Número de cearenses nas universidades mais que dobra: quais os impactos para a economia?

Conforme dados do Inep, o número de vagas ofertadas por instituições de ensino superior privadas cresceu 447% no estado entre 2010 e 2021

Escrito por Heloísa Vasconcelos , heloisa.vasconcelos@svm.com.br
universitários em laboratório de informática
Legenda: O aumento de instituições de ensino superior privadas desde a década de 1970 ampliou a oferta de vagas, popularizando o acesso à graduação
Foto: Ares Soares/Arquivo DN

A possibilidade de ter um diploma de ensino superior pendurado na parede tem se tornado mais acessível para cearenses nos últimos anos, e isso traz impactos positivos diretos para o mercado de trabalho e para a qualidade de vida no estado.  

O aumento de instituições de ensino superior privadas desde a década de 1970 ampliou a oferta de vagas, popularizando o acesso à graduação para além das universidades federais e estaduais e possibilitando que mais calouros tenham tido cabelos cortados e rostos sorridentes pintados de tinta.

De acordo com os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a oferta de vagas para o ensino superior saltou de 56.340 vagas em 2010 para 250.486 em 2021, um crescimento de 345% contabilizando apenas a modalidade de ensino presencial. Enquanto as vagas na educação pública aumentaram em 55% no período, na privada, a alta foi de 447%

A maior disponibilidade de vagas reflete diretamente no número de profissionais com superior completo no mercado de trabalho cearense. Considerando dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, para o mesmo período, há um aumento de 51%, mas, pegando a série desde 2006, o número mais que duplica.  

O aumento leva uma mudança na estrutura do mercado de trabalho cearense, refletindo uma redução de cargos que exigem uma menor qualificação (até médio incompleto) e um aumento em posições que oferecem salários mais altos, como as que exigem superior completo, mestrado e doutorado. 

Para economistas, a relação positiva entre o aumento do número de pessoas formadas e o crescimento econômico já é uma verdade provada. Apesar da melhora nos últimos anos, o mercado de trabalho cearense ainda precisa evoluir para conseguir absorver o contingente de pessoas qualificadas.  

Crescimento da educação superior no Ceará 

O ensino superior começou no estado em 1903 com a Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), mas o número de instituições de ensino só começou a crescer na década de 1970, com o surgimento da Universidade Estadual do Ceará (Uece) em 1975 e da Universidade de Fortaleza (Unifor), primeira universidade particular do estado, em 1973. 

De lá pra cá, o número de instituições de ensino superior tem crescido, aumentando as vagas disponíveis para novos calouros. Além dos campi da UFC e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) no interior, as universidades particulares tiveram grande participação nesse crescimento. 

O professor do Departamento de Economia Agrícola, Vitor Hugo Miro, ressalta que essas instituições particulares possibilitam que o acesso à universidade chegue a mais pessoas. 

“A ampliação das vagas de ensino superior por rede pública tem limitações, envolve gasto público. A particular entra como um complemento, é uma oferta de oportunidade de qualificação para um número maior de pessoas”, destaca.  

De acordo com o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE), o Ceará conta hoje com 93 instituições de ensino superior (IES) que oferecem cursos presenciais e 82 que oferecem cursos na modalidade de educação a distância (EAD).

A professora Graça Bringel, presidente do Sinepe-CE, cita estudo da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) que aponta que as matrículas em instituições de educação superior do Ceará cresceram mais que o dobro da média nacional entre 2010 e 2016, “Enquanto o crescimento médio anual do país foi de 4% no período, o Ceará atingiu a marca de 9,5%”, coloca. 

Para ela, o avanço das IES particulares segue e estimula o ritmo do crescimento econômico cearense.  

“A educação é essencial para o desenvolvimento econômico de um país. Esse conceito é ainda mais verdadeiro e imperativo no contexto econômico do Ceará, numa região que tem enfrentado dificuldades históricas relacionadas à seca e outros problemas geopolíticos”, diz. 

Educação e crescimento econômico 

Victor Miro afirma que a relação entre escolaridade e renda existe tanto na teoria econômica como na análise empírica. Ele explica que pessoas que acessam um maior nível de educação conseguem, naturalmente, cargos que remunerem melhor, melhorando sua qualidade de vida. 

Ele acrescenta que as universidades por si só têm potencial de gerar externalidades positivas para a economia. 

A gente tem um efeito na economia de externalidade. É um aumento que se espalha por outros setores, gera aumento de postos de trabalhos, novos empregos. Permite que empregos diferentes sejam gerados. Dentro da universidade, as pessoas mais qualificadas podem empreender mais. Às vezes a pessoa não consegue um posto na área de formação, mas empreende. Em um serviço público ela pode ser mais produtiva”.
Victor Hugo Miro
Professor do curso de economia agrícola da UFC

O estudo Evidências Socioeconômicas Recentes do Ceará, do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), mostra que houve em 2022 uma penetração maior de pessoas com maior escolaridade no mercado de trabalho. 

Apesar de o mercado de trabalho cearense ainda ser formado majoritariamente por pessoas com formação de ensino médio, houve um aumento de 4.4 pontos percentuais nos profissionais empregados que possuem ensino superior. 

Essa tendência pode ser vista através dos últimos anos pelos dados da Rais. Considerando os números entre 2006 e 2021, o Ceará saiu de 143.787 profissionais graduados para 319.185. O número de mestres aumentou 17 vezes e o de doutores, 18 vezes. 

Esses números mostram uma clara melhoria no mercado de trabalho cearense, segundo o analista de políticas públicas do Ipece, Alexsandre Cavalcante. 

“Tem uma queda nos postos de menor qualificação e um aumento nos postos de maior qualificação. Se você observar, o número de pessoas analfabetas caiu 40%. A estrutura da mão de obra no mercado de trabalho cearense tem melhorado. Hoje a gente pode observar no mercado trabalho uma clara mudança de qualificação”, afirma. 

Além de aumentar em número, as instituições de ensino superior também se espalharam espacialmente, proporcionando oportunidades para alunos cearenses longe da Capital. Alexsandre Cavalcante considera que justamente por isso o número de doutores empregados aumentou tanto nos últimos anos – para trabalhar nessas novas universidades. 

Os efeitos da interiorização do ensino superior são positivos para a inclusão de alunos, mas também se refletem no desenvolvimento das cidades, como aponta a doutora em Ciências Econômicas e docente nos Cursos de Economia e Finanças na UFC Campus Sobral, Celina Oliveira. 

“A existência de uma instituição de ensino em uma cidade do interior traz um maior dinamismo econômico, muito maior do que se não existisse, principalmente no setor de serviço e comércio. A renda vem dos funcionários, dos docentes, dos alunos. A renda desse grupo que está em torno da universidade acaba circulando dentro dessas cidades e aí você cria geração de demanda de bens e serviços. A tendência é que no longo prazo essas cidades se desenvolvem mais”, reflete. 

Democratização do acesso 

Mais que criar universidades, foram necessárias políticas públicas para possibilitar que mais alunos conseguissem arcar com a educação particular. Programas de financiamento e bolsas como o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) e o Programa Universidade Para Todos (Prouni) colaboraram na criação e na ocupação de vagas na universidade. 

Foram 162.465 contratos do Fies entre 2010 e o primeiro trimestre de 2023, conforme dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Apesar de o programa ter começado em 1999, o FNDE não possui os dados de bolsistas entre 1999 e 2009, quando a Caixa Econômica Federal atuou como agente operador e financeiro do Fies.

A reportagem solicitou os dados de anos anteriores a 1999 ao FNDE, que indicou a Caixa. Entretanto, a instituição afirmou que os dados são do FNDE. Até a publicação da matéria, nenhum dos citados informou os dados do Fies. 

“A gente consegue observar por dois canais. O primeiro canal, que a gente vê até de forma mais direta, é que facilita o financiamento. Muitas pessoas poderiam não ter acesso por condições econômicas, então o Fies ajuda muito na demanda. Pelo lado da oferta, quando as universidades particulares observaram o Fies se gerou um incentivo para aumentar vagas”, explica Victor Miro. 

Celina acrescenta que a população de baixa renda teria tido mais dificuldade para acessar o ensino superior não fosse o Fies ou programas de bolsas. 

“Houve uma expansão do ensino superior puxado pelo setor privado, mas para a população ter acesso a isso precisa ter renda, e a gente sabe que a nossa população é em boa parte de baixa renda. O que possibilita a junção de uma demanda pelo ensino superior e uma oferta de vagas é o Fies”, cita. 

Contudo, o número de bolsas e financiamentos desacelerou desde 2015 e teve quedas na pandemia, prejudicando estudantes e as próprias instituições de ensino. 

“As dificuldades econômicas dos jovens que desejam cursar o nível superior nas instituições particulares requerem financiamento tais como Fies e Prouni. Após 2015, o Fies vem diminuindo o financiamento aos estudantes. A maior consequência disso é que menos jovens ingressam nas faculdades particulares. O futuro fica, assim, comprometido. Tanto das IES, como dos estudantes”, alerta Graça Bringel.  

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