandir seu eleitorado, tais vereadores se deparam com outros perfis de parlamentares. Com votação pulverizada em diferentes regiões da cidade, alguns políticos podem possuir um voto mais 'ideológico' ou 'religioso'. Existem ainda aqueles que representam determinada categoria profissional.
“Temos os candidatos ligados às igrejas, que às vezes se confundem com lideranças do bairro, mas têm uma perspectiva maior de pautas vinculadas à religiosidade, em alguns casos vinculada ao bolsonarismo. Há ainda os candidatos com pautas vinculadas ao meio ambiente, à questão animal e às representações de categorias profissionais, por exemplo”, pontua a pesquisadora.
Com o uso das redes sociais, esses candidatos divulgam suas propostas e conseguem chegar a mais eleitores, pontua Paula Vieira. Pautas como meio ambiente e religião, por exemplo, são mais “difusas” e despertam interesse de eleitores de diferentes regiões da Cidade. “Nesses casos, temos uma dispersão maior dos votos alinhados a essa classificação de pautas que não necessariamente são territoriais”, afirma.
Esses perfis de vereadores são justamente aqueles que tiveram a votação mais difusa no último pleito municipal Fortaleza. Considerando apenas o bairro onde cada parlamentar foi mais votado, seis vereadores da Capital têm, nesses territórios, uma fatia inferior a 5% do eleitorado.
Inspetor Alberto (PL), por exemplo, recebeu 258 votos dos eleitores do José Walter. É lá que está a maior base eleitoral do político, contudo, só representa 3,26% dos votos recebidos por ele, um dos mais fiéis apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Ceará.
Situação semelhante ocorreu com a também bolsonarista Priscilla Costa (PL), vereadora mais votada da Capital. Entre os bairros da Capital, ela recebeu mais apoio dos eleitores da Messejana. Ao todo, foram 1,2 mil votos, uma fatia equivalente a 3,35% dos 36,2 mil votos que ela recebeu no pleito.
Em seguida, na lista de vereadores com eleitorado mais difuso, aparecem Professora Adriana Almeida (PT), que levanta a bandeira de defesa dos direitos humanos; Apollo Vicz (PSD) e Erich Douglas (PSD), da causa animal; e Ronaldo Martins (Republicanos), uma liderança religiosa da Capital.