Substituição de asfalto por concreto nas vias do Ceará: entenda vantagens e desvantagens
Vias do Estado ainda têm a predominância do derivado do petróleo, mas materiais usados na construção civil vêm ganhando força
Motoristas e pedestres de Fortaleza e arredores já devem ter notado que, em boa parte das vias, o pavimento está diferente. O asfalto, principal forma de piso para o trânsito, está dando lugar ao concreto e a blocos intertravados, e os motivos vão desde questões ambientais até custo-benefício.
Há anos, o asfalto substituiu a pavimentação de paralelepípedo, blocos de pedras que ainda sobrevivem em algumas vias da capital e do Ceará. A justificativa para a mudança era a promessa de menor valor e melhor custo-benefício, com manutenção mais barata.
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Ao longo dos anos, porém, a situação - e a qualidade – dos materiais utilizados foi dando lugar ao uso de soluções mais baratas frente ao crescimento do preço do petróleo, a matéria-prima do asfalto.
Além disso, diversas ruas, avenidas e estradas sofrem com o desgaste do tráfego, cada vez mais intenso. Motoristas acumulam inúmeras reclamações de desníveis nas vias, além de diversos buracos.
Sobretudo em rodovias, aumentou o uso de concreto de pavimentação. A solução, embora mais cara do que o asfalto, dá a garantia de baixa manutenção e longevidade do material, além de suportar com tranquilidade o peso de ônibus e caminhões no modal rodoviário, o principal do País.
Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste veem como positiva a substituição, mas acreditam que a mudança deve ser mais lenta acima de tudo em vias fundamentais para o tráfego.
Múltiplas pavimentações
Atualmente, apenas no perímetro urbano de Fortaleza, sejam em rodovias estaduais ou federais ou em vias administradas pelo município, além do paralelepípedo e de ruas ainda de terra, que são minoria, três pavimentos são os preferenciais:
- Asfalto (pavimento flexível);
- Cimento Portland, o concreto de pavimentação (pavimento rígido);
- Piso intertravado (intermediário).
O asfalto ainda domina a maior parte das vias, enquanto o Cimento Portland ocorre na totalidade apenas da Avenida César Cals/Dioguinho, da Praia do Futuro até a Sabiaguaba, e nas áreas de paradas de ônibus e corredor de transporte público em alguns logradouros da cidade.
O piso intertravado vem sendo a opção em diversas vias que precisam passar por grandes alterações na infraestrutura, como Beira-Mar, ruas da Varjota e toda a duplicação da Avenida Sargento Hermínio (entre as ruas Padre Anchieta e Olavo Bilac).
Segundo Iuri Bessa, doutor em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), esse tipo de pavimentação traz uma série de benefícios, como melhoria na drenagem e maior economia de combustível.
"O impacto direto está muito ligado com a questão do controle de inundações, pois é um tipo de pavimento que facilita a infiltração da água na estrutura e diminui o escoamento da água na superfície. Esse tipo de material também melhora a aderência do pneu ao pavimento”, pondera.
Já para Heber Oliveira, professor do departamento de Engenharia de Transportes da UFC, o uso do piso intertravado traz ainda benefícios como a sustentabilidade pelo reaproveitamento de materiais.
"Eles podem ser utilizados na fabricação das peças, na camada de assentamento e no material de rejuntamento. Assim, na logística da construção do pavimento, é possível diminuir a demanda sobre as reservas naturais de materiais por meio do uso de resíduos”, explicita.
"Quebra-cabeça" mais resistente
No caso específico de Fortaleza, a Prefeitura vem realizando, com o piso intertravado, a pavimentação do tipo whitetopping em vias que anteriormente continham asfalto.
Nesse tipo de recapeamento do piso, apenas a camada superficial é removida, mantendo as estruturas inferiores de pavimento flexível, e o intertravado é aplicado.
A técnica garante maior rapidez para a colocação da pavimentação, bem como assegura a qualidade da rigidez do intertravado.
“Aproveitar o pavimento existente, principalmente se ele possuir uma estrutura adequada, é uma alternativa para reduzir os custos de implantação dos pavimentos intertravados. Contudo, essa decisão deve se fundamentar em estudos prévios da estrutura existente, pois, muitas vezes, essa estrutura pode estar afetada com problemas nas suas camadas”, salienta Heber Oliveira.
O titular da Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf), Samuel Dias, explica que os benefícios do piso intertravado permitem com que ele seja desmontado como se fosse um quebra-cabeça para manutenções subterrâneas, sendo remontado após o fim das obras.
Você desmonta o piso, faz escavações e depois reconstrói a pavimentação utilizando a que tinha no local. Ela é mais econômica e tinha melhor acabamento porque não se observa, diferentemente do asfalto, marcas de remendo quando você tem que fazer escavações localizadas, não fica mais com a diferença daquele tipo de asfalto
Atualmente, segundo o gestor da secretaria, Fortaleza conta com mais de 570 vias com piso intertravado. A expectativa, ainda de acordo com Samuel Dias, é que a capital ultrapasse as 1000 ruas e avenidas com esse tipo de pavimentação em janeiro de 2025, sendo 90% "nas áreas mais carentes da cidade".
Heber Oliveira também salienta que, assim como o concreto de pavimentação, o piso intertravado traz vantagens como a melhor iluminação noturna das vias, uma vez que o piso é claro, bem como a sustentabilidade, abandonando o uso de material derivado do poluente petróleo.
O professor de Engenharia de Transportes também avalia o custo-benefício do uso do intertravado em vez do asfalto. Ele acredita que, em média, a mudança na pavimentação pode trazer uma economia de 30 a 50% com manutenção do piso.
"É um tipo de pavimento de fácil e rápida execução, desde que haja um bom projeto e efetiva fiscalização Além disso, a manutenção e as inúmeras interferências promovidas pelas ruas e avenidas da cidade, após o pavimento construído, muitas vezes sem planejamento e com consequências nefastas para os usuários, devem promover um esforço conjunto dos envolvidos", orienta.
Essa pode ser a economia média com a substituição do asfalto pelo piso intertravado
Concreto para o peso
Já é comum o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) realizar pavimentações em rodovias com Cimento Portland, mas essa prática tem sido adotada também em Fortaleza, como é o caso da Avenida César Cals/Dioguinho.
Diariamente, passam por lá inúmeros caminhões de cargas, em uma das principais ligações entre o Porto do Mucuripe e o do Porto do Pecém, principalmente via CE-010, que leva ao Anel Viário Metropolitano.
Ao contrário do piso intertravado, que exige manutenção, assim como o asfalto, embora em menor quantidade, o concreto de pavimentação tem como característica a alta durabilidade.
Além da César Cals//Dioguinho, a Prefeitura tem adotado o Cimento Portland nos terminais de ônibus recém-entregues.
Isso inclui os equipamentos da Washington Soares e o do José Walter, e as áreas de paradas de ônibus em avenidas como Desembargador Moreira, Santos Dumont e em todo o corredor da Aguanambi.
"O concreto tem desempenho e resistência maiores em relação ao asfalto quando há a ocorrência de cargas pesadas. O dano que os ônibus ou caminhões causam no pavimento é extremamente maior do que o causado pelos carros, por isso faz sentido usar concreto nessas áreas específicas", explana Iuri Bessa.
Apesar da alta durabilidade, o Cimento Portland como pavimentação traz outros problemas, como o custo elevado e a dificuldade de realizar reparos específicos, além da necessidade de juntas de dilatação para suportar deformações por alterações climáticas.
Esse tipo de piso exige uma manutenção específica, e uma série de cuidados ao ser removido para serem realizadas obras em galerias subterrâneas, como aponta Iuri Bessa.
"No geral, o custo tende a ser mais alto, e a construção e manutenção são mais complexas e requerem mais cuidado e rigor".
"Diferente do piso intertravado, em que é possível desmontar, para se acessar o subsolo abaixo do piso de concreto, ele tem que ser destruído e depois reconstruído. O custo de manutenção da infraestrutura que fica sob o pavimento é maior e bem mais complexo", completa Samuel Dias.
Novas rodovias em cimento
O DNIT está de olho nas novas formas de pavimentação, e tem deixado de lado o asfalto para duplicações de rodovias federais no Ceará.
"O atual cenário internacional de preços dos materiais derivados do petróleo tem impactado fortemente nos custos de aquisição do principal insumo utilizado em pavimentos asfálticos, que venha a ser o Cimento Asfáltico de Petróleo – CAP", informa o DNIT em nota.
A estimativa feita pelo departamento é que, comparado com o asfalto, o Cimento Portland tenha vida útil de pelo menos 20 anos sem precisar de manutenções, enquanto que o derivado do petróleo dura no máximo 10 anos, com necessidade constante de recapeamento.
Nas rodovias administradas pelo DNIT, duas rodovias estão recebendo concreto de pavimentação nas duplicações que estão sendo realizadas:
- BR-020 – 4º Anel Viário (hoje sob administração do Governo do Estado do Ceará);
- BR-222 (pavimento em fase de implantação nas obras de duplicação do Km 11 ao 35).
Ainda conforme o departamento, outras três obras em estradas federais que estão planejadas pelo Governo Lula, todas também de duplicação, poderão ter o Cimento Portland no pavimento:
- BR-116 do Km 52 (Pacajus) ao Km 74 (Edital publicado);
- BR-116 do Km 74 ao 114 (entroncamento com a BR-304/CE) – em fase de elaboração do edital;
- BR-222 do Km 35 (Acesso ao Porto do Pecém) ao Km 222 (Sobral) - em estudo de obras de duplicação, melhoramentos e contornos urbanos.
Fim do asfalto?
Apesar das diversas problemáticas em torno do asfalto, que incluem ainda o preço crescente do petróleo no mercado internacional, em detrimento do cimento, que é mais "estável", os especialistas acreditam que muitas ruas ainda devem ser pavimentadas com o material.
"Estamos muito longe de parar de usar asfalto completamente, por ser um material muito tradicional e por vir do petróleo, que é um insumo muito explorado especialmente no Brasil. Estamos ainda longe de conseguir propor novos materiais que substituam o asfalto totalmente", enfatiza Iuri Bessa.
Samuel Dias enxerga benefícios em Fortaleza com a substituição gradual do asfalto, mas ressalta que o uso do piso intertravado ainda é experimental na capital, sem a possibilidade de que sejam feitas análises mais aprofundadas da mudança.
"Ainda não é possível mensurar exatamente a economia tendo em vista que é uma metodologia que está sendo utilizada há menos tempo. (...) Pelas características do tipo de obra de manutenção que se tem no piso intertravado e no asfalto, pode-se dizer que o piso intertravado tem uma manutenção bem mais barata", classifica o secretário.
O titular da Seinf também dá detalhes sobre a obra de recuperação pela qual o pavimento da Avenida Vila do Mar, entre a Barra do Ceará e o Pirambu, deve passar.
Dias afirma que o pavimento de pedra (paralelepípedo) na avenida será reciclado e utilizado na construção do pavimento de base abaixo do que receberá o piso intertravado.
A reportagem entrou em contato com o Governo do Estado através da Secretaria de Obras Públicas (SOP) em busca de esclarecimento sobre a situação das vias estaduais, mas o órgão não respondeu até o fechamento desta matéria.