Energia ondomotriz: por que a usina de ondas para geração de eletricidade não vingou no Ceará?

Alternativa de fonte renovável chegou a ter piloto no Estado, mas proposta não teve continuidade

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém energia ondomotriz
Legenda: Produzida a partir do vaivém das ondas, energia ondomotriz já foi gerada no Ceará por protótipo
Foto: Francisco Viana/Arquivo Diário

No contexto das energias renováveis, dois modais se destacam no Ceará: o eólico e o fotovoltaico (também chamado solar). Ambos ganham cada vez mais terreno na geração de eletricidade no Estado. Menos conhecida é a geração de energia a partir das ondas do mar, denominada ondomotriz, que, contudo, já despertou interesse tanto do Poder Público quanto de investidores estrangeiros em solo cearense.

Apesar de estudos para esse tipo de energia terem iniciado ainda no final do século XIX, a geração da eletricidade a partir das ondas ainda está muito longe de se tornar algo aplicado em larga escala no mundo todo.

Assim como a produção de energia a partir do sol e dos ventos, a ondomotriz também se vale de fonte renovável, portanto, é menos poluente do que as formas tradicionais. Para gerar esse tipo de eletricidade, é aproveitado a força das ondas do mar, em águas mais profundas do que o litoral.

Projeto piloto no Ceará

Tratando-se de Brasil, o Ceará foi o primeiro estado a ter estudos concretos para a produção de energia ondomotriz. Em 2009, um projeto do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ) trouxe para as imediações do Complexo do Pecém um piloto de usina de ondas.

Em 2012, o projeto finalmente começou a produzir eletricidade, com duas turbinas instaladas em faixa de praia no Pecém. Os estudos foram concluídos em 2013 e a expertise é motivo de análise até hoje na universidade fluminense.

Oito anos depois, em 2021, a empresa sueco-israelense Eco Wave Power assinou com o Governo do Ceará um memorando de entendimento (MoU) para estudos de viabilidade para implantação de uma usina comercial de energia ondomotriz no Complexo do Pecém, com validade até maio de 2022. O acordo entre as partes venceu sem maiores avanços.

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Alto custo

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste analisaram a situação da geração de energia a partir das ondas, sendo unânimes em afirmar que ainda não é viável ter a produção de eletricidade ondomotriz ao redor do mundo.

O professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Carlos Teixeira, atribui ao alto custo dos equipamentos a inviabilidade para a produção da energia das ondas do mar, mas argumenta que a situação pode ser mudada a exemplo do que já aconteceu com as matrizes eólica e solar no passado.

“Na verdade, a produção de energia a partir de ondas não vingou em nenhum lugar do mundo, os sistemas ainda são caros comparados com a quanto que se produz energia. Mas pesquisas e novas tecnologias podem fazer com que isso mude. Os primeiros sistemas de células fotovoltaicas para produção também eram caros, isso mudou com o tempo. O Ceará teve um experimento pioneiro de produção de energia junto ao Porto do Pecém que teve sucesso na produção de energia, mas que não era viável financeiramente”, pontua.

O projeto citado por Carlos Teixeira foi o do Coppe UFRJ. Hoje professor emérito da UFRJ e diretor-geral do Instituo Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), Segen Estefen foi um dos idealizadores do piloto no Porto do Pecém. 

Segundo o docente, o período de duração do projeto, entre 2009 e 2013, estava planejado e teve apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Após esse intervalo, o Complexo do Pecém começou obras de expansão que afetariam o desempenho da usina de ondas.

“Aquele projeto tinha um prazo que era de quatro anos para desenvolver o projeto, construir, instalar e fazer alguns estudos em função do desempenho. Depois daquele tempo, ele foi desativado, já era previsto, porque o porto estava planejando uma extensão e nós sabíamos que iria sombrear as ondas que incidem sobre o conversor”, explica o professor.

A produção no Porto do Pecém era feita seguindo o passo-a-passo:

  1. Os flutuadores (ou boias) instalados em alto-mar são ligados ao continente por meio de braços mecânicos;
  2. Estes, por sua vez, são conectados a bombas hidráulicas, ligadas em um circuito de água doce (que pode ou não ser água do mar dessalinizada); 
  3. As boias flutuavam, em um sobe e desce conforme o vaivém das ondas, e acionavam as bombas hidráulicas;
  4. As bombas faziam com que a água doce no circuito fechado circulasse em um lugar de alta pressão;
  5. Essa força da água movimentava uma turbina, acionando um gerador externo e produzindo energia elétrica.

Foto que contém energia maremotriz no Ceará
Legenda: Usina de geração de energia maremotriz no Ceará colheu resultados positivos, mas segue longe de sair do papel
Foto: UFRJ/Divulgação

De acordo com a assessoria do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP), “o primeiro protótipo de usina de ondas, viabilizado através do programa de P&D Aneel, foi desenvolvido pela Coppe com a empresa Tractebel Energia (atual Engie) e também contou com a participação da UFC durante a pesquisa”. 

A instalação do equipamento no Pecém se deveu, conforme Segen, diante da posição geográfica e da infraestrutura já instalada. Os estudos trouxeram ensinamentos importantes, e a necessidade urgente de reduzir os custos de produção desse tipo de energia. "Se você olhar no mundo inteiro, há um interesse crescente em aproveitar as ondas do mar para gerar energia elétrica e dessalinizar a água. Uma das questões principais foi a necessidade de reduzir custos", afirma.

Mesmo a onda sendo de graça, é uma energia da natureza, o investimento inicial para fazer a conversão ainda é um investimento muito alto de todos os dispositivos tidos no mundo hoje na forma de protótipos. Ainda está em uma fase pré-comercial, apesar de vários esforços estarem sendo empreendidos"
Segen Estefen
Professor emérito da UFRJ e diretor-geral do Inpo

Aprendizados das ondas

Para produzir a energia ondomotriz, Segen Estefen estima que o custo é pelo menos três vezes maior do que a eletricidade gerada a partir de hidrelétricas. Após os estudos do Pecém, o Coppe/UFRJ está com um novo projeto de usina de ondas, desta vez na Ilha Rasa, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro.

“Temos que simplificar o conversor, e é isso que estamos fazendo no protótipo da Ilha Rasa. Estamos suprimindo o conversor hidráulico, que tínhamos no Pecém, e estamos trabalhando com boias menores, para diminuir o custo, mas aumentando as técnicas de controle. Estamos usando um tipo de controle que faz com que o flutuador atue quando tenho um cavado de onda, e depois quando ele é elevado na crista da onda, existe um dispositivo que mantém o flutuador”, expõe o professor.

A experiência no litoral do Ceará, além do potencial energético, despertaram a atenção da empresa Eco Wave Power. Com sede em Israel e na Suécia, o conglomerado investe em usinas de ondas ao redor do mundo, com projetos bem-sucedidos na Europa e na Ásia, e atualmente com construção do maior parque de geração de energia ondomotriz do mundo, no Mar Negro, na costa da Turquia.

A assinatura do memorando de entendimento com o Governo do Estado previa uma usina de geração de energia limpa das ondas com capacidade instalada de até 9MW também nas dependências do Complexo do Pecém.

O projeto, no entanto, não avançou. Conforme o CIPP, o estudo para a instalação da usina de ondas foi feito, sendo constatada a inviabilidade, naquele momento, para a construção do parque de geração de energia.

“Após a assinatura do MoU, foi desenvolvido um estudo de viabilidade sobre capacidade e custo de produção de energia, que acabou não se mostrando viável na época. Dessa forma, o memorando venceu sem que tivesse havido um acordo entre as partes”, informa o Complexo em nota.

Foto que contém usina de ondas da Eco Wave Power
Legenda: Projeto de usina de ondas da Eco Wave Power seria similar ao já instalado pela própria empresa ao redor do mundo
Foto: Eco Wave Power/Divulgação

Desbravando o mar

As usinas de ondas, assim como outras formas de geração de eletricidade em alto-mar (marés, correntes marinhas, gradiente de temperatura e gradiente de salinidade), leva para a água o que já é feito em terra há muito tempo: produzir energia.

Hidrelétricas, termelétricas, turbinas eólicas e painéis fotovoltaicos já dominam a terra firme, no que é chamado onshore. Em um contexto de regulação de políticas em alto-mar, as empresas vêm investindo em levar essas tecnologias para águas profundas (offshore). 

Com a possibilidade de desenvolvimento de energia ondomotriz, há interessados nos chamados parques híbridos offshore, aproveitando-se da mesma estrutura para a geração de eletricidade a partir da força das ondas, ventos e Sol.

Para o professor Carlos André, do departamento de Engenharia Mecânica da UFC, o local ideal para a produção dessa energia está afastado da costa, com ondas maiores com intervalos adequados para compensar a produção.

"Deve ser dito que a energia a ser extraída das ondas depende diretamente da altura da onda ao quadrado. Ou seja, quanto maior a onda, mais energia a ser absorvida. Isto significa que as maiores alturas de ondas são encontradas longe da costa. Assim, existe sim o problema de distribuição desta energia gerada longe da costa, o que não inviabiliza a geração, mas encarece. Plataformas de petróleo e ilhas não apresentam tal dificuldade. Assim, pode ser gerada energia a partir das ondas do mar tanto próximo, como o Pecém, quanto distante (melhor) do litoral", acentua.

O docente ainda completa com a interação entre o parque híbrido e a paisagem e o meio ambiente, que podem ser ainda mais afetados com a instalação dos dispositivos em alto-mar, necessitando de cuidados redobrados.

“Se instalados em alto mar, não teria nenhum problema visual. O ambiente será poluído visualmente com a instalação de aparelhos mecânicos que não combinam com o local e ainda geram ruído, atrapalham a navegação. Tudo isso tem sido objeto de inúmeros estudos publicados, inclusive sobre o impacto do som na fauna subaquática. Um aspecto inerente a manutenção destes dispositivos no mar se refere ao ataque dos agentes corrosivos e da flora e fauna aquática, exigindo maior cuidado no uso de proteção contra a corrosão (já utilizadas em embarcações) e o acúmulo de organismos vivos nas estruturas submersas”, destaca.

Apesar das questões ambientais, o custo-benefício da produção de energia ondomotriz no Ceará pode ser vantajoso, como salienta Carlos Teixeira. Os ventos alísios, característica do litoral cearense, podem potencializar a geração.

O Ceará poderia se beneficiar muito de sistemas devido aos ventos alísios, quase sempre presentes na nossa costa e que produzem ondas localmente e as ondas produzidas longe daqui, mas que se propagam para a nossa costa, temos ondas intensas ao longo do ano. Diferente de outras regiões do Brasil, que apresentam épocas com pouca energia de ondas, aqui temos ondas o ano inteiro.
Carlos Teixeira
Professor do Labomar da UFC

Carlos Teixeira também frisa a questão de outras fontes renováveis que podem vir do mar, como a maremotriz. Nesse tipo de produção de eletricidade, a variação das marés, e não o vaivém das ondas, como na ondomotriz, é o que possibilita a geração de energia.

"Diferente da produção ondomotriz que usa a movimentação das ondas, a energia maremotriz é a produção de energia através da movimentação do nível do mar ou das correntes gerados pelas marés que geralmente ocorrem a cada 12 horas no Brasil. O Ceará devido as suas marés de tamanho médio, também poderia avaliar projetos nesse caminho", destaca. 

 

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