A equipe técnica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará visitou 14 cidades-polo da Rede Cegonha — hoje chamada de Rede Alyne — para entender a efetividade da atenção materno-infantil na rede pública de Saúde do Ceará.

Como critério para definir quais cidades integrariam o escopo do levantamento, foram utilizados os índices de mortalidade infantil e materna de cada Macrorregião do estado. 

Duas macrorregiões do estado foram incluídas na fiscalização por terem os maiores índices de mortalidade materna e infantil, respectivamente: o Sertão Central e o Litoral Leste - Vale do Jaguaribe. 

As cidades Quixadá e Quixeramobim, no Sertão Central, e Limoeiro do Norte, Icó e Russas, do Litoral Leste - Vale do Jaguaribe, são as cidades incluídas no levantamento realizado pelo TCE Ceará das duas macrorregiões com médias altas de mortalidade. Somados os equipamentos das cinco cidades, foram fiscalizadas 13 unidades de saúde.

Primeira Infância

Alguns problemas se repetem nos municípios. Os mais comuns são a deficiência no sistema de referência e contrarreferência — ou seja, na comunicação entre unidades de saúde e os níveis de atenção —; o acesso insuficiente ao pré-natal de médio e alto risco; a falta de vínculo da gestante com a maternidade; e a prevalência de cesarianas sob o parto normal. 

Esta reportagem integra série produzida pelo Diário do Nordeste sobre as políticas públicas para Primeira Infância e a atuação de entes públicos para garantir a efetividade das iniciativas voltadas a crianças em seus primeiros anos de vida. 

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Cidades de outras macrorregiões também integraram a auditoria do TCE Ceará. Uma delas foi a Região Metropolitana de Fortaleza, que, ao contrário das localidades citadas anteriormente, possui os menores índices de mortalidade materna e infantil. Também foram incluídos municípios do Cariri cearense. 

Alto índice de mortalidade infantil

As cidades do Sertão Central possuem a maior taxa de mortalidade infantil: são 15,3 óbitos para cada 1 mil nascidos vivos. Em todo o Ceará, a média é de 11,72. Os dois números ainda estão acima da meta estabelecida pelo Plano Estadual de Saúde, que é de chegar a 9,5 óbitos por 1 mil nascidos vivos até 2027.

As fiscalizações nas unidades de saúde das duas cidades do Sertão Central — Quixadá e Quixeramobim — foram realizadas em outubro de 2023. Além da visita, a auditoria incluía entrevistas com os gestores responsáveis pelo equipamento. 

A equipe técnica avaliou cinco "pontos de atenção": acolhimento e acesso ao serviço de saúde; pré-natal; assistência ao parto; pós-parto imediato; e puerpério. Cada um deles contava com uma ou mais ações, que foram avaliadas com nota de 0 a 5. 

Em Quixeramobim, três iniciativas receberam nota 3 — a mais baixa dada na auditoria feita no município. Foram elas: prevenção e combate à violência obstétrica; a garantia de acompanhante no parto e a disponibilidade de apoio à amamentação. 

Contudo, a equipe técnica do TCE Ceará apontou outros problemas enfrentados por gestantes, recém-nascidos e mulheres puérperas ao serem atendidas na cidade. Dentre eles a falta de comunicação entre os níveis de atenção da rede de saúde e a dificuldade de vincular gestantes de alto risco a hospitais especializados. 

Na cidade vizinha, alguns problemas identificados em Quixeramobim se repetem. Entre os problemas identificados em Quixadá está a dificuldade de comunicação entre as unidades de saúde — no chamado de sistema de contrarreferência. 

Além disso, também há uma alta prevalência de cesarianas e uma insuficiência de adesão das maternidades ao comitê de mortalidade materna. Também foi registrada uma baixa adesão aos protocolos do pós-parto, ou seja, a recuperação materna não é acompanhada de forma satisfatória. 

Na análise feita pelo TCE Ceará, as unidades de Saúde de Quixadá receberam nota 2 justamente nesse acompanhamento à recuperação materna. Outros dois pontos que ficaram com notas menores foram a preparação para o parto (nota 2) e o monitoramento de casos de mortalidade materna evitável (nota 3). 

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"O município de Quixadá demonstra um potencial significativo para aprimorar sua assistência materno-infantil. Intervenções direcionadas, como a integração dos sistemas de informação, o fortalecimento das ações de vigilância e a promoção de práticas humanizadas, são essenciais para garantir um atendimento mais equitativo e seguro às gestantes, puérperas e recém-nascidos", diz o relatório de avaliação referente ao município.

O Diário do Nordeste procurou as prefeituras das cidades de Quixeramobim e Quixadá para saber quais medidas foram adotadas para corrigir os problemas identificados pelo TCE Ceará, mas não obteve retorno. O espaço continua aberto para manifestações. 

Taxa de mortalidade materna elevada

Já a macrorregião do Litoral Leste e Vale do Jaguaribe lidera o índice de mortalidade materna no Estado. A taxa na região é o dobro da média estadual: são 121,5 mortes para 100 mil nascidos vivos. Em todo o Ceará, o índice é de 58,5. 

Novamente, os números estão distantes das metas estabelecidas. O Brasil definiu como meta nacional a redução da mortalidade materna para, no máximo, 30 mortes por 100.000 nascidos vivos até o ano de 2030. 

Nesta localidade, foram escolhidas 3 cidades: Icó, Limoeiro do Norte e Russas. Assim como nas cidades do Sertão Central, a comunicação entre unidades de saúde ou entre níveis de atenção é um problema que atinge os três municípios desta macrorregião. 

Outro problema que se repete nas cidades da macrorregião do Litoral Leste e Vale do Jaguaribe é o acesso insuficiente ao pré-natal de alto risco — o ponto foi registrado tanto em Russas como em Limoeiro do Norte. 

Russas

Russas foi a cidade com menores notas na avaliação feita pelo TCE Ceará na região. As unidades de saúde da cidade incluídas no levantamento receberam nota 1 nos seguintes aspectos: capacitação e formação contínua dos profissionais; prevalência de partos normais versus cesarianos; e encaminhamento ágil para centros especializados.

Outros aspectos, por sua vez, tiveram nota 2 — ainda baixa na escala de 0 a 5 estabelecida pela equipe técnica do Tribunal. Receberam essa nota: 

  • A vinculação prévia das gestantes a uma maternidade específica;
  • A eficiência no sistema de referência e contrarreferência;
  • A preparação para o parto; 
  • O atendimento humanizado durante o trabalho de parto;
  • As condições do ambiente;
  • A infraestrutura adequada e suficiência de leitos obstétricos e neonatais; 

O relatório feito no município identificou ainda uma falta de exames especiais, como Doppler e Morfológico, importantes para identificar precocemente condições que geram riscos de óbitos neonatais. 

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A Prefeitura de Russas respondeu questionamentos feitos pelo Diário do Nordeste a respeito da atenção materno-infantil no município. Uma das pontuações é de que parte dos equipamentos visitados não possui gestão municipal. É o caso do Hospital e Casa de Saúde de Russas. 

Mas a Prefeitura reconhece "a necessidade de fortalecer a articulação entre a Atenção Primária e a maternidade de referência". "Nesse sentido, o município tem adotado estratégias como visitas guiadas ao centro de parto local, com transporte garantido. No entanto, a adesão por parte das gestantes tem sido historicamente limitada", pontua.

Sobre o pré-natal de alto risco, o Município explica que contratou, "com recursos próprios", um médico gineco-obstetra para atender as gestantes de alto risco. "Da mesma forma, para suprir a insuficiência na oferta de exames, o município contratou um médico ultrassonografista, com equipamento moderno, ampliando o acesso e garantindo maior qualidade diagnóstica para as gestantes", diz a nota.

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A gestão municipal pontua ainda que os exames morfológicos e Doppler são regulados para média e alta complexidade, portanto "não fazem parte das obrigações da Atenção Primária", que é o nível de atenção de responsabilidade do Município. 
  
Sobre a prevalência de cesarianas, a gestão informou que essa é uma decisão cuja responsabilidade é do médico, mas que realiza ações educativas de incentivo ao parto normal. 

"Por fim, destacamos que foi recentemente realizada uma oficina de capacitação voltada a médicos e enfermeiros da Atenção Primária, com foco na padronização da estratificação de risco gestacional e no aprimoramento da qualidade da assistência prestada. Reafirmamos nosso compromisso com a saúde materno-infantil, com a qualidade dos serviços públicos de saúde e com a melhoria contínua da rede de atenção", finaliza a nota. 

Limoeiro do Norte e Icó

Em Limoeiro do Norte, apenas a eficiência do sistema de referência e contrarreferência teve avaliação baixa (nota 2). Apesar disso, o TCE Ceará apontou outros problemas na atenção materno-infantil na cidade. 

Dentre eles, a insuficiência de estrutura para leitos neonatais, a falta de medicamentos básicos, como sulfato ferroso e ácido fólico, e o comitê municipal de mortalidade materna inativo.

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Legenda: TCE Ceará identificou problemas em cidades com maiores índices de mortalidade materno-infantil
Foto: (1) Kid Jr/ (2) Divulgação/ (3) Fabiane de Paula

Em Icó, a equipe do TCE Ceará identificou uma prevalência de partos cesarianos em relação aos normais — quase 70% dos nascimentos ocorre em cesarianas, o que levou o município a receber nota 2 neste quesito. O acompanhamento da recuperação materna também foi avaliado com nota 2 , segundo o relatório apresentado pelos técnicos do Tribunal. 

Na cidade, assim como em Limoeiro do Norte, foi registrada a ausência de um comitê local de mortalidade materna. "A falta desse recurso compromete a análise e prevenção de óbitos materno infantil por causas evitáveis", diz o documento. 

O Diário do Nordeste procurou as prefeituras das cidades de Icó e Limoeiro do Norte para saber quais medidas foram adotadas para corrigir os problemas identificados pelo TCE Ceará, mas não recebeu retorno. O espaço continua aberto para manifestações.

Créditos

Luana Barros Repórter
Jéssica Welma Edição
Wagner Mendes Edição
Louise Dutra Ilustração/Infografia
Karine Zaranza Coordenadora de Jornalismo
Ívila Bessa Gerente de Jornalismo
Gustavo Bortolli Diretor de Jornalismo