Pauta pet: como os direitos dos animais têm impactado na gestão de prefeituras no Ceará
No Interior, políticas públicas voltadas para proteção e bem-estar animal chegam a passos mais lentos
Cerca de 167,6 milhões de animais domésticos vivem no Brasil, conforme estimativa da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) divulgada em 2022. Apesar da gigantesca população, políticas públicas para cuidar da saúde e bem-estar animal ainda engatinham no País, mesmo que registrem avanços nos últimos anos. No Ceará, não é diferente.
Dos 184 municípios cearenses, Fortaleza é a única cidade a ter uma clínica veterinária gratuita e vetmóvel. Além disso, o hospital veterinário da Universidade Estadual do Ceará (Uece), que presta assistência médica-veterinária a preços populares, também fica localizado na Capital — o que acaba dificultando atendimento a baixo custo no Interior.
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O apelo da população e organizações de proteção animal tem motivado, no entanto, um olhar mais atento para a causa no meio político. O engajamento de figuras públicas com a preocupação e bem-estar animal, inclusive, já demonstrou que tem força política, sendo capaz de eleger parlamentares e de mudar discursos de gestores, como avalia o presidente da Sociedade de Proteção Ambiental no Ceará, Márcio Sousa.
Para ele, há uma migração nos discursos das gestões públicas — que antes eram mais voltados ao controle de zoonoses e, hoje, já seguem para anúncios de medidas de preocupação com assistência veterinária e proteção. Apesar de reconhecer a evolução, que reflete em políticas públicas, ele pondera que no Interior o avanço ainda está muito aquém do visto na Capital.
"As prefeituras do Interior precisam melhorar na questão da assistência médica veterinária, muitas ainda não têm vetmóvel, controle de natalidade animal. O Estado precisa ampliar também as delegacias especializadas. Às vezes, a delegacia comum não quer aceitar denúncia de maus-tratos. (...) Hoje, a sociedade está muito mais atenta, ajuda muito na denúncia de maus-tratos", acrescenta.
Pioneirismo
A valorização da pauta pela sociedade tem feito prefeituras cearenses progredirem nas leis e na implementação de políticas públicas voltadas para os animais domésticos. Fortaleza é uma das cidades pioneiras no tema. Em 2017, ainda sob a gestão do então prefeito Roberto Cláudio (PDT), a prefeitura criou a Coordenadoria de Bem-Estar e Proteção Animal (Coepa) para elaborar e executar políticas voltados sobre o assunto.
Defensora da causa animal, a ex-vereadora Toinha Rocha, que fez oposição a Roberto no primeiro mandato dele, foi convidada para ser a primeira titular da pasta. Na ocasião, lembra que não tinha um orçamento à disposição, mas que o aumento da discussão do tema na sociedade foi abrindo portas na gestão.
"Já tinha um castramóvel, tipo vetmóvel, foi entregue setembro de 2016. O vetmóvel era da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, eu fui para a entrega, mas era só o vetmóvel, não tinha remédio, veterinário. Quando eu assumi em 2017, eu fui conversar com a secretária do meio ambiente e pedi o vetmóvel, que estava parado. Fizemos um processo de cessão para a Coepa e aí começou o processo de seleção de veterinário, licitação para comprar material etc. Por conta de toda burocracia, entregamos o vetmóvel no dia 2 de junho de 2018, no Parque do Cocó. Quando eu saí da Coepa, em junho de 2020, eu deixei 10 mil animais castrados", relembra.
Ela avalia, inclusive, que outras prefeituras começaram a replicar a iniciativa com ajuda de parlamentares, que mandavam verbas de emendas para a compra do veículo. Todavia, Toinha salienta que as políticas públicas não devem ser voltadas apenas para a cães e gatos e contemplar, também, animais silvestres e outros domesticados, como galinhas, galos, bois, vacas, etc.
Para ela, a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA), entregue em 2018, precisa ser ampliada também para o Interior. A especializada é responsável por investigar crimes de maus-tratos contra animais, bem como de contrabando de animais silvestres, por exemplo.
Em 2020, a Prefeitura de Fortaleza entregou a Clínica Jacó, primeiro equipamento de assistência veterinária gratuita entre os municípios cearenses, com atendimento de diversas complexidades. O apelo à causa animal, inclusive, foi visto durante a campanha eleitoral daquele ano.
O prefeito José Sarto (PDT), que foi eleito em 2020, frequentemente atrelou a sua imagem à da sua cadela, Marrion, principalmente quando ia discutir propostas para a causa.
Primeira Secretaria de Bem-Estar Animal
Outro município que tem avançado em políticas públicas na causa animal é Maracanaú. A cidade foi a primeira a criar uma uma secretaria de Bem-Estar Animal no Ceará, em 2021, antes mesmo do Governo do Estado implementar a pasta em sua estrutura de gestão.
O órgão foi instituído pelo prefeito Roberto Pessoa (União), que também criou, neste ano, o Sistema Único de Saúde Animal (Pet SUSA). O programa promove ações de proteção, saúde, controle populacional e adoção na cidade. Segundo a prefeitura, 1.200 atendimentos são realizados por mês, em média, ao público pet. Os serviços são oferecidos de forma itinerante, pelo VetMóvel e pelo Castramóvel — este último voltado apenas para castração de cães e gatos.
O contraste com o Interior
Em paralelo com as políticas de Fortaleza e Maracanaú, prefeituras do Interior ainda estão conquistando os primeiros equipamentos e veículos para assistência na causa. A verba orçamentária e o tamanho da população são contrastes entre as cidades. Em Baturité, o prefeito Herberlh Mota (sem partido) anunciou neste mês a entrega do primeiro VetMóvel do município. O equipamento oferece castração, consulta e vacinação antirrábica de forma itinerante.
"Um equipamento itinerante que presta serviços clínicos, vacinação, consultas veterinárias a cães, gatos, destinando-se ainda a realizar castrações mediante agendamento prévio", destacou o prefeito no Instagram.
Em Paraipaba, a prefeita Ariana Aquino (Republicanos) também comemorou, por meio das redes sociais, o recebimento do primeiro castramóvel da cidade. Ambos os equipamentos foram adquiridos com apoio de emendas parlamentares.
"Depois de tanta espera, de tanta oração, o nosso castramóvel chegou. Agora, vamos iniciar a implementação da tão sonhada política pública de bem-estar animal", declarou Ariana Aquino.
Titular da recém-criada Secretaria Estadual de Proteção Animal, Célio Studart (PSD) disse que quer fortalecer a parceria com os municípios do Interior para ampliar as políticas de bem-estar e proteção para os animais. Ele esclarece, inclusive, que lei aprovada pela Assembleia vai permitir que a Pasta estabeleça convênios com clínicas veterinárias para oferecer serviços de assistência médico-veterinária de forma gratuita à população de baixa renda cadastrada no CadÚnico.
"O VetMóvel leva um tempo para chegar, tem que ser licitado, a clínica já tem o equipamento, o profissional, os insumos. Como a gente quer uma velocidade maior, a gente vai fazer convênio com clínicas particulares em todas as regiões do Estado. Inicialmente, nós vamos pegar os maiores municípios das regiões para que possa atender os vizinhos. A longo prazo, é claro, a gente quer chegar em todos os municípios"
Segundo o secretário, editais para convênios com clínicas devem ser abertos até ainda neste ano. Agora, a pasta está mapeando os municípios com maior necessidade. Todavia, encontra dificuldades porque muitas cidades ainda não têm coordenadorias ou políticas de proteção animal elaboradas.
"O que nós estamos buscando com essas coordenadorias (municipais) que já existem, ou com as próprias secretarias de meio ambiente, é uma aproximação com a Secretaria do Governo do Estado para sabermos das demandas da gestão municipais. Essa preocupação com a causa animal depende das duas esferas, tanto do Governo do Estado como municípios", frisou.
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Engajado na causa animal, Célio destaca que pelo menos 14 prefeituras cearenses já têm VetMóvel, frutos de entrega do seu mandato enquanto parlamentar. Ele ressalta que o número é maior, já que outros parlamentares também doaram equipamentos do tipo. Além disso, algumas, como Caucaia, têm pronto-atendimento médico veterinário, uma espécie de UPA, mas sem realização de cirurgia.
A Secretaria de Proteção Animal foi criada pelo governador Elmano de Freitas (PT) em agosto, com nomeação de Célio Studart, que se licenciou do cargo de deputado federal para poder assumir a pasta.
Com a promessa de ter verba própria, a Secretaria já tem projetos de lei aprovados para ajudar abrigos, organizações de proteção animal e protetores animais no cuidado e assistência médica dos pets. Além disso, a lei aprovada prevê que o Hospital Veterinário da Uece atenda gratuitamente os animais domésticos de pessoas de baixa renda cadastradas no CadÚnico. Clínicas particulares também poderão concorrer a editais para receber recursos para atender os animais da população em situação de vulnerabilidade de forma gratuita.
Para todas as ações, Célio estima que a pasta deve ter um aporte de R$ 30 milhões para realizar as ações.
Em relação aos animais exóticos e silvestres, Célio disse que o tema ainda será discutido com a Secretaria de Meio Ambiente para divisão de atribuições, tendo em vista que a fiscalização e cuidado de alguns se dá em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Criação de políticas
Célio, inclusive, ressaltou que a pasta deve ajudar as gestões municipais na elaboração de políticas públicas sobre o tema, já que muitas ainda carecem de legislação sobre o assunto. O objetivo é incentivar, também, ações educativas de proteção animal, para que a população também proteja os animais.
Pensando no fortalecimento das ações, o prefeito interino de Iguatu, Ronald Bezerra (Republicanos), anunciou a criação de duas novas secretarias municipais — uma delas a de Proteção Animal.
"A criação dessas pastas não apenas reflete nosso respeito pela dignidade de todos os cidadãos, incluindo aqueles com deficiência e nossos amigos de quatro patas, mas também destaca nosso desejo de inovar na gestão pública", destacou.
Em paralelo a esse movimento, a Secretaria da Saúde de Orós anunciou, por meio do Instagram, na última sexta-feira (22), que retornou com a eutanásia como serviço público para animais com "condições terminais ou em doenças de risco à população humana e de outros animais".
"A eutanásia é um procedimento clínico utilizado para encurtar o sofrimento do animal, proporcionando um óbito sem dor ou sofrimento, indicada para condições terminais de saúde ou em doenças de risco à população humana e de outros animais. A eutanásia deve ser realizada estritamente por médico veterinário inscrito no conselho de classe, em ambiente adequado e com garantias de bem-estar. Este serviço no nosso município será realizado apenas na confirmação por exames de que o animal tenha alguma zoonose, Leishmaniose visceral ("calazar") ou raiva por exemplo", diz a nota.
Para Toinha Rocha, defensora da causa animal, o tema é delicado. Ela acredita antes de se pensar em eutanásia, as gestões deveriam anunciar formas de controle de doenças que possam colocar outros animais em risco.
"A eutanásia não é mecanismo para acabar com a responsabilidade do poder público de controle animal. Ela é usada em últimos casos pelos médicos veterinários. A política de controle de natalidade tem que ser castração, microchipar os animais", defende.
Ações do Governo Federal
A nível federal, o Governo Lula (PT) editou um decreto neste ano instalando o Departamento de Proteção, Defesa e Direitos Animais (DPDA), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, para ampliar e acompanhar a execução de políticas públicas voltadas aos animais.
Em 2024, o órgão prevê ações de castração de cães e gatos em todas as regiões do País. As intervenções serão realizadas com aporte de emendas parlamentares e dotação orçamentária própria. Para atender as necessidades das cidades, o órgão solicita que as administrações cadastrarem os gestores públicos para participarem de curso de formação para elaboração de um plano municipal de manejo populacional ético de cães e gatos.
O Departamento aponta que em 67% dos municípios brasileiros não existem qualquer iniciativa de censo animal. Para se inscrever e ser beneficiado pelas ações de castração, os gestores devem preencher formulário disponibilizado na página do Ministério do Meio Ambiente.