Legislativo Judiciário Executivo

Ajuste fiscal da Prefeitura de Fortaleza prevê restrições caso despesas superem 95% das receitas

Até o terceiro bimestre de 2025, essa relação em Fortaleza estava em 94%; conheça as 10 medidas do projeto

Escrito por
Ingrid Campos ingrid.campos@svm.com.br
(Atualizado às 17:58)
Plenário da Câmara Municipal de Fortaleza durante sessão. Na mesa diretora, estão parlamentares sentados, com bandeiras do Brasil, do Ceará e de Fortaleza ao fundo, além de um crucifixo na parede. À direita, um vereador fala na tribuna, enquanto é transmitido em um telão com o brasão da Câmara. Há vereadores e assessores sentados nas cadeiras semicirculares, alguns utilizando celulares ou fazendo anotações.
Legenda: Vereadores podem apresentar emendas ao projeto.
Foto: Érika Fonseca/CMFor

O prefeito Evandro Leitão (PT) enviou um projeto com 10 medidas para a Câmara Municipal de Fortaleza visando fazer ajustes na política fiscal da cidade, podendo impactar concursos públicos, reajustes salariais, criação de cargos, progressões de carreira, majoração de auxílios e indenizações e outras cinco áreas. A proposta foi lida em plenário nesta terça-feira (23) e aprovada na Comissão Conjunta de Constituição e Orçamento (CCCO) em sequência.

A medida passará a valer automaticamente quando a diferença entre receitas e despesas supere o índice fixado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 95%, nos 12 meses anteriores. Se assim for, os servidores do Executivo e do Legislativo podem ficar sem reajuste salarial nos próximos anos, por exemplo.

Entre outros tópicos, a matéria veda a concessão de "vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração" de servidores e empregados públicos do Município nesses casos. Os dois Poderes ainda ficam desobrigados de fazer compensações futuras relacionadas ao arrocho. 

Conforme Certidão de Operações de Crédito Municipal elaborada pelo Tribunal de Contas do Ceará (TCE-CE), até o terceiro bimestre de 2025, essa relação em Fortaleza estava em 94%

Veja quais medidas previstas no projeto

  1. Concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos;
  2. Criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa;
  3. Alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
  4. Admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas: as reposições de cargos de chefia e de direção que não acarretem aumento de despesa; as reposições recorrentes da vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios; e as contratações temporárias de que trata a Constituição Federal;
  5. Realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas na Constituição Federal;
  6. Criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza;
  7. Criação de despesa obrigatória;
  8. Adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação;
  9. Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções;
  10. Concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária.

O início da tramitação mobilizou sindicatos, que planejam protestos na Câmara Municipal nos próximos dias. O temor é que a medida enfraqueça a campanha salarial que começa em novembro, além de outros direitos, como os Planos de Cargos, Carreiras e Salários (PCCSs). 

Líder do Governo Evandro na Casa, o vereador Bruno Mesquita (PSD) disse estar aberto ao diálogo com as categorias. "Nunca fiz uma matéria sem diálogo. Nem tudo é como o servidor quer, nem como a Prefeitura quer", declarou.

Nessa quarta (24), antes da sessão, a tradicional reunião entre a presidência da Câmara, representada por Léo Couto (PSB), e vereadores deve ter o projeto como pauta. Eventuais emendas à proposta também serão discutidas, segundo Mesquita. 

"Ao mesmo tempo que penaliza o servidor, a Prefeitura manda um projeto de refinanciamento, que possibilita o abatimento de quase 90% de dívidas dos empresários com a Prefeitura, que onera muito o Município. [...] Já prevendo que neste ano vai fechar acima dos 95%, está construindo um cenário para o ano que vem", destaca Eriston Ferreira, presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados Públicos do Município de Fortaleza (Sindifort). 

O PontoPoder buscou a Prefeitura de Fortaleza para pronunciamentos sobre a discussão. Quando houver retorno, a matéria será atualizada.

Entenda o projeto

Essas medidas também podem ser adotadas, no todo ou em parte, preventivamente, antes mesmo de a relação entre despesas e receitas atingir os 95%. Para isso, basta que atinjam os 85%. Nesse caso, a execução será feita por atos do prefeito, com vigência imediata, facultado ao Poder Legislativo e órgãos autônomos implementar as mudanças em seus respectivos âmbitos. 

Ao atingir o percentual máximo, contudo, o ônus entre em vigor automaticamente para os dois Poderes. São submetidas ao mesmo regime, ainda, a criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, a admissão de pessoal e a realização de concursos públicos.

A proposta também cita os PCCSs, uma vez que proíbe a alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa após períodos de baixo superávit fiscal. 

A criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que gerem ampliação de gastos com subsídios e subvenções é mais um ato vedado nesse caso. 

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Outro tópico que merece atenção é extensão da norma de contenção aos atos de criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, de membros de Poder, de servidores ou de seus dependentes. A exceção é reservada aos casos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da vigência da lei em discussão.

Para o dirigente do Sindifort, isso pode afetar o pagamento de R$ 45 milhões em anuênios atrasados, cujo acordo previa depósitos em 55 parcelas. Como a Justiça ainda analisa a forma de pagamento desse valor, a questão não estaria resolvida a tempo de não ser atingida pelas restrições.

Na justificativa do projeto de lei, a Prefeitura de Fortaleza diz que, assim, visa "instituir um instrumento preventivo e corretivo de gestão fiscal, voltado à preservação do equilíbrio das contas públicas municipais, em consonância com os princípios da responsabilidade fiscal, transparência e sustentabilidade orçamentária". 

No mesmo texto, a gestão argumentou que esses dispositivos "não implicam renúncia de direitos adquiridos nem afastam o cumprimento de dispositivos constitucionais e legais vigentes, mas, ao contrário, fortalecem a responsabilidade fiscal, garantindo previsibilidade, segurança institucional e proteção ao erário".

O que diz a prefeitura

Através de nota, a Prefeitura afirmou que o projeto não visa reduzir direitos dos servidores públicos municipais, mas, sim, somar esforços para assegurar a saúde fiscal para "honrar os compromissos" com a população e servidores.

Veja nota na íntegra:

A Prefeitura de Fortaleza trabalha para que o município possa garantir uma gestão fiscal sustentável, condição necessária para a oferta de políticas públicas para sua população.

Durante todo o ano de 2025, após três verificações realizadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Ceará, a Prefeitura vem cumprindo com o dispositivo constitucional na relação entre despesas correntes e receitas correntes, garantindo o equilíbrio fiscal do Município.

O projeto em questão não visa reduzir direitos dos servidores públicos municipais. Pelo contrário, soma-se aos esforços da gestão para assegurar a saúde fiscal do município, de forma que a Prefeitura possa honrar os compromissos com a sua população e seus servidores. 

Integra uma série de medidas - como a redução no número de cargos, revisão de contratos, vedação a patrocínios e readequação salarial do alto escalão - para que Fortaleza volte a ter nota B no índice de Capacidade de Pagamento (Capag), que foi rebaixado para C, em virtude dos resultados apresentados em 2024.

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