Legislativo Judiciário Executivo

Como a política tem tentado mudar o papel da Guarda Municipal na Segurança Pública

Perspectiva de integração com as forças de segurança no Ceará e a discussão de diferentes propostas no Congresso Nacional colocam esses órgãos no centro do debate

Escrito por
Luana Barros luana.barros@svm.com.br
Agentes da guarda municipal caminhando por uma rua
Legenda: As guardas municipais têm ganhado destaque nas discussões sobre segurança pública
Foto: Kiko Silva/SVM

A atuação das guardas municipais e o papel delas dentro da estrutura de segurança pública no País, tem sido debatida tanto no Legislativo como no Executivo em um cenário de crescimento da violência em todo o Brasil. 

A perspectiva de que os guardas municipais podem contribuir com as forças de segurança, inclusive dando maior capilaridade ao combate contra a criminalidade, esbarra na função atribuída à Guarda Municipal pela Constituição Federal e na própria falta de estrutura de muitas instituições implementadas em diferentes cidades brasileiras. 

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No Ceará, o tema voltou à tona com o anúncio feito pelo governador Elmano de Freitas (PT), na última segunda-feira (16), de que irá lançar, nas próximas semanas, "um programa intenso de colaboração" entre as forças de segurança do Estado, como Polícia Militar e Polícia Civil, e as guardas municipais. 

A iniciativa deve garantir apoio financeiro, de qualificação e de equipamento, mas ainda não foram fornecidos detalhes de como isso acontecerá. Antes disso, prefeitos e secretários municipais de Segurança devem ser convidados para seminário, realizado pelo Governo do Ceará, para tratar do tema. 

Governador Elmano de Freitas discursa em púlpito
Legenda: Governador Elmano de Freitas apresentou proposta durante palestra no Seminário de Gestores Públicos - Prefeitos 2025
Foto: Thiago Gadelha

Como a mudança pode acontecer?

A nível federal, duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) tentam incluir as guardas municipais como órgão de segurança, garantindo maior autonomia e integrando essas entidades ao sistema de segurança pública

Caso aprovado, elas podem inclusive ser renomeadas como polícia municipal — nomenclatura que havia sido rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, em fevereiro deste ano. Antes disso, cidades cearenses, como Caucaia e Sobral, queriam mudar a nomeação do órgão, o que acabou sendo paralisado. 

Contudo, apesar do que é proposto pelas PECs, nenhuma delas especifica qual passa a ser a função da guarda municipal dentro de uma estrutura que conta com órgãos federais, como a Polícia Federal, e estaduais, como a Polícia Militar e a Polícia Civil, dentre diversos outros. 

E qual é a função da Guarda Municipal?

A Constituição Federal autoriza os municípios a criarem guardas municipais "destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações". Apesar disso, elas não são listadas como um dos órgãos destinados a garantir a segurança pública. 

Vale salientar que, apesar de ter legitimidade para a criação deste órgão, nem todas as cidades usaram essa prerrogativa. No Ceará, por exemplo, apenas 105 municípios possuem Guarda Municipal. A informação é da Associação de Prefeitos do Ceará (Aprece).

"E muitos não têm ainda uma estrutura física, de equipamentos e até de armamento e de veículos para que possam desempenhar uma boa atividade. (...) Muitos municípios criaram a guarda, mas somente com a boa vontade do prefeito, com a intenção de dar aquele plus a mais na segurança municipal", explica o presidente da Aprece, Joacy Júnior. 

Presidente da Aprece,
Legenda: Presidente da Aprece, Joacy Júnior
Foto: Thiago Gadelha

O Estatuto Geral das Guardas Municipais, legislação aprovada em 2014, detalha as competências desta entidade. Entre as responsabilidades, está:

  • Proteger da população que usa equipamentos e prédios públicos, além de serviços do Município;
  • prevenir, coibir e inibir infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais; 
  • proteger o patrimônio ecológico, histórico, cultural, arquitetônico e ambiental do Município;
  • colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social;
  • desenvolver ações de prevenção primária à violência;
  • dentre outros. 

Ao longo dos últimos anos, novas responsabilidades e garantias foram concedidas à guarda municipal, principalmente pelo Supremo Tribunal Federal

Uma delas foi a possibilidade de que todos os integrantes de guardas municipais do país tenham direito ao porte de armas de fogo, tanto durante como fora do serviço. A regra começou a valer em 2021. Contudo, a aquisição de armas por eles exige a autorização da Polícia Federal

Já em fevereiro de 2025, o Supremo autorizou que guardas municipais façam policiamento ostensivo e comunitário, podendo agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizando prisões em flagrante. Contudo, o órgão ainda não tem poder de investigação. 

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Autonomia para as guardas municipais

Duas Propostas de Emenda à Constituição pretendem ampliar o papel das guardas municipais dentro da estrutura de segurança, conferindo, inclusive, maior segurança jurídica à atuação destes órgãos nos municípios.

A PEC 37/2022, de autoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), foca na inclusão das guardas municipais e dos agentes de trânsito no artigo da Constituição que trata do tema, como forma de "como objetivo estabelecer a simetria constitucional dos órgãos do capítulo da segurança pública".

Com a inclusão, guardas municipais podem passar a ter acesso a fundos específicos de segurança e maior respaldo para porte de arma, apesar do texto não descrever qual seria a função desses agentes para não concorrerem com forças de segurança estadual e federal. 

A proposta foi aprovada pelos senadores e segue para análise da Câmara dos Deputados, onde também tramita a PEC da Segurança. De autoria do governo federal, a matéria  traz diversas mudanças dentro do sistema de segurança pública no Brasil. 

Nela, além de incluir guardas municipais no rol de órgãos dessa estrutura, o texto também trata do controle externo a qual estarão sujeitas estas instituições e descrevem a função delas como "policiamento ostensivo e comunitário". Novamente, contudo, não há um detalhamento dessa função. 

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O coordenador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará, Luiz Fábio Paiva, faz ponderações quanto aos projetos em discussão pelo Congresso Nacional. 

"Qualquer decisão do Congresso precisa considerar a diversidade e a qualidade distintas das diversas guardas municipais existentes, assim como oferecer soluções aos municípios que não dispõem de guardas", pontua. "Entendendo que não existe uma guarda municipal uniforme em todo o Brasil".

"É fundamental que o Poder Público tenha condições de avaliar as capacidades e competências de suas Guardas para iniciar um planejamento, com base também em estudos qualificados sobre os problemas de segurança pública do Estado e sobre as lacunas do trabalho oferecido pelas forças de segurança disponíveis, a fim de planejar como as guardas poderiam atuar junto às demais forças de segurança".
Luiz Fábio Paiva
Coordenador do LEV da UFC

Qual cenário no Ceará? 

Paiva explica que isso "requer tempo, planejamento e uma estratégia bem desenhada entre os governos dos municípios e dos estados".

Ele faz a mesma ressalva quando se trata do programa de colaboração proposto pelo Governo Elmano de Freitas, para integrar as forças de segurança do Estado e as guardas municipais das cidades cearenses. 

"Nós precisamos ter um desenho, um organograma, um planejamento de curto, médio e longo prazo, entendendo que esse processo precisa ter tempo, inclusive, para ser amadurecido. As coisas não podem ser atabalhoadas de forma nenhuma", explica.

O coordenador do LEV defende, principalmente, que é preciso ter atenção especial com os guardas municipais, entendendo que "ele tem uma função, ele treinou para aquela função, ele é capacitado para aquela função". “Eu tenho cidades com guardas treinados para um tipo de vigilância patrimonial. Esse guarda possivelmente não tem uma formação para atuar na área de segurança pública como um todo”, completa.

"O governo do Estado, uma vez manifestado essa disposição de alinhar o seu trabalho (as guardas municipais), é preciso que também tenha em mente essa avaliação. É preciso avaliar quais são as capacidades e competências para que, a partir de uma política pública de formação e aprimoramento e qualificação, nós possamos pensar qual o lugar de cada uma dessas guardas do Interior em uma política de segurança pública".
Luiz Fábio Paiva
Coordenador do LEV da UFC

Integração Polícia Civil e PM com guardas municipais 

Ao anunciar a integração entre as forças de segurança do estado e as guardas municipais, Elmano de Freitas disse que a ideia era criar "um programa de fortalecimento, integração, inovação tecnológica e apoio financeiro para integrar as nossas polícias com as guardas municipais".

"Nós temos mais de 4 mil guardas municipais no estado. Portanto, poderemos fazer um trabalho muito importante, juntos, com tecnologia, ação integrada, com comunicação, com integração, para que possamos trazer mais paz para o povo cearense", disse, em coletiva de imprensa.

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No comando de pastas centrais para essa estratégia, o chefe da Casa Civil, Chagas Vieira, e o secretário de Segurança, Roberto Sá, detalharam como deve se desenhar a iniciativa. 

Vieira pontuou que está sendo realizado um "diagnóstico da real situação dessas guardas municipais". "(Queremos) ter um Raio-X mesmo, um diagnóstico de como essas guardas municipais funcionam e, a partir desse diálogo junto com as nossas forças de segurança, a gente traçar uma estratégia de que forma é que essa interação e essa integração vão se dar", completa.

Secretário de Segurança, Roberto Sá, discursa em púlpito
Legenda: Secretário de Segurança, Roberto Sá, também defende proposta de aproximar Guarda das forças de segurança do Estado
Foto: Thiago Gadelha

A declaração foi feita por ele na última terça-feira (17) durante o Seminário de Prefeitos 2025. Na mesma ocasião, Roberto Sá também falou sobre o plano anunciado pelo governador e disse que será realizado um seminário, com prefeitos e secretários municipais de Segurança para conversar sobre o tema. 

O foco é falar sobre a colaboração proposta pela gestão estadual, mas também ouvir as demandas vindas das cidades. Além disso, o evento, que deve ser realizado em julho, deve contar com a presença de autoridades nacionais, como representantes da Polícia Federal e do Congresso Nacional. 

"Temos que olhar para os municípios com o papel de apoio e para que eles se sintam atendidos em uma visão mais ampla de segurança pública. (...) Nós como agentes estaduais temos que olhar para essa nova realidade e nos aproximarmos dos municípios e fazer ver, aos prefeitos e aos gestores de segurança municipal, que eles tem um suporte no Estado, criando uma relação dentro de um sistema".
Roberto Sá
Secretário de Segurança do Ceará

Presidente da Aprece, Joacy Júnior lembra que, "constitucionalmente", os municípios não possuem responsabilidade quanto à segurança pública, mas considera que tanto a iniciativa do Governo do Ceará como as propostas em andamento no Congresso Nacional possam não apenas incluir, mas dar condições de atuação às prefeituras nesta área. 

"Possa também trazer um apoio financeiro, porque, como disse anteriormente, a maioria dos municípios que tem guarda municipal hoje não tem uma estrutura muito adequada, com capacidade de combater o crime", diz.

E, portanto, antes de definir um novo papel para a guarda municipal, é necessário entender qual lugar ela ocupa atualmente e como isso pode melhorar o combate à criminalidade. 

"A gente precisa de estudos qualificados, que identifiquem quais são as capacidades e competências das guardas e, consequentemente, que identifiquem quais são as lacunas existentes hoje na política de segurança pública que essas guardas poderiam preencher", sintetiza Luiz Fábio Paiva.

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