'Fui cortando gastos': renda média do cearense cai e é a menor em quase uma década

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) aponta redução do rendimento do cearense

Escrito por Bruna Damasceno , bruna.damasceno@svm.com.br
Profissional corta o cabelo de uma criança
Legenda: O cabeleireiro Vinícius Coelho, de 43 anos, sofreu redução da renda em 2021
Foto: Kid Jr / SVM

O rendimento médio real dos trabalhadores no Ceará (considerando a soma de todas as fontes) foi de R$ 1.556 por mês em 2021, uma queda de 14,3% ante 2020 (R$ 1.817). Os dados são Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada, nesta sexta-feira (10), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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Esse é o menor valor registrado na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. Ou seja, além corrosão da renda provocada pela inflação galopante (10,06%), o cearense ainda recebeu R$ 206 a menos por mês no ano passado. 

Por trás dos números, estão histórias como a do cabeleireiro Vinícius Coelho, de 43 anos. O profissional, que sofreu perda drástica da remuneração, relata ter tido a sensação de que o dinheiro remanescente não possuía mais o mesmo valor. 

“Com a crise, as pessoas deixaram de vir ao salão. Então, precisei baixar os custos dos serviços para manter a rotatividade e conseguir o dinheiro para sobreviver, mas a inflação tornava tudo mais difícil", lembra. 

"Fui reduzindo as compras, cortando os gastos para poder pagar o essencial: energia, água”, lista, acrescentado que uma educação financeira o ajudou a lidar com a situação para evitar mais dívidas. 

Veja o histórico do rendimento médio mensal real da população residente, a preços médios do último ano (R$), no Ceará:

  • 2012: R$ 1.565
  • 2013: R$ 1.591
  • 2014: R$ 1.581
  • 2015: R$ 1.616
  • 2016: R$ 1.581
  • 2017: R$ 1.639
  • 2018: R$ 1.652
  • 2019: R$ 1.743
  • 2020: R$ 1.817
  • 2021: R$ 1.556

O professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC), Aécio Alves de Oliveira, enfatiza que o drama vivido por Vinícius é o mesmo de muitos brasileiros e cearenses. 

“A queda do rendimento médio apresentado pelo estudo é a nominal. Se a inflação for considerada, o declínio real é muito maior. Em termos de poder de compra, isso justifica porque mesmo as famílias que hoje têm pessoas trabalhando enfrentam mais dificuldades. A vida e o custo de viver se tornaram mais caros”, evidencia. 

Impacto negativo do Auxílio Brasil

Outro ponto, acrescenta, é o impacto negativo da substituição do programa Bolsa Família para o rebatizado Auxílio Brasil. 

“O programa do governo federal é ínfimo. Além de não ter a mesma amplitude que tinha o Bolsa Família, os valores são menores em termos reais. Então, isso também explica porque a vida das famílias está cada vez mais apertada”, observa, ponderando que, sem considerar a inflação, o valor é maior. 

Antes, podiam receber o benefício pessoas que ganhavam mensalmente até R$ 89. Pelas novas regras, as famílias em extrema pobreza passaram a ser consideradas aquelas com renda abaixo de R$ 100, reduzindo o número de atendidas. 

O benefício inicial médio foi de R$ 217. Depois, foi aprovado o valor permanente de R$ 400. Aécio lembra que o salário mínimo também não teve reposição inflacionária, aumentando a concentração de renda. 

Conforme a pesquisa, o percentual de domicílios que receberam rendimento do Programa Bolsa Família também foi o menor desde 2012, caindo de 37% para 17,4% em 2021. 

“Tudo isso se reflete na desigualdade. No caso do Ceará, que é um estado pobre, com uma economia pouco dinâmica e inexpressiva relativamente ao País, temos a distribuição da miséria”, reforça. 
Aécio Alves de Oliveira
Professor de Economia Ecológica da Universidade Federal do Ceará (UFC)

O estudo também mostra uma elevação da desigualdade, historicamente medida pelo coeficiente de Gini. Neste indicador, quanto mais próximo de zero, melhor.

Veja o Índice de Gini do rendimento domiciliar per capita, a preços médios do ano, no Ceará. 

  • 2012: 0,545
  • 2013: 0,537
  • 2014: 0,522
  • 2015: 0,528
  • 2016: 0,543
  • 2017: 0,547
  • 2018: 0,547
  • 2019: 0,562
  • 2030: 0,544
  • 2020: 0,549  

A falta do auxílio emergencial 

O diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, pondera ser importante analisar a renda domiciliar per capita (RDPC) para a definição clara de todas as fontes de remuneração.

Em 2020, aponta, mesmo diante da recessão, houve um aumento da RDPC em toda a região Nordeste (0,8%), incluindo o Ceará, que registrou elevação de 3,7% entre 2019 e 2020.

“Mesmo em um cenário com aumento da taxa de desocupação, esse resultado foi possível em razão do pagamento do Auxílio Emergencial, e até mesmo pelo crescimento dos rendimentos do trabalho, que só são observados pelos indivíduos efetivamente ocupados”, avalia. 

João Mário recorda que a conjuntura econômica permaneceu recessiva, com o efeito de uma segunda onda da Covid-19, no primeiro semestre de 2021.

A grave situação sanitária exigiu a adoção de novas medidas para salvar vidas, mas houve danos às atividades econômicas, sobretudo, no Ceará. Com a economia cambaleante, uma nova versão do Auxílio Emergencial foi paga a menos pessoas

“No Nordeste, a redução da RDPC foi de 12,5%”. No Ceará, foi ainda mais severa (15,8% entre 2020 e 2021, de R$1.068 para R$899), tanto em razão da redução das transferências de renda, uma vez que a população mais vulnerável é muito dependente deste tipo de política, mas, também, pelo forte impacto da recessão sobre o mercado de trabalho local”, analisa.  

Por que o Ceará foi tão impactado e o que esperar para o resto de 2022? 

O diretor-geral do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário de França, destaca que a conjuntura afetou duramente o mercado de trabalho cearense. 

Com uma economia pouco dinâmica e dependente dos setores de serviços e do comércio, a geração de emprego e renda ficaram estagnadas. 

“Atividades relacionadas com os setores de turismo, hotelaria eventos, bares e restaurantes, por exemplo, foram muito impactadas”, lista. Para 2022, contudo, o economista prevê a recuperação do mercado de trabalho cearense. 

“Dados da Pnad Contínua coletados trimestralmente mostram que a taxa de desocupação diminuiu para 11% no primeiro trimestre de 2022, muito próximo do patamar nacional (de 11,1%) e melhor do que o observado para a região Nordeste (de 14,9%). A renda do trabalho, em termos reais, ainda não apresenta grande avanço em razão do forte aumento nos níveis de preços”, enfatiza. 

No Brasil, o rendimento médio mensal real domiciliar per capita em 2021 foi de R$ 1.353, também o menor valor da série histórica da pesquisa.

Com o resultado, a massa do rendimento mensal real domiciliar per capita caiu 6,2% ante 2020, chegando a R$ 287,7 bilhões em 2021, seu segundo menor valor, desde 2012 (R$ 279,9 bilhões).

Dentre as regiões, o Nordeste segue com menor ganho médio mensal domiciliar per capita (R$ 843).

 

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