Infraestrutura de transporte requer investimento de até 30 anos
Greve dos caminhoneiros que parou o Brasil por mais de dez dias expôs fragilidade nacional nessa área. Especialistas defendem planejamento e aporte contínuos para melhorar o setor
A política descontinuada de investimentos em infraestrutura de transportes no Brasil tornou o País refém do modal rodoviário. Desde a década de 1960, os governos optaram em investir mais fortemente em rodovias, deixando de lado ferrovias, aeroportos e os demais modos de transporte de cargas e pessoas. Para mudar esta realidade, especialistas afirmam que seriam necessários pelo menos 20 anos de investimentos contínuos e planejados.
"Você pode pensar em outras formas de transporte. Existe um plano de ferrovias, como a Transnordestina, mas isso é muito caro e a situação não muda da noite para o dia. É preciso investimento e organização. O transporte por navio é supereficiente. Você pode movimentar o litoral todo do que construir estradas e haver um esquema mais organizado. Tudo isso teoricamente é possível, mas precisamos discutir e ter resultados em pelo menos 20 e até 30 anos", explica o professor do Departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), Mário Angelo Azevedo.
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Pensadas as políticas de investimento para o transporte e postas em prática, a realidade do transporte no Ceará e no restante do País poderia ser outra. A mudança de cenário passaria, principalmente, com aumento da produtividade e da agilidade dos mecanismos de logística.
"Não necessariamente nós temos de copiar de outros países porque cada um tem uma realidade. Se você fizer com a participação de todos os interessados, pode ser que funcione. Você tem correções de rumo, como o término das obras, por exemplo. É urgente a questão de terminar o que já foi iniciado", diz o professor universitário.
Planejamento
Outro ponto abordado por Azevedo é a identificação de necessidades. "Você vai achar o melhor modo para transportar. A solução rodoviária está mais na mão. Você tem que planejar e procurar com que não aconteçam os gargalos. É preciso também distribuir o desenvolvimento entre estados e as cidades. É um planejamento de investimento. Não adianta ter o recurso e não saber como aplicá-lo".
De acordo com o professor da UFC, a multimodalidade não descarta o transporte rodoviário, mas oferece outras possibilidades para o seu uso. "Mesmo que você transportasse por trem ou navio, o rodoviário faz porta a porta. Você pode ter até um sistema de distribuição na linha ferroviária, mas sempre vai precisar do rodoviário. O que a gente precisa trabalhar no Brasil são as grandes distâncias e com um prazo muito longo", acrescenta.
Confiança
A confiabilidade da eficiência do modal rodoviário é um outro ponto destacado por Azevedo. Ele afirma que os setores da atividade econômica prezam pela agilidade e segurança do meio, no sentido da mercadoria chegar ao destino, sem problemas de logística.
"O que a gente percebe é que os outros modais, mesmo o ferroviário, em algumas regiões, ele não é tão confiável. O fabricante não confia muito usar outro modo. O caminhão é mais seguro por não perder aquela carga e nem atrasar na entrega".
O professor também diz que a complexidade do assunto envolve diversas questões, como a insalubridade dos motoristas de caminhões. "Talvez os caminhoneiros pudessem fazer viagens mais curtas e o transporte ferroviário tivesse ligação direta do Sul para o Norte do País e assim transportar mais mercadorias pelo trem. Uma das formas é dar capilaridade ao sistema e encaixar o melhor modal para determinada atividade".
A greve dos caminhoneiros mostrou ao País o que muitos especialistas repetem há anos: não pode haver dependência de apenas um modal. "Eles (motoristas) têm um poder grande de barganha porque você depende totalmente do trabalho deles. A economia do País ainda está ruim e o frete está baixo porque há uma super oferta de frete. Se um caminhoneiro não aceita o preço ali tem outro que faz", diz.
Interesses
A falta de políticas de investimentos em multimodais no Brasil não perpassa apenas pelo interesse governamental. A iniciativa privada se sente retraída com a elevada carga tributária e com os entraves burocráticos que bloqueiam a agilidade de obras e o funcionamento logístico eficiente. Por outro lado, especialistas também consideram o lobby da indústria automobilística como um dos mecanismos para o desenvolvimento de outras formas de transporte de cargas no País.
"Tem as empresas que fabricam caminhões que também estão em jogo. É um sistema complexo e tem as preferências. Nada é fácil", diz o professor Mário Angelo Azevedo.
Problemas expostos
Para a economista Tania Bacelar, a greve dos caminhoneiros expôs dois problemas principais nos transportes. "Essa greve mostrou ao País duas dependências estruturais, com o transporte rodoviário e o lobby das empresas automotivas e as empreiteiras que aprenderam a construir estradas", avalia.
Segundo ela, não existem outras forças para competir com a indústrias de automóveis e com as grandes empresas de construção civil. "São duas forças econômicas muito bem estruturadas no País. Não adianta fazer concessão se não exigir investimento porque você está apenas mudando de dono, passando do governo para a iniciativa privada", explica a economista.