Investir em saúde e segurança do trabalhador gera retorno financeiro, diz Veridiana Soárez, do Sesi
Em entrevista ao Diálogo Econômico, a superintendente do Serviço Social da Indústria (Sesi Ceará) destaca a importância do bem-estar social para a produtividade dos trabalhadores, principalmente diante da pandemia
Prestes a completar 73 anos no Ceará, o Serviço Social da Indústria (Sesi) encara novas perspectivas para o setor diante do pós-pandemia. Com foco no trabalhador da indústria, a entidade ligada à Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) consolida ações para garantir qualidade de vida aos profissionais.
No comando do Sesi desde 2018, a superintendente Veridiana Grotti Soárez salienta que a pandemia foi responsável por trazer à tona a necessidade de as empresas garantirem suporte para os trabalhadores por um programa integral com foco na saúde física e mental.
Entrevistada desta semana no Diálogo Econômico, Soárez pretende trazer inovação e previsibilidade para a indústria, de modo que as empresas alcancem melhores resultados mesmo diante das dificuldades. Para isso, ela destaca importância da automação e da capacitação de pessoal.
Entre as ações, está o Centro de Inovação SESI Economia para Saúde e Segurança (CIS), responsável por concentrar pesquisadores para desenvolver soluções personalizadas a partir da demanda da indústria.
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Veja a entrevista completa:
A pandemia tem afetado diretamente indústria, comércio e sociedade civil. Como o SESI Ceará atuou para auxiliar a indústria e a sociedade na pandemia desde o ano passado até agora? Quais ações foram implementadas para essa promoção?
O Sesi atuou em dois pilares. Compramos e doamos ventiladores para o Governo do Estado e para Fortaleza, doamos máscaras de tecido para as empresas. Compramos insumos para fazer face shields, também compramos insumos para a fabricação do Elmo. Neste ano, o Sesi da Parangaba é um posto de vacinação da Covid-19. Temos seis salas de acolhimento e a proposta é que 500 pessoas sejam vacinadas por dia. A operação é toda da Prefeitura de Fortaleza, mas o espaço é do SESI.
Focada na indústria, criamos uma cartilha de retorno em segurança em parceria com os sindicatos com os protocolos de segurança. O Sesi trabalha para o trabalhador da indústria, mas se preocupa também com o entorno dele, cuidamos dos descendentes, ascendentes e também da comunidade.
Isso ficou muito óbvio durante a pandemia, porque se você cuida da saúde do trabalhador dentro da indústria, mas você não cuida do ambiente que ele está inserido fora, ele pega doença e traz para a indústria. A gente percebe que a prevenção é a melhor coisa e é bem mais barato tanto para indústria, quanto para pessoa e para nós enquanto prestadora de serviço.
Pensando no pós-pandemia, a rede vem trabalhando com algum tipo de ação para dar suportes aos industriais nesse novo momento?
A gente percebeu que esse momento de pandemia não mexeu só com a saúde física, mas também com a saúde emocional das pessoas e esse é um trabalho que agora a gente continua fazendo, trabalhar programas de saúde mental, porque as pessoas não estão voltando com a mesma produtividade, proatividade, porque as pessoas estão preocupadas.
É preciso trabalhar esse profissional de forma integral, trabalhar o corpo, a mente, a autoestima do trabalhador e de quem o envolve. Esse serviço de saúde mental já tínhamos, mas estamos estruturando programas específicos. Queremos trazer um psiquiatra para o nosso quadro para garantir a completude, pois já temos o serviço de psicologia. Também estamos buscando contratar fisioterapeuta para tratamento pós-Covid para ajudar quem teve a doença de forma mais grave que precisa dessa reabilitação.
O trabalho do Sesi é garantir que o trabalhador veja o ambiente de trabalho seguro e que a segurança tem importância e vai além da obrigação legal. Além disso, queremos que gestores e direção consigam verificar que cuidar da saúde do trabalhador indiretamente aumenta a produtividade. Se eu estou num ambiente que eu estou bem, a minha produtividade com certeza vai ser melhor.
Com a pandemia, as empresas e indústrias tiveram de prezar ainda mais pela saúde do trabalhador. Essa tendência deve continuar?
Com certeza, a gente já tinha antes pandemia empresas grandes que já conseguem entender que investir em saúde e segurança é realmente investimento e tem um retorno financeiro. Ainda há muito estigma de se achar que é despesa.
No CIS, nós temos uma calculadora do retorno sobre o investimento, que foi desenvolvida em parceria com a Universidade Johns Hopkins. Fizemos a análise do perfil de saúde da indústria e conseguimos comprovar estatisticamente o quanto você investe em saúde e segurança do trabalhador e quanto você tem de retorno financeiro. No entanto, trazer essa mentalidade para as empresas menores ainda é um desafio.
Com a pandemia, as empresas que ainda não tinham essa percepção começam a ter, porque o custo de um trabalhador faltoso ou com baixa produtividade é muito grande na empresa. Se você começa a faltar, ela vai te desligar. Então, ela já tem o custo de rescisão de te desligar, vai ter que contratar outra pessoa. A curva de aprendizado daquela outra pessoa demora.
Precisamos começar a trabalhar hoje para no futuro não termos problema.
Algo que eu gosto de falar para minha equipe aqui é que a gente tem que chegar no futuro antes da indústria chegar, porque quando você chegar, a gente vai abrir a porta e falar: seja bem-vindo ao futuro. E quando é o futuro? Pode ser amanhã. A gente tem que prever o que a indústria vai precisar antes dela precisar. Porque se ela já estiver precisando, já não é mais preventivo e vai ser mais caro.
Ainda estamos vivendo esse processo, com a vacinação avançando, mas ainda são necessários os cuidados. Como a instituição tem incentivado ou mesmo acompanhado o cumprimento dessas diretrizes?
Nós temos um contato muito próximo com os sindicatos, aqui dentro da Fiec nós temos 40 sindicais patronais, e estamos sempre emitindo esses comunicados de incentivo à vacinação dos trabalhadores, por exemplo, e do cumprimento dos protocolos.
Vamos lançar nas próximas semanas três vídeos curtos do nosso médico do trabalho falando sobre a vacinação, sobre a importância, por que me vacino e por que tomo a segunda dose.
Temos essa preocupação, pois a gente está falando de saúde pública, populacional, a minha falta de saúde gera consequências nos outros. Incentivar o uso da máscara, do distanciamento e dos cuidados necessários.
Desde sua implementação, quais os resultados já obtidos para o Centro de Inovação SESI Economia para Saúde e Segurança (CIS)? As empresas têm buscado esse serviço?
O CIS começou em 2015 numa proposta do departamento nacional do Sesi para trazer inovação. São nove centros com temáticas diferentes. São dados de saúde extremamente confidenciais, em que é levantado o perfil da empresa. Com isso, a gente customiza o programa. Ele tem uma aderência muito grande para todas as indústrias, mas as que percebem essa necessidade são as médias e grandes ainda. Nosso grande desafio é levar isso para as pequenas.
Já conseguimos fazer com que indústrias antecipassem problemas que poderiam ter com a saúde de trabalhadores, por exemplo, e para garantir a segurança. A gente monetiza tudo para a empresa e mostra onde ela pode trabalhar para não diminuir gastos, em que deve investir, etc.
Além disso, queremos ser reconhecidos como um produtor de dados qualificados de saúde e segurança. A gente quer consolidar a imagem do Sesi na inovação. Temos pesquisadores para criar estratégias e inovações.
E quais são projetos que o centro pretende pautar no futuro?
Nós fomos procurados pela Johns Hopkins, para trabalhar com uma análise sobre o impacto da pandemia numa vertente que une indústria, a Academia e o poder público. Isso é importante, para além de levantar dados de saúde, a gente vai se aproximar dos interlocutores (poder público e a Academia), para ter dados qualificados e definir o que fazer nessa nova estratégia da saúde pública populacional.
Outro é o Observatório Analítico de Acidentes do Trabalho, cocriado com o Observatório da Indústria, para monitorar a segurança do ambiente, pois acidente de trabalho é caro para indústria.
Também estamos fazendo uma calculadora de segurança, em que são colocados dados da indústria e obter o percentual de segurança dela, ou seja, se ela está aquém ou bem, e o que precisa ser feito. A gente está produzindo a pedido da construção civil uma tela para garantir a segurança dos trabalhadores do setor, além de trazer ainda mais produtividade.
Vamos criar o hub do CIS. Queremos ir atrás de startups da nossa área para ajudá-las, obviamente não vamos trazer um fluxo muito grande pois não temos braço, mas estamos fazendo primeiro essa busca.
Uma pesquisa elaborada pela Fiec em parceria com o Banco Mundial mostra que a maioria das empresas cearenses ainda não estão inseridas nos conceitos da Indústria 4.0. Como a senhora avalia esse cenário? Quais são os riscos para o setor se não houver um salto na inovação das atividades?
Quando a gente tá falando de indústria 4.0, a gente está falando de automação, de produção, de processos, de internet das coisas. Um estudo feito com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) com indústrias de micro, pequeno e médio portes constatou que a eficiência aumentou em 22% com o investimento em automação.
O problema é que as pessoas acham que isso é caro e não necessariamente é. Se uma empresa investe em sensores nas máquinas, ela já tem um ganho de produção, caso algum produto não saia no padrão já avisa. Ainda falta esse conhecimento. A internet e a transformação digital dentro da Indústria 4.0 vão trazer eficiência.
No entanto, a gente precisa qualificar esses dados. Produzimos uma quantidade absurda de informação, mas se não são compilados ou analisados constantemente, não é possível ver onde estão os problemas ou prevê-los. Esse é o grande desafio: mudar o mindset que a gestão tem que ser guiada pelos dados.
Se a gente quer ser competitivo no mercado, essas mudanças vão ter que ser feitas, né? Então, vai ter que ser feito pelo amor ou pela dor, né? Em algum momento vão ter que ser feitas.
E como o Sesi pretende/pode agir para ajudar a reverter esse quadro?
Capacitação. A primeira coisa é mudar o mindset das pessoas. Ah, e mudar como? As pessoas vão olhar e falar que isso vai fazer perder o emprego. Não vamos ser aqui inocentes de dizer que não vai, mas lembrando que máquina precisa de uma pessoa para operar, para criar, programar. É entender que, quanto mais eu tenho automação, maior produtividade eu tenho, então tem menos custo.
Por isso, as pessoas vão ter que se capacitar para trabalhar, desde os colaboradores do chão de fábrica, além da parte socioemocional de você trabalhar com um novo modelo de gestão, um modelo de estratégia. E se você não transformar as pessoas que estão ali dentro, você só vai gastar dinheiro, não vai conseguir. Então, o sistema indústria tem um papel muito forte.
Além dos serviços voltados para a indústria, o Sesi também atua na promoção da educação, tanto por meio das escolas quanto pelos cursos e capacitações. Como a pandemia afetou a realização desses cursos?
Tem duas vertentes de educação do Sesi. A nossa escola de educação básica já nasceu, em 2015, extremamente tecnológica. Trabalhamos para colocar jovens qualificados no mercado com foco na indústria e esse ambiente virtual de aprendizagem já existia antes mesmo da pandemia. Não vou dizer que foi fácil, mas se foi algo que não sofremos foi com isso.
No caso dos cursos de Normas Regulamentadoras, já estávamos na inserção a distância, então só concluímos a migração, mas obviamente algumas partes ainda vão ser necessárias a presença. Na medida do possível, nós conseguimos trazer tudo para o ambiente virtual de aprendizado.
Há mão de obra capacitada suficiente hoje para atender a indústria? Por quê?
Não, porque a necessidade da indústria está mudando. O Observatório da Indústria fez uma análise das profissões do futuro, o que se vê é que tem profissões que existem hoje que vão se acabar e profissões que vão ter que surgir.
Então, isso traz toda uma gama de capacitação que não foi implantada ainda, os setores estão se atualizando e as competências vão ter de ser desenvolvidas, além disso, os riscos são diferentes. Vamos ter que nos adaptar e eu não acho que seja coisa para daqui 20 anos não, é para cinco ou menos.
Qual o principal desafio em termos de recursos humanos para a indústria hoje? O que é preciso ser feito para superá-lo?
O maior desafio é a qualificação, seja ela técnica ou comportamental. A técnica você aprende, mas lidar com o ser humano é o grande desafio. Tem uma pesquisa que diz que as pessoas são contratadas pelas qualidades técnicas, mas a maioria é demitida pelas comportamentais. Ainda tem muito campo de atuação nesse sentido e a pandemia foi uma luz vermelha mostrando que os seus problemas pessoais não ficam em casa.
Quanto mais a gente trabalha a cultura da empresa, em que as pessoas são acolhidas, ouvidas, melhor vai ser para aliar os dois. Se você consegue trazer isso para o ambiente, quem não trabalha feliz? Acho que esse é o grande desafio.