Às vésperas dos festejos de fim de ano, como de praxe, o Congresso Nacional correu para aprovar projetos inadiáveis, como o Orçamento e as Diretrizes Orçamentárias no ano seguinte. Especificamente em 2023, esses dois assuntos ganharam uma nova camada de complexidade, já que, em agosto, passou a valer uma nova regra fiscal, que precisava de adequação nas propostas citadas.
Na última semana, a política orçamentária de 2024 foi finalmente aprovada, após meses de vaivéns, articulações e incertezas sobre o cumprimento das metas estipuladas no novo arcabouço fiscal. Da mesma forma, propostas desafiadores foram destravadas com longas negociações no Legislativo Nacional, que envolveram até uma dança das cadeiras na Esplanada dos Ministérios.
São discussões que expõem as complexas dinâmicas de articulação tanto do Governo Federal quanto da oposição, que, por vezes em cabo de guerra, conseguem avançar com pautas pendentes há décadas. Confira abaixo uma retrospectiva do Diário do Nordeste sobre as matérias encaminhadas no Congresso após tempos de discussão.
REFORMA TRIBUTÁRIA
Discutida por 30 anos até a aprovação pelo Congresso neste mês, a simplificação do sistema tributário brasileiro já foi estudada pelas gestões Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Dilma Rousseff (2011-2016), Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022), além do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em mandatos anteriores.
Agora, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária aguarda a promulgação, que deve sair na quarta-feira (20). É que o projetam o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o relator no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), e o líder do governo, senador Jaques Wagner (PT-BA).
O trâmite aconteceu da seguinte forma: a matéria passou pelas comissões e logrou aprovação na Câmara em julho deste ano. Seguiu para o Senado, que alterou o texto, demandando uma nova análise dos deputados.
O texto final, então, encaminhou a substituição de cinco impostos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) para estados e municípios; e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS) para arrecadação federal.
As novas regras também atingem os impostos estaduais IPVA e ITCMD e os municipais IPTU e Contribuição sobre Iluminação Pública.
A discussão recente sobre a reforma contou com forte mobilização de gestores públicos, sobretudo do Nordeste, que buscavam garantir a arrecadação e investimentos.
AJUDA A PREFEITOS E GOVERNADORES
Após meses de mobilizações dos gestores públicos, o Planalto enviou um projeto para garantir a compensação de perdas com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE).
Assim, o Congresso aprovou a abertura de um crédito especial de R$ 15,2 bilhões no Orçamento para compensar perdas de arrecadação após o governo anterior diminuir as alíquotas do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica etc. Com isso, principalmente as prefeituras sentiam um impacto muito forte nas contas públicas, prejudicando a prestação de serviços pelas gestões.
Foi organizada uma “greve de prefeitos” nacional, que contou com a adesão de cerca de 170 gestores cearenses. Assim, as demandas foram ouvidas e materializadas no projeto que passou pelo Legislativo. O primeiro reforço foi depositado no início de dezembro.
Às prefeituras cearenses, foram repassados R$ 208 milhões que estavam previstos apenas para 2024, considerando as perdas entre julho e setembro. Os municípios ainda recebem a 1ª parcela de compensação da queda de arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que também vem pelo FPM.
Neste caso, segundo o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), foram destinados R$ 8,7 bilhões para as mais de 5,5 mil prefeituras do Brasil.
Na mesma data, também foram feitos os depósitos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). O Ceará recebeu R$ 485 milhões em valores brutos.
ARCABOUÇO FISCAL
Dispositivo estudado desde o início da aplicação do extinto teto de gastos, o novo arcabouço fiscal instituiu medidas para garantir o custeio de políticas importantes com limites orçamentários mais flexíveis.
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), por exemplo, ficou fora do limite de despesas nesse novo regramento, permitindo uma faixa mais larga de investimentos nessa área.
O arcabouço fiscal virou prioridade para a equipe econômica do presidente Lula, demandando uma articulação complexa com o Congresso Nacional, já que o envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) dependia disso.
No fim de agosto, deputados aprovaram o projeto do arcabouço, que voltou do Senado com alterações. Cerca de uma semana depois, o Planalto sancionou a política. A discussão sobre o Orçamento de 2024 seguiu simultânea à da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que foi adaptada ao ordenamento aplicado na versão aprovada na última terça-feira (19). Já a LOA recebeu aval do Legislativo na última quinta (21).
Agora, o controle de despesas ocorre da seguinte forma: o aumento dos gastos públicos só poderá acontecer acima da inflação em uma margem de 0,6% até 2,5% de crescimento real ao ano, a depender do desempenho da economia. Esses índices são para casos excepcionais, já que a regra geral limita o crescimento da despesa a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores.
O novo arcabouço fiscal também delimita mecanismos de controle ao prever, a partir de 2025, uma queda do limite de despesas de 70% para 50%, caso o resultado primário fique abaixo do limite mínimo da banda.
MINIRREFORMA ELEITORAL
Não é novidade que em ano pré-eleitoral o Congresso acelera a análise de mudanças na legislação eleitoral, a fim de simplificar processos, adequar novidades e acomodar benesses a candidatos e partidos. A investida em questão avançou porque reuniu interesses da base e da oposição, que votaram quase unidas pela aprovação das duas propostas do pacote.
A minirreforma tramitou com dificuldade pela Câmara neste ano, até ser aprovada no começo de setembro. Apesar do esforço dos deputados, o texto ficou parado no Senado, que teria menos de um mês para votar a proposta, o que inviabilizou a sua aplicação em 2024.
De toda forma, a Câmara já estabeleceu longas diretrizes que, se respeitado o prazo em legislação, podem valer para 2026. São textos que buscam reverter alguns tópicos da reforma de 2017 e flexibilizar outros instituídos em anos anteriores.
A minirreforma em questão prevê mudanças no cálculo das sobras eleitorais; extende o cumprindo das cotas de gênero às federações, e não por partidos individualmente; autoriza a doação de campanha por Pix; altera o calendário eleitoral; entre outros pontos.
MARCO TEMPORAL
Cabo de guerra entre povos indígenas e setores empresariais, a tese do marco temporal para a demarcação de territórios originários ganhou espaço nas discussões jurídicas e legislativas nos últimos anos. Em 2023, nessas duas instâncias, houve desfechos importantes: no Supremo Tribunal Federal (STF), a tese foi rejeitada, enquanto no Congresso foi validada e acompanhada de outras formas de exploração das terras indígenas (TIs).
A proposta aprovada no Legislativo tramitava timidamente desde 2007, mas ganhou força em 2021, quando o Supremo iniciou o julgamento sobre o tema. Por quase dois anos, contudo, a discussão foi paralisada no Congresso novamente, sendo retomada apenas em abril deste ano, quando a então presidente do STF, ex-ministra Rosa Weber, marcou uma nova data para a retomada do julgamento.
Em maio, os deputados aprovaram o texto por 283 a 155 votos. Seguiu para a Casa Alta, recebendo o aval dos senadores em plenário no fim de setembro. Em outubro, o Governo Federal sancionou a lei com vetos parciais, cuja maioria foi derrubada pelo Congresso na última semana.
Pelo Supremo, o marco que restringe a demarcação de TIs àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da nova Constituição Federal, é inconstitucional. Para o Legislativo, não.
Além de contrariar o entendimento-base do STF sobre o assunto, deputados e senadores proibiram a ampliação de terras já demarcadas; permitiram a instalação de bases e outras intervenções militares nos territórios; autorizaram o exercício de atividades econômicas por indígenas e não-indígenas nas terras protegidas, entre outras medidas.
Os vetos mantidos dizem respeito à possibilidade de a União direcionar terras indígenas que não atendam à finalidade de reserva para outras destinações; ao uso de transgênicos em terras indígenas; e regras sobre contato com indígenas isolados.
MEDIDAS PROVISÓRIAS
No primeiro dia de mandato, o Governo Lula institui uma série de medidas provisórias (MP) para aplicar, de imediato, políticas e diretrizes importantes para a gestão. A nova divisão ministerial, o aumento do salário mínimo, o Bolsa Família, o Auxílio Gas, entre outros, são exemplos disso.
Esse tipo de dispositivo deve ser analisado pelo Congresso em 120 dias, senão perde a validade. Já em abril, a proximidade do prazo movimentou a articulação política do Planalto junto ao Legislativo, que iniciou as atividades, em fevereiro, com 27 MPs instuídas.
Algumas caducaram, enquanto outras passaram com intensas negociações e no limite dos prazos. Entre as que perderam validade estão as que transferia o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Ministério da Fazenda – ou seja, o órgão foi mantido com o Banco Central –, que extinguia a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e que instituía o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
DESONERAÇÃO DA FOLHA DE PAGAMENTO
Demanda forte dos grandes setores da economia e de pequenos municípios, a prorrogação da desoneração da folha de pagamento, que vigora desde 2012, foi aprovada pelo Senado em outubro. O presidente Lula, contudo, vetou integralmente o projeto no fim de novembro, já que era um desejo da equipe econômica discutir esse tópico concomitantemente à segunda fase da reforma tributária, em 2024.
Assim, a contribuição previdenciária por setores que empregam muita mão de obra, como é o caso do setor de serviços, por exemplo, ficaria em 20% sobre a receita bruta – e não mais entre 1% e 4,5% – a partir de janeiro. Mas o Congresso reagiu e derrubou o veto presidencial no último dia 14, mantendo a desoneração por mais quatro anos e destravando uma pauta discutida há mais de dez anos.
Os 17 setores beneficiados são: confecção e vestuário; calçados; construção civil; call center; comunicação; empresas de construção e obras de infraestrutura; couro; fabricação de veículos e carroçarias; máquinas e equipamentos; proteína animal; têxtil; tecnologia da informação (TI); tecnologia de comunicação (TIC); projeto de circuitos integrados; transporte metroferroviário de passageiros; transporte rodoviário coletivo; e transporte rodoviário de cargas.